Mundo
Opostas na política, Nova York e Florida "voltam à vida"
Em pontos opostos na curva de contágio, os dois estados se diferenciam na forma de lidar com a volta do comércio, entretenimento e escolas
Patrícia Vasconcellos
• Atualizado em
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Parecia feriado. Como aqueles em que boa parte dos moradores deixa a cidade grande rumo ao litoral em dias quentes e as ruas ficam desertas, já que não há ali muitas atrações turísticas. Mas era só uma quarta-feira. Mais: Era Manhattan, Quinta Avenida, no dia 8 de setembro, no horário do rush, seis e meia da tarde.
No novo normal, Nova York não tem turistas europeus, asiáticos ou brasileiros. Muita gente trabalha de casa. Sem o burburinho do consumo desenfreado ou o corre-corre para não se atrasar para os espetáculos da Broadway, suspensos até pelo menos janeiro do próximo ano, há tempo para olhar com calma os detalhes da Catedral de St. Patrick's, em frente à famosa Saks, loja de departamentos de grifes caras, reaberta no fim de Junho. Na porta, o aviso ainda estava presente: "Bem vindos de volta, sentimos sua falta".
Lá dentro, bolsas e vestidos que podem chegar a valer o preço equivalente a um carro popular no Brasil são anunciados como promoção em araras cheias. Já em um shopping em frente ao Central Park, que finalmente reabriu as portas nesta quarta-feira, dia 8, após quase seis meses, havia fila do lado de fora. Era quase hora do fechamento e um segurança liberava aos poucos a entrada dos clientes que se perdiam nos corredores largos mas nada cheios. No dia 30 de setembro será a vez dos restaurantes da cidade de Nova York receberem os clientes na parte interna, também com restrições de lotação. São passos lentos, se comparados aos de cidades populosas em outros estados.
Em Orlando, na Flórida, lojas e restaurantes começaram a reabrir em maio. Os parques da Disney naquela cidade voltaram a funcionar pouco tempo depois, com restrição de capacidade de público, mesmo sob os protestos de parte dos funcionários, que não se sentiam seguros em relação à covid-19. Em Miami, o ritmo da reabertura foi um pouco mais lento mas segue a orientação do governador republicano Ron de Santis, que, alinhado com a Casa Branca, defende que os negócios não podem parar mesmo com a curva de contaminação em alta.
Em Nova York, prefeito e governador democratas seguem um caminho contrário. Por mais de uma vez, Andrew Cuomo afirmou que seu estado tem o ritmo de reabertura definido pela ciência, posição parecida à do prefeito novaiorquino Bill de Blasio. Os dois democratas, que em vários momentos discordaram sobre questões como quando e em que condições as escolas devem voltar a funcionar, coincidem nas críticas ao presidente norte-americano Donald Trump. De Blasio e Cuomo entoam o coro de que Trump governa em causa própria, focado no que pode lhe beneficiar no caminho à reeleição e que em nome da política -- e menos da economia -- não respeita os especialistas em saúde. Sem meias palavras, Trump afirma que muitos líderes locais democratas não sabem o que fazem.
Aviso na porta da Saks: "Bem vindo de volta. Sentimos sua falta" | Foto: Patrícia Vasconcellos
Roupas na arara em promoção | Foto: Patrícia Vasconcellos
Fila na porta do shopping | Foto: Patrícia Vasconcellos
Ao definirem os passos para a reabertura da cidade, prefeito e governador de Nova York citam os cuidados com a pandemia. Mas o fato é que os protestos do mês de junho interferiram diretamente na data para a retomada comercial.
Nova York vivenciou dias caóticos de 30 de maio a 6 de junho deste ano. A Saks que visitei nesta quarta-feira tinha, na noite de 3 de junho, tapumes de madeira e arame farpado protegendo os vidros. A frente da loja estava escoltada por um batalhão de seguranças que vestiam negro e eram acompanhados de cães de guarda. Chequei o celular para conferir o horário em que fiz esta foto: eram onze e quinze da noite do terceiro dia do toque de recolher em Nova York. Assim como esta loja de departamentos, muitas outras em Manhattan protegeram suas vitrines com tapumes e mesmo assim foram saqueadas.
