Responsabilidade climática: governos e empresas condenam a Amazônia e sua gente
Falta de compromisso dos governos e da indústria agrava a crise ambiental na Amazônia e coloca em risco populações vulneráveis
Ruy Marcelo
*Integridade e Desenvolvimento é uma coluna do Centro de Estudos em Integridade e Desenvolvimento (CEID) do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). Os artigos têm publicação semanal.
Nada de novo em prol do clima. Governos e empresas seguem sem assumir a responsabilidade pela crise ambiental, comprometendo a Amazônia e o planeta. Mais uma COP, a 29ª, com resultado insatisfatório e incerto. O saldo foi o subfinanciamento de ações para o enfrentamento da crise climática: da proposta inicial de US$ 1,3 trilhão até 2035, restaram apenas US$ 300 bilhões por ano, ou seja, cerca de 23%.
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Essa brusca redução vem acompanhada da falta de definição de mecanismos e estratégias para garantir o repasse efetivo dos recursos, bem como do compromisso fundamental dos países desenvolvidos e das indústrias transnacionais com a descarbonização de sua produção no curto prazo. Em vez disso, apostam na panaceia falaciosa do mercado de crédito de carbono.
No país, a indústria permanece dependente do governo. A CNI apresentou um estudo na COP29, no qual faz recomendações “ao Brasil”. Ficou claro que a indústria nacional necessita de fomento do Estado Brasileiro e da cooperação internacional para acelerar a transição e superar o alto custo da tecnologia de baixo carbono.
Logo, não há interesse do mercado, no curto prazo, em viabilizar seu dever jurídico de neutralizar as emissões por meio de licenciamento e estudo de impacto ambiental, conforme determina a norma do art. 225 da Constituição.
Antes mesmo do início da COP, já havia fundada suspeita de parcialidade do anfitrião em favor das empresas petrolíferas. As delegações de representantes e lobistas de mercado ofuscaram as de governos e ativistas do clima. Durante o evento, houve vários protestos de segmentos sociais.
Destaque para a ONG Engajamundo, que concedeu o troféu “cara de pau” ao governador do Pará, estado que sediará a COP30. Enquanto ele discursava em Baku sobre iniciativas de preservação, a região de Santarém ardia – e ainda arde – em chamas, com índices alarmantes de fuligem que se espalham por boa parte da região, afetando até mesmo a capital amazonense, que apresenta níveis críticos de poluição atmosférica.
O planeta aquece, e as elites – econômica e política – brincam com fogo, literalmente. Os impactos são cada vez mais evidentes. O episódio mais recente, na Espanha, mostra que não há salvo-conduto no hemisfério norte. Aqui, no Amazonas, além da ameaça da poluição atmosférica, os prejuízos econômicos diretos da seca extrema dos rios nos últimos anos começam a ganhar cifras preocupantes.
Um estudo recente da CIEAM aponta um prejuízo de R$ 1,3 bilhão para assegurar o transporte de cargas no período de estiagem severa da bacia amazônica.
Nas estiagens recordes de 2023 e 2024, contam-se centenas de comunidades afetadas pelo isolamento, desabastecimento, falta de água, desassistência médica, sem ações eficazes de prevenção de desastres e de adaptação climática.
Relatório da britânica Aon estima que o Brasil acumula danos da ordem de US$ 6,4 bilhões pelos desastres ocorridos no país, apenas no período de janeiro a setembro de 2024. Embora o STF, na pessoa do ministro Flavio Dino (ADPF 743), tenha determinado o fortalecimento do combate à epidemia de fumaça, Maranhão e Pará, em novembro passado, ainda persistiam os focos de incêndio, e uma densa pluma de fumaça continua recobrindo frequentemente toda a porção central e oeste da Amazônia. Para os amazonenses, as consequências desses eventos são desastrosas, seja pela privação do direito fundamental ao ar puro, seja pelo adoecimento da população, sobretudo crianças e idosos.
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Que ninguém alegue ignorância das graves consequências dessa postura leniente, moralmente corrupta e de profunda injustiça socioambiental, cujas repercussões catastróficas já são evidentes.
O bioma da Floresta Amazônica está sentenciado e condenado à desertificação, com a extinção progressiva da biodiversidade e dos processos ecológicos vitais, levando milhares de amazônidas à condição de refugiados climáticos e determinando o fim do clima temperado e do solo fértil em toda a América do Sul.
Ao fim e ao cabo, a ameaça não se limita apenas à agricultura e às atividades econômicas, mas se estende também às condições gerais para uma qualidade de vida saudável das presentes e futuras gerações.
O ponto de não retorno para a falência do bioma está próximo – se é que já não foi ultrapassado –, pois o problema não se resume apenas ao desmatamento local. O aquecimento global, impulsionado pela continuidade e progressão das emissões de gases de efeito estufa, impõe impactos devastadores à saúde da floresta e de sua gente.
Outro fenômeno que compromete os serviços ecossistêmicos e os torna ainda mais vulneráveis ao calor pode ser percebido nos rios amazônicos, que permanecem em seca severa, sem que o regime de cheia consiga restaurar os níveis minimamente históricos, dado que as chuvas estão abaixo da média.
O colapso atmosférico das fumaças represadas em bolhas de calor é um sinal assustador no centro da Amazônia. Antes, mesmo em maior quantidade, as fumaças eram rapidamente dissipadas ou transportadas para as regiões Sul e Sudeste; hoje, mesmo após fortes tempestades, é impossível ver o horizonte limpo em Manaus, que permanece sob um céu cinzento, prenunciando um futuro tenebroso, caso nada seja feito com urgência.
Quando ampliamos o olhar para a população brasileira diante da destruição da Floresta Amazônica, destacam-se como os mais prejudicados e extremamente vulneráveis os povos tradicionais amazônicos – comunidades indígenas, ribeirinhas e extrativistas. Seu meio de vida são os rios e matas, que estão sendo profundamente afetados. A infraestrutura básica nunca chegou até eles. Convivem com lixões e esgoto a céu aberto em cidades e vilarejos. Os piores índices de pobreza, desenvolvimento humano e falta de serviços essenciais estão concentrados nessa região.
Se não bastassem os desafios naturais, esses povos também enfrentam, há décadas, a violência de grileiros, garimpeiros e madeireiros. Trata-se de uma ingratidão sem precedentes, pois são eles os verdadeiros guardiões da floresta. A Amazônia sofre ainda com a ausência de policiamento suficiente para proteger sua imensa fronteira, que é rota do tráfico de drogas e crimes ambientais.
É imensa a responsabilidade dos governos e do mercado. O tempo está se esgotando, e muitos impactos já não podem sequer ser mitigados. As consequências desse descaso pesarão na consciência desses agentes, e o mundo se verá cada vez mais inóspito, sob uma natureza colapsada e em fúria.
*Integridade e Desenvolvimento é uma coluna do Centro de Estudos em Integridade e Desenvolvimento (CEID) do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). Os artigos têm publicação semanal.