O leilão do arroz e o necessário compliance
Nos negócios a gestão dos riscos dos relacionamentos contratuais com terceiros é uma prioridade para qualquer organização e para os governos
*Integridade e Desenvolvimento é uma coluna do Centro de Estudos em Integridade e Desenvolvimento (CEID) do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). Os artigos têm publicação semanal.
A adoção de práticas de compliance, dentre elas, a due diligence, é essencial para a gestão eficaz dos riscos em qualquer organização. No contexto empresarial, a due diligence é particularmente importante na relação com fornecedores, o que ajuda a prevenir uma série de riscos que podem comprometer a saúde financeira e a reputação de uma empresa.
Compliance refere-se a um conjunto de ações que visa garantir que a empresa e seus colaboradores estejam agindo consoante as exigências legais e os padrões éticos estabelecidos, trata-se de uma busca constante pelo fortalecimento da cultura de integridade e pela proteção das mais diversas organizações, sejam elas públicas ou privadas.
Nesse sentido, de modo geral, a due diligence é um processo de investigação e avaliação de uma empresa ou indivíduo antes ou após firmar um contrato ou acordo.
Nos casos de empresas, a due diligence avalia a idoneidade, a capacidade financeira e operacional, e a conformidade de possíveis parceiros comerciais.
É uma forma de ajudar as empresas a garantirem que seus fornecedores estejam em conformidade com os requisitos legais e éticos, prevenindo potenciais riscos, a exemplo dos riscos legais que envolvem ações judiciais e penalidades regulatórias decorrentes da não conformidade com leis e regulamentos.
Além disso, um fornecedor que não cumpre as normas ambientais, por exemplo, pode fazer com que a empresa contratante seja responsabilizada por danos ao meio ambiente.
Já os riscos reputacionais, relacionados ao dano à imagem e à reputação da empresa devido a escândalos ou práticas antiéticas de fornecedores, precisam ser também prevenidos nessas relações contratuais, tendo em vista inúmeros casos de fornecedores, já divulgados na mídia, que adotam práticas de trabalho análogas à escravidão e causam impactos incalculáveis às empresas contratantes.
Os riscos financeiros, quando materializados, incluem perdas diretas ou indiretas devido à má gestão de fornecedores, fraudes ou interrupções na cadeia de suprimentos.
Um fornecedor que não cumpre prazos ou especificações de qualidade pode causar prejuízos significativos, afetando a produção e, consequentemente, o faturamento da empresa, da mesma forma, uma falha no fornecimento de matérias-primas essenciais pode paralisar a produção e causar enormes prejuízos.
Um exemplo recente que ilustra a importância da due diligence ocorreu no Brasil, envolvendo o recente leilão para a compra de 263,3 mil toneladas de arroz importado.
Este leilão foi anulado devido à ausência de capacidade técnica e financeira do ganhador do leilão, além de suspeitas de relações e vínculos societários do Secretário de Política Agrícola, do Ministério da Agricultura, que poderiam gerar influências indevidas.
Este caso destaca como a falta de um processo rigoroso de due diligence pode levar a consequências desastrosas.
Uma verificação de due diligence quanto a capacidade técnica e financeira, além de cruzamentos nos quadros societários destas empresas que buscam contratar com o governo, arrastaria uma legião de empresas para o final da fila ou mesmo para fora da fila, com o poder de evitar posteriores escândalos de corrupção.
A due diligence é tão relevante que está prevista no Decreto 11.129/2022, que regulamenta a lei anticorrupção 12.846/2013, sendo item fundamental a implantação de programas de integridade que serão avaliados e comprovados nas contratações com o governo.
Tal Decreto estabelece parâmetros para a estruturação destes programas, o que inclui a realização de due diligence, com as devidas análises de risco na contratação e supervisão de fornecedores, de modo a mitigar riscos de corrupção e irregularidades.
Importante reforçar que esta Lei Anticorrupção promove a importância de programas de integridade como meio de prevenção e, inclusive, podem amenizar possível responsabilização de empresas por atos de corrupção.
Os programas de integridade funcionam como atenuante na aplicação das sanções previstas, tais como multas administrativas, a publicidade das decisões condenatórias e a possibilidade de suspensão ou proibição de contratar com o poder público.
públicas, conta-se nos dedos as instituições públicas que implantaram os próprios programas de integridade, com a due diligence em funcionamento, pode-se citar algumas empresas públicas.
Não obstante, além da Lei anticorrupção e do referido Decreto, a nova Lei de licitações 14.133/2021 torna obrigatória a comprovação dos programas de integridade, apesar de restringir às contratações de grande vulto, conforme art. 25, § 4º.
“Nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital deverá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 6 (seis) meses, contado da celebração do contrato, conforme regulamento que disporá sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu descumprimento”.
Problemas no leilão
No caso específico do referido leilão de arroz importado, a falta de capacidade do fornecedor escolhido para atender à demanda necessária foi um dos principais problemas.
Além disso, surgiram suspeitas de corrupção e favorecimento no processo de seleção do fornecedor, o que levantou questões sobre a integridade do processo de leilão.
Esses problemas poderiam ter sido evitados com a implementação de práticas rigorosas de compliance e due diligence.
A avaliação de capacidade é uma etapa crucial no processo de due diligence na medida em que verifica uma série de informações, dentre elas a capacidade operacional e financeira dos fornecedores.
Isto ajuda a garantir que os fornecedores selecionados tenham condições de atender às demandas da empresa de maneira consistente e confiável.
Além disso, a verificação de conformidade legal e regulamentar é essencial para buscar a aderência dos fornecedores às leis e regulamentos aplicáveis, o que inclui as normas ambientais, trabalhistas, de saúde e segurança, entre outras.
Outra prática importante é a análise prévia de histórico e reputação dos fornecedores que, a depender da análise, pode representar um risco significativo para a empresa contratante.
Nesse contexto, a transparência e a integridade no processo de seleção de fornecedores são fundamentais para evitar influências indevidas e corrupção.
Novos processos de implementação
A implementação de processos de seleção transparentes e justos ajuda a garantir que as decisões sejam baseadas em critérios objetivos e imparciais, reduzindo o risco de favoritismo e práticas corruptas, o que inclui a realização de due diligence, de modo regular, com monitoramento contínuo dos fornecedores para identificar e corrigir problemas antes que eles se tornem crises.
O caso do leilão de arroz importado destaca a importância crítica da due diligence na gestão de fornecedores.
Em um ambiente de negócios cada vez mais complexo e global, a gestão dos riscos dos relacionamentos contratuais com terceiros é uma prioridade para qualquer organização e para os governos, além de um investimento essencial para a proteção dos negócios, não somente entre particulares, como também entre o setor privado e o setor público para minimizar que o dinheiro público seja despejado nas mãos de terceiros comprovadamente inadequados para atender os objetivos pretendidos dos certames licitatórios.
*Integridade e Desenvolvimento é uma coluna do Centro de Estudos em Integridade e Desenvolvimento (CEID) do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). Os artigos têm publicação semanal.