A comovente história de mulheres abusadas em uma comunidade cristã
Indicado ao Oscar, "Entre Mulheres" estreia nesta 5ª (2.mar) e foi baseado em crimes ocorridos na Bolívia

Cleide Klock
Essa é uma história difícil de digerir, e mais ainda quando a gente lembra que "Entre Mulheres" foi baseado em fatos que ocorreram na Bolívia. Mais de 150 mulheres e meninas - incluindo crianças pequenas - foram abusadas sexualmente em uma pequena comunidade. O filme, estreia nesta 5ª feira (2.mar) tem duas indicações ao Oscar e é mais do que dolorido de assistir, mas importante ser propagado ao mundo.
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Em um primeiro momento, parece um refúgio pacífico longe da modernidade das grandes cidades. Uma vila pacata, com base agrícola, que vive como se estivesse ainda no passado. O enredo do filme foi inspirado no que aconteceu em Manitoba, na Bolívia, entre 2005 e 2009, em uma comunidade que segue a crença religiosa menonita.
Muitas pessoas viveram durante anos sabendo que algo extremamente errado estava se passando. É entre a vergonha de falar o que aconteceu, o medo e a realidade brutal que confronta a fé, que algumas mulheres começaram a conversar sobre o que ocorria no calar da noite. Corpos anestesiados, abusos, estupros, gravidez. E as histórias se multiplicavam - os algozes eram os irmãos, filhos, maridos, pais, amigos.
Versão ficcional
O longa teve como base o best seller homônimo, de Miriam Toews, lançado em 2018, que se inspirou nos crimes para contar essa história. O drama é uma versão ficcional do evento da vida real, com foco em oito mulheres que tomam coragem e realizam uma reunião secreta para tentar traçar o futuro da comunidade, enquanto os homens estão ausentes por poucos dias.
"O que Miriam fez foi pegar um evento que aconteceu em uma comunidade real de mulheres e depois construiu a narrativa ficcional do que houve, quando um grupo de mulheres que sofreram agressão por parte dos homens de sua comunidade se reúne para votar em três possibilidades: ficar e perdoar a agressão, ficar e lutar contra os estupradores ou sair ir embora. E, basicamente, o filme acompanha 24 horas na vida dessas mulheres e o debate que elas têm sobre esses termos", contou Frances McDormand, que além de atuar assina como produtora.

Mulheres fortes
Essas mulheres não tiveram oportunidade de ir à escola, com pouca educação formal, mas cheias de sabedoria, promovem uma poderosa consciência política coletiva. A compreensão da opressão e a libertação potencial são temas do filme: suspense, emoção e inspiração. Tudo isso enquanto questionam a própria fé e a necessidade do perdão.
"[Esse filme fala de um] Acerto de contas, raiva, culpa, fé e perdão, mas me deixou com esse tipo de esperança desconcertante no final. Com essa sensação de que é possível reimaginar as coisas, é possível não ficarmos presos nesses papéis de gênero pérfidos, é possível falar não apenas sobre o que queremos destruir, mas sobre o que queremos construir e como gostaríamos de refazer o mundo. Vamos olhar para o que queremos ver, porque já sabemos o que não queremos mais. Isso me trouxe esse senso de possibilidades", disse a roteirista e diretora Sarah Polley.
A diretora teve a difícil tarefa de adaptar um enredo que se passa em um mesmo local, um celeiro, e acompanha as longas conversas entre essas mulheres que pensam diferente, discordam, mas têm um mesmo objetivo.
O que parece ser uma história simples, é um drama cheio de camadas e emoção que teve a participação de um elenco estelar, com interpretações perfeitas, com Rooney Mara, Claire Foy, Jessie Buckley, Ben Whishaw, Frances McDormand e Judith Ivey.

Caso local, tema universal
Apesar de o filme ser inspirado no livro, com o caso da Bolívia como pano de fundo, o longa não localiza onde a trama se passa, se expande principalmente porque essa história pode estar se repetindo, agora, em algum lugar do mundo. A liberdade utópica, a luta ou a fuga, as dores herdadas de geração para geração, o debate complexo e necessário de uma mudança. Você sairá do cinema com muito assunto para pensar e discutir.
"Acho que essa sensação de possibilidade e esperança que vem das pessoas serem capazes de discutir essas coisas é uma parte essencial dessa conversa e esse foi é o impacto que o livro teve sobre mim e espero que tenha sobre as pessoas", disse a diretora.
Além de concorrer ao Oscar 2023 como Melhor Filme, "Entre Mulheres" também aparece na categoria de Melhor Roteiro Adaptado, mas sua falta foi sentida ao não ter indicação como Melhor Direção. Nenhuma mulher conseguiu uma vaga, neste ano, nesta categoria.