O compromisso brasileiro com a paz e a segurança é global, diz representante permanente do Brasil na ONU
Em entrevista ao SBT News, o embaixador Ronaldo Costa Filho afirma que a configuração do Conselho de Segurança não corresponde à realidade atual
Nova York -- Pela décima primeira vez o Brasil fará parte do Conselho de Segurança da ONU assumindo a vaga no dia primeiro de janeiro de 2022 até o fim de 2023. Na votação do dia 11 em Nova York, representantes de 190 países da Assembleia-Geral depositaram as cédulas em uma urna posicionada à frente do auditório principal das Nações Unidas. Além do Brasil, foram eleitos para as vagas temporárias do Conselho de Segurança Albânia, Gabão, Gana e Emirados Árabes Unidos.
Único órgão da ONU com poder de impor sanções em caso de ameaça à paz, o Conselho de Segurança tem cinco integrantes com poder de veto - Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, China e Rússia - e outras dez cadeiras rotativas que são escolhidas por voto da Assembleia-Geral a cada dois anos.
Em entrevista ao SBT News, o representante permanente do Brasil na ONU, embaixador Ronaldo Costa Filho, afirmou que a campanha foi um exercício de fôlego, que o resultado da votação demonstra um amplo reconhecimento internacional da contribuição brasileira aos temas de paz e segurança internacional e que entre os representantes permanentes com quem se reuniu nos últimos meses está a embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield.
Costa Filho afirmou que o Brasil mantém a defesa da reforma do Conselho de Segurança da ONU. "A configuração do Conselho de Segurança é, em larga medida, reflexo da estrutura de poder da metade do século passado e não corresponde à realidade atual", disse. Nesta entrevista, o Representante Permanente do Brasil na ONU também afirmou que em maio o Brasil participou de um debate aberto sobre a questão Israel-Palestina e que o país "conclamou ao respeito estrito do direito internacional humanitário no uso da força" reiterando o compromisso do Brasil com a resolução pacífica e negociada do conflito.
Disse que o Brasil mantém uma relação produtiva com a China nas Nações Unidas, que o país manterá no Conselho de Segurança o respeito ao Direito Internacional Humanitário e que o compromisso brasileiro com a paz e a segurança é global incluindo a promoção da agenda de mulheres nas missões de paz da ONU.
O Brasil recebeu 181 votos dos 190 membros presentes na Assembleia-Geral. Que interpretação o senhor faz desse resultado?
Esse resultado demonstra o amplo reconhecimento internacional da contribuição brasileira para os temas de paz e segurança internacionais. É fruto, ademais, de uma campanha propositiva e transparente. Com esse mandato, que se inicia no ano que vem, o Brasil passa a ser o país a ocupar por mais tempo um assento não permanente no Conselho de Segurança, empatado com o Japão. Por uma feliz coincidência, voltaremos ao Conselho de Segurança em 2022, no marco da comemoração dos 200 anos de nossa independência.
Como foi a campanha da Missão do Brasil junto aos integrantes da Assembleia-Geral para a votação desta sexta-feira? O Brasil concorreu em um momento de críticas internacionais. Isso interferiu de alguma forma?
A campanha foi exercício de fôlego, empreendida desde o lançamento da candidatura em 2018. Coordenada pela Secretaria de Estado em Brasília, mobilizou toda a nossa rede de representação diplomática ao redor do mundo. Aqui em Nova York, todo o pessoal da Missão esteve plenamente engajado, com particular destaque para a equipe de candidaturas, que implementou a estratégia da campanha junto às demais Missões e manteve controle minucioso da candidatura. De minha parte, realizei gestões junto a quase uma centena de representantes de Estados membros, tendo presente também a necessidade de alcançar aqueles países nos quais não contamos com representação diplomática permanente.
As conversas com meus interlocutores revelaram sempre o reconhecimento à capacidade de o Brasil contribuir de forma positiva à manutenção da paz e da segurança internacional. A votação expressiva que recebemos corrobora essa percepção. Ademais, esse processo permitiu-me ouvir os interesses e prioridades dos demais membros nos temas constantes da agenda do Conselho de Segurança.
O Brasil toma posse como membro temporário no dia 1 de janeiro de 2022. Logo após o resultado, a embaixadora dos EUA na ONU Linda Thomas-Greenfield afirmou que espera trabalhar com todos os eleitos para as questões mais urgentes de paz e segurança. Para o Brasil quais são estas urgências?
Ao longo da campanha, sempre reiterei a disposição brasileira de trabalhar conjuntamente com todos os Estados membros das Nações Unidas, representados ou não no Conselho, de forma inclusiva e transparente.
Como o Itamaraty destacou em nota à imprensa publicada logo após a eleição, o Brasil buscará oferecer contribuições concretas para o avanço de princípios inscritos na Carta da ONU e na Constituição Federal, como a defesa da paz e da solução pacífica de controvérsias. Buscaremos fortalecer as missões de paz da ONU e defender os mandatos que corroborem a interdependência entre segurança e desenvolvimento. O Brasil pretende se valer da mediação, da diplomacia preventiva e de nosso papel de construtor de paz para prevenir conflitos e consolidar a paz, onde for necessário ao redor do mundo.
Houve algum trabalho de engajamento diplomático de bastidores após a posse de Joe Biden?
A Embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, foi uma das representantes permanentes com quem me reuni nos últimos meses. Mantivemos uma produtiva conversa sobre as prioridades comuns dos EUA e do Brasil, não apenas no Conselho de Segurança, mas nas Nações Unidas como um todo.
Como será o posicionamento do Brasil no conselho em relação às questões que envolvam direitos humanos, povos indígenas e questões ambientais?
Segundo a Carta da ONU, o CSNU cuida de temas de paz e segurança. Direitos Humanos, inclusive no que concerne a povos indígenas, assim como questões ambientais, devem entrar na pauta do Conselho apenas no contexto de ameaças específicas à paz e à segurança. Esses assuntos são debatidos de forma mais ampla em outras instâncias, por exemplo, o Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, e a Assembleia Geral e o ECOSOC, aqui em Nova York. O Brasil participa de todas essas instâncias de forma ativa e engajada. Importa ressaltar que a eficiência do sistema multilateral somente poderá ser assegurada com a preservação das competências específicas de cada um de seus órgãos.
No Conselho de Segurança - como em outras instâncias multilaterais -, o Brasil defenderá sempre o respeito ao Direito Internacional Humanitário e aos direitos humanos, com máxima atenção às liberdades individuais e às garantias fundamentais. Somos membros do Grupo de Amigos da Proteção de Civis, e pretendemos nos concentrar na proteção de populações vulneráveis em conflitos.
Recentemente, durante o conflito entre Israel e territórios palestinos, o Conselho de Segurança da ONU não emitiu uma declaração conjunta pedindo cessar-fogo imediato dos dois lados por oposição dos Estados Unidos que afirmavam ter Israel o direito de se defender. Como o Brasil vê e verá a questão quando assumir o posto temporário?
É preciso esclarecer que o Conselho de Segurança acolheu, em 22 de maio, o anúncio do cessar-fogo alcançado na véspera, por meio do que se convencionou chamar de "declaração à imprensa"- na prática, um instrumento com menos força jurídica e peso político do que outras formas de pronunciamento do órgão, mas que exige consenso entre os quinze membros.
Sua pergunta me permite ilustrar que o Brasil se engaja nos temas de paz e segurança de forma contínua, mesmo quando não está representado no Conselho de Segurança (o que será o caso até 1º de janeiro de 2022, quando assumiremos o assento para o qual acabamos de ser eleitos). O Conselho tem reuniões fechadas, mas também realiza debates abertos a Estados membros não representados, dos quais o Brasil tradicionalmente participa, com intervenções orais ou escritas. Nessas condições, o Brasil participou das discussões no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral em maio sobre esse tema. Tive a oportunidade de conclamar ao respeito estrito do direito internacional humanitário no uso da força e de reiterar o compromisso do Brasil com a resolução pacífica e negociada do conflito, de modo a permitir que ambos os povos vivam em paz, segurança e prosperidade, dentro de fronteiras seguras e internacionalmente reconhecidas. Em julho, deverá haver outros debates abertos sobre o Oriente Médio no CSNU, dos quais também deveremos participar.
A China, membro permanente do Conselho de Segurança, tem se mostrado contra uma reforma do Conselho de Segurança para inclusão de novos membros permanentes. O Brasil tem intenção de ser permanente e qual a relação diplomática com a China?
O Brasil mantém produtiva relação com a China nas Nações Unidas. Poderia citar, por exemplo, que Brasil e China são os copresidentes de grupo voltado à proteção das tropas de manutenção da paz, ao lado também de Indonésia e Ruanda.
O Brasil mantém seu inabalável compromisso com a reforma do Conselho de Segurança, pauta das chamadas negociações intergovernamentais, na Assembleia Geral das Nações Unidas. A reforma é um tema afeto não apenas aos Estados membros representados no Conselho de Segurança, mas a todos os membros da ONU, portanto, deve ser debatida na Assembleia-Geral, onde todos os Estados membros tem plenas condições de participação.
Não posso falar pelas posições específicas de outros países na reforma do CSNU, mas nas negociações intergovernamentais fica patente que há ampla convergência quanto à necessidade de reforma, ainda que permaneçam divergências sobre suas especificidades.
A configuração do Conselho de Segurança é, em larga medida, reflexo da estrutura de poder da metade do século passado e não corresponde à realidade atual. Somos favoráveis à expansão do Conselho em ambas as categorias, de membros permanentes e não permanentes, atribuindo maior protagonismo aos países em desenvolvimento.
No Conselho de Segurança, o Brasil poderá continuar demonstrando, por meio do exemplo, que uma reforma é vital para tornar o órgão mais representativo, legítimo e eficiente. A reforma, há muito devida, constituirá avanço essencial para que o CSNU retenha sua centralidade perante os múltiplos e complexos desafios da atualidade. A busca de um Conselho de Segurança mais representativo e eficaz é uma das prioridades que o Brasil assumiu em sua campanha.
Uma das sete prioridades da campanha da Missão do Brasil na ONU para esta vaga rotativa foi investir nas missões de paz. Que países o Brasil considera prioridade?
O compromisso brasileiro com a paz e a segurança é global. Temos presença ativa nas operações de paz: ao longo dos últimos setenta anos, cerca de 50 mil militares, policiais e civis brasileiros serviram em 41 das 72 operações realizadas ao redor do globo. Em abril, o general Affonso da Costa foi indicado pelo Secretário-Geral da ONU para comandar a MONUSCO, maior missão de paz em território africano, na República Democrática do Congo. É o quarto brasileiro consecutivo a assumir essa posição.
É bom recordar que essas operações devem ser realizadas conforme os mandatos conferidos pelo Conselho de Segurança, sempre em pleno respeito à soberania das nações e aos princípios estabelecidos na Carta das Nações Unidas.
Qual a meta da nova gestão em relação à inclusão de mulheres nas missões de paz da ONU?
Em 2017, o Brasil lançou seu primeiro Plano Nacional de Ação sobre Mulheres, Paz e Segurança, cuja vigência foi estendida, em 2019, por quatro anos adicionais. Estamos, ademais, comprometidos com a implementação da Estratégia de Paridade de Pessoal Uniformizado da ONU (2018-2028). Nos orgulhamos de que as comandantes Márcia Braga e Carla Araújo tenham sido premiadas pela ONU por seu trabalho na República Centro-Africana, prova do reconhecimento internacional da excelência das Forças Armadas do Brasil e das militares brasileiras.
Recentemente, promovemos palestras dessas duas oficiais em evento que a Missão do Brasil da ONU organizou sobre proteção de civis em operações de manutenção da paz, em 27 de maio, em coordenação com Bangladesh, El Salvador e Guatemala.
Promover a agenda de Mulheres, Paz e Segurança é um compromisso de nosso mandato, convencidos dos benefícios trazidos pela participação plena, igualitária e significativa de mulheres nas Missões da ONU.
PERFIL:
Embaixador Ronaldo Costa Filho
Graduado em diplomacia pelo Instituto Rio Branco em 1987, foi Subsecretário-geral de Assuntos Econômicos e Financeiros, Diretor do Departamento de Negociações Comerciais Extrarregionais, chefiou a Divisão de Serviços, Investimentos e Assuntos Financeiros e a Divisão da União Europeia e Negociações Extrarregionais. Serviu na Missão do Brasil junto à União Europeia, em Bruxellas, na Delegação Permanente do Brasil em Genebra, na Embaixada do Brasil em Quito e na Missão do Brasil junto às Nações Unidas em Nova York onde é desde 2020 Representante Permanente.