Decisão de Toffoli em ação de Lula gera efeito em toda a Lava Jato
Anulação das provas da Odebrecht encurrala investigadores e juízes, libera dados da Vaza Jato e beneficia condenados
O alcance da decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), desta 4ª feira (6.set), que anulou o acordo de leniência (espécie de delação premiada de empresas) da Odebrecht, é ainda incalculável. Já a dimensão dos impactos provocados nos processos da Operação Lava Jato é a de uma avalanche.
+ Leia as últimas notícias no portal SBT News
Em 135 páginas, Toffoli invalidou o maior acordo de leniência do escândalo Petrobras, determinou investigação e punição aos "agentes públicos" envolvidos -- leia-se Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e boa parte da força-tarefa de Curitiba --, autorizou acesso aos dados de hackeamento da "Vaza Jato", deu munição para o PT reforçar sua narrativa de perseguição política, determina abertura de todos os dados do acordo entre a empreiteira e o Ministério Público Federal e ainda faz uma conexão entre a atuação dos investigadores e os atos golpistas e antidemocráticos recentes.
O processo do caso é um recurso movido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra decisão da 13ª Vara Federal de Curitiba -- que era ocupada pelo ex-juiz e atual senador Sergio Moro (União-PR) -- pelo uso das provas do processo obtidas com o acordo de leniência da Odebrecht.
A reclamação da defesa de Lula pedia que fossem declarados ilegais os dados do mega acordo da Odebrecht, e aponta parcialidade do juiz e dos procuradores da Lava Jato, revelados pela chamada "Vaza Jato" -- conversas hackeadas dos celulares de membros da força-tarefa de Curitiba. Toffoli foi além e abriu possibilidade para todos os processos criminais, cíveis e eleitorais.
"É preciso reconhecer que as causas que levaram à declaração de imprestabilidade dos referidos elementos de prova são objetivas, não se restringindo ao universo subjetivo do reclamante. Razão pela qual o reconhecimento da referida imprestabilidade deve ser estendido a todos os feitos que tenham se utilizado de tais elementos, seja na esfera criminal, seja na esfera eleitoral, seja em processos envolvendo ato de improbidade administrativa, seja, ainda, na esfera cível."
Houve reação nos meios político e jurídico, pró e contra a decisão de Toffoli durante toda 4ª feira. Fora do Brasil também há um efeito em cadeia, as revelações e confissões de crimes e desvios da Odebrecht envolveram negócios em dezenas de países. Na esfera administrativa, a Advocacia-Geral da União (AGU) anunciou a criação de uma "força-tarefa" para apurar eventuais pedidos de responsabilização dos envolvidos.
ENTENDA AS FRENTES DE IMPACTO DA DECISÃO DE DIAS TOFFOLI (STF) NA AÇÃO PEDIDA POR LULA:
Provas inválidas
O ministro Dias Toffoli anulou todas as provas obtidas a partir do acordo de leniência da construtora Odebrecht, celebrado em 2017, entre a empresa e o Ministério Público Federal (MPF). No caso julgado, a defesa de Lula questionou o uso dos dados no processo penal da compra do terreno do Instituto Lula, em São Paulo, pela empreiteira. O STF afirma que as provas são "imprestáveis" para todos os casos em que foi usada. Um impacto jurídico ainda sem dimensão. "Centenas de acordos de leniências e de delações premiadas foram celebrados como meios ilegítimos de levar INOCENTES à prisão", escreve Toffoli.
"DELAÇÕES ESSAS QUE CAEM POR TERRA, DIA APÓS DIA, ALIÁS. Tal conluio e parcialidade demonstram, a não mais poder, que houve uma verdadeira conspiração com o objetivo de colocar um inocente como tendo cometido crimes jamais por ele praticados. Esse vasto apanhado indica que a parcialidade do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba extrapolou todos os limites, e com certeza contamina diversos outros procedimentos; porquanto os constantes ajustes e combinações realizados entre o magistrado e o Parquet e apontados acima representam verdadeiro conluio a inviabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa".
Investigadores investigados
O ministro Dias Toffoli também determinou que diversos órgãos, como a Procuradoria-Geral da República e a Receita Federal, identifiquem os agentes públicos envolvidos na celebração do acordo de leniência e apurem a responsabilidade nas esferas administrativa, cível e criminal.
A parcialidade da 13ª Vara Federal de Curitiba, que tinha Sergio Moro como juiz titular, foi criticada pelo ministro da Suprