Diretora da HRW: "Governo deve defender direitos humanos consistentemente"
No Dia Internacional dos Direitos Humanos, diretora da Human Rights Watch no Brasil conversa com o SBT News
O Dia Internacional dos Direitos Humanos, celebrado neste sábado (10.dez), foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1950, dois anos depois da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Para marcar a data, o SBT News conversou com a diretora do escritório da Human Rights Watch no Brasil, a advogada Maria Laura Canineu.
A ONG internacional de direitos humanos tem se mostrado preocupada com os impactos da pandemia de covid-19 na educação, com a destruição acelerada da Amazônia e com a insegurança alimentar no país. Além disso, Canineu afirma que o Brasil precisa enfrentar problemas crônicos relacionados aos direitos humanos, como o racismo sistêmico, a violência de gênero e a violência policial.
Como você vê o cenário dos direitos humanos no país em 2022?
Observamos uma grave deterioração dos direitos humanos no Brasil nesses últimos anos, muitas vezes impulsionada pela agenda antidireitos do governo Bolsonaro. Retrocessos ocorreram em diferentes frentes, mas destaco alguns exemplos. Na Amazônia, o enfraquecimento da fiscalização ambiental não somente impulsionou o desmatamento e o garimpo ilegal como, na prática, intensificou os atos de violência, o clima de intimidação contra defensores da floresta, como indígenas, pequenos agricultores e outros. Ao mesmo tempo que despencaram os investimentos do governo federal nos programas de proteção às mulheres, dados recentes mostram um número recorde de feminicídios no primeiro semestre deste ano, evidenciando o fracasso do Brasil em proteger meninas e mulheres contra a violência. Outro assunto que vemos com muita preocupação é o problema crônico da letalidade policial, em especial contra a população negra. Cerca de 6 mil pessoas morrem em decorrência de ação policial a cada ano. A violência por parte da polícia não afeta apenas as comunidades, as favelas. Ela coloca a vida dos próprios policiais em risco. É preciso acabar com este ciclo de violência.
Com quais temas devemos nos preocupar mais seriamente?
Os direitos humanos são interdependentes e inter-relacionados, então é difícil elencar temas que nos preocupam mais. A realização de um direito depende da realização de outros. Mas existem temas que consideramos urgentes, uma vez que eles têm relação com a nossa própria sobrevivência enquanto sociedade. Aí incluo o combate ao desmatamento e à crise climática. Cientistas têm alertado que a aceleração da destruição ambiental está empurrando a Amazônia para um ponto de não retorno, quando não mais se recuperaria. Isso teria impactos profundos sobre os povos da floresta e o próprio planeta. Além disso, enfrentar com seriedade problemas estruturais no Brasil, que geram violações tão graves de direitos humanos, como a discriminação racial e de gênero, exige coragem e vontade política.
O país tem mecanismos para combater a violação de direitos humanos?
O país tem canais importantes para denúncias de violação de direitos humanos. Temos as ouvidorias, o Disque Direitos Humanos (Disque 100), as defensorias públicas, o Ministério Público, entre outros órgãos. No entanto, observamos em muitas situações o fracasso das instituições em responderem adequadamente a essas denúncias. Por exemplo, documentamos falhas gravíssimas nas investigações dos assassinatos no campo, dos casos de violência doméstica e das mortes pela polícia. A impunidade, em todas estas áreas, alimenta a permanência das violações. Há ainda outro mecanismo importantíssimo no país para a proteção a defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas em situação de ameaça. Porém, os programas estaduais que integram o sistema nacional de proteção nem sempre contam com os recursos, a capacitação técnica e a colaboração dos outros órgãos do governo para efetivamente garantirem a segurança de defensores.
Perto do fim, o governo Bolsonaro tem tentado extinguir a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Como a Human Rights Watch enxerga essa tentativa?
Enxergamos essa tentativa com profunda preocupação. Em diversas situações, o presidente Bolsonaro e membros de seu gabinete elogiaram a ditadura militar, marcada por torturas e assassinatos. E permanece em vigor uma Lei da Anistia duramente criticada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao blindar perpetradores da responsabilização pelos seus abusos. Encerrar a comissão que busca localizar e reconhecer os desaparecidos pela ditadura seria mais um terrível ataque à memória e a justiça que as famílias e a sociedade merecem.
Quais serão os desafios para o novo governo em 2023?
O novo governo assume um país fraturado e terá o desafio de demonstrar aos brasileiros que governará para todos, sem discriminação. Será necessário reconstruir os pilares da democracia e reverter as políticas danosas aos direitos humanos. Por um lado, deverá lidar com problemas agravados nos últimos anos, como os impactos da pandemia de covid-19 na educação, a insegurança alimentar e a destruição acelerada da Amazônia. Por outro, deverá enfrentar problemas crônicos, como a violência policial, a violência de gênero, e o racismo sistêmico. Destaco ainda a política externa: o novo governo deve defender os direitos humanos consistentemente, ou seja, independentemente das afinidades ideológicas com outros governos.