Os atos violentos aconteceram no momento em que o país vivia uma ebulição e revolta social após a morte de George Floyd, um homem negro que foi morto asfixiado por mais de oito minutos por um policial em Minneápolis, no fim de maio. Após o fim do toque de recolher em Nova York, as ruas de Manhattan permaneceram num clima de pós conflito por semanas. Demorou para que os comerciantes e empresários daqui se sentissem seguros ao ponto de retirarem as proteções dos vidros. Lembro que as vendas online das lojas das ruas já eram permitidas mas muitos comércios, naquele momento, permaneciam fechados.
A Saks em 3 de junho de 2020, com seguranças e tapumes | Foto: Patrícia Vasconcellos
A Saks em 8 de setembro | Foto: Patrícia Vasconcellos
Nova York e Flórida seguem ritmos diferentes também na volta às aulas
Em Nova York, o governador democrata Andrew Cuomo afirma que o desafio não está vencido e que é preciso cautela. As aulas presenciais serão realizadas de forma híbrida -- em revezamento com classes virtuais. Na cidade de Nova York, a largada para o ano letivo foi adiada para 21 de setembro e nesta semana os docentes começaram um treinamento para a nova rotina. O governo novaiorquino ainda orientou que cada instituição informe os casos de alunos doentes para que a consulta seja pública em um novo site que já está no ar.
Já no estado da Flórida, o republicano Ron de Santis insistiu para que as escolas reabrissem para classes totalmente presenciais há trinta dias. A decisão sobre a volta sempre coube aos condados mas desde 10 de agosto muitos alunos da Flórida retomaram a rotina, cabendo a cada instituição de ensino definir se as máscaras são ou não obrigatórias. A volta, considerada forçada, resultou em 1.210 alunos e professores mandados para casa de quarentena segundo a Associação Educacional do estado. Ao fim, mesmo com a pressão do governo estadual, os surtos de covid-19 nas escolas da Flórida levaram alguns colégios ao fechamento temporário.
Em relação aos casos totais de covid-19, Nova York tem, há um mês, taxa de contágio abaixo de 1%. Na Flórida, há quase 10 dias os números se mantém estáveis, com média aproximada de 2.500 casos diários.
No novo normal, Nova York não tem turistas europeus, asiáticos ou brasileiros. Muita gente trabalha de casa. Sem o burburinho do consumo desenfreado ou o corre-corre para não se atrasar para os espetáculos da Broadway, suspensos até pelo menos janeiro do próximo ano, há tempo para olhar com calma os detalhes da Catedral de St. Patrick's, em frente à famosa Saks, loja de departamentos de grifes caras, reaberta no fim de Junho. Na porta, o aviso ainda estava presente: "Bem vindos de volta, sentimos sua falta".
Lá dentro, bolsas e vestidos que podem chegar a valer o preço equivalente a um carro popular no Brasil são anunciados como promoção em araras cheias. Já em um shopping em frente ao Central Park, que finalmente reabriu as portas nesta quarta-feira, dia 8, após quase seis meses, havia fila do lado de fora. Era quase hora do fechamento e um segurança liberava aos poucos a entrada dos clientes que se perdiam nos corredores largos mas nada cheios. No dia 30 de setembro será a vez dos restaurantes da cidade de Nova York receberem os clientes na parte interna, também com restrições de lotação. São passos lentos, se comparados aos de cidades populosas em outros estados.
Em Orlando, na Flórida, lojas e restaurantes começaram a reabrir em maio. Os parques da Disney naquela cidade voltaram a funcionar pouco tempo depois, com restrição de capacidade de público, mesmo sob os protestos de parte dos funcionários, que não se sentiam seguros em relação à covid-19. Em Miami, o ritmo da reabertura foi um pouco mais lento mas segue a orientação do governador republicano Ron de Santis, que, alinhado com a Casa Branca, defende que os negócios não podem parar mesmo com a curva de contaminação em alta.
Em Nova York, prefeito e governador democratas seguem um caminho contrário. Por mais de uma vez, Andrew Cuomo afirmou que seu estado tem o ritmo de reabertura definido pela ciência, posição parecida à do prefeito novaiorquino Bill de Blasio. Os dois democratas, que em vários momentos discordaram sobre questões como quando e em que condições as escolas devem voltar a funcionar, coincidem nas críticas ao presidente norte-americano Donald Trump. De Blasio e Cuomo entoam o coro de que Trump governa em causa própria, focado no que pode lhe beneficiar no caminho à reeleição e que em nome da política -- e menos da economia -- não respeita os especialistas em saúde. Sem meias palavras, Trump afirma que muitos líderes locais democratas não sabem o que fazem.
Aviso na porta da Saks: "Bem vindo de volta. Sentimos sua falta" | Foto: Patrícia Vasconcellos
Roupas na arara em promoção | Foto: Patrícia Vasconcellos
Fila na porta do shopping | Foto: Patrícia Vasconcellos
Os protestos contra o racismo e a retomada comercial na cidade de Nova York
Ao definirem os passos para a reabertura da cidade, prefeito e governador de Nova York citam os cuidados com a pandemia. Mas o fato é que os protestos do mês de junho interferiram diretamente na data para a retomada comercial.
Nova York vivenciou dias caóticos de 30 de maio a 6 de junho deste ano. A Saks que visitei nesta quarta-feira tinha, na noite de 3 de junho, tapumes de madeira e arame farpado protegendo os vidros. A frente da loja estava escoltada por um batalhão de seguranças que vestiam negro e eram acompanhados de cães de guarda. Chequei o celular para conferir o horário em que fiz esta foto: eram onze e quinze da noite do terceiro dia do toque de recolher em Nova York. Assim como esta loja de departamentos, muitas outras em Manhattan protegeram suas vitrines com tapumes e mesmo assim foram saqueadas.
Os atos violentos aconteceram no momento em que o país vivia uma ebulição e revolta social após a morte de George Floyd, um homem negro que foi morto asfixiado por mais de oito minutos por um policial em Minneápolis, no fim de maio. Após o fim do toque de recolher em Nova York, as ruas de Manhattan permaneceram num clima de pós conflito por semanas. Demorou para que os comerciantes e empresários daqui se sentissem seguros ao ponto de retirarem as proteções dos vidros. Lembro que as vendas online das lojas das ruas já eram permitidas mas muitos comércios, naquele momento, permaneciam fechados.
A Saks em 3 de junho de 2020, com seguranças e tapumes | Foto: Patrícia Vasconcellos
A Saks em 8 de setembro | Foto: Patrícia Vasconcellos
Nova York e Flórida seguem ritmos diferentes também na volta às aulas
Em Nova York, o governador democrata Andrew Cuomo afirma que o desafio não está vencido e que é preciso cautela. As aulas presenciais serão realizadas de forma híbrida -- em revezamento com classes virtuais. Na cidade de Nova York, a largada para o ano letivo foi adiada para 21 de setembro e nesta semana os docentes começaram um treinamento para a nova rotina. O governo novaiorquino ainda orientou que cada instituição informe os casos de alunos doentes para que a consulta seja pública em um novo site que já está no ar.
Já no estado da Flórida, o republicano Ron de Santis insistiu para que as escolas reabrissem para classes totalmente presenciais há trinta dias. A decisão sobre a volta sempre coube aos condados mas desde 10 de agosto muitos alunos da Flórida retomaram a rotina, cabendo a cada instituição de ensino definir se as máscaras são ou não obrigatórias. A volta, considerada forçada, resultou em 1.210 alunos e professores mandados para casa de quarentena segundo a Associação Educacional do estado. Ao fim, mesmo com a pressão do governo estadual, os surtos de covid-19 nas escolas da Flórida levaram alguns colégios ao fechamento temporário.
Em relação aos casos totais de covid-19, Nova York tem, há um mês, taxa de contágio abaixo de 1%. Na Flórida, há quase 10 dias os números se mantém estáveis, com média aproximada de 2.500 casos diários.
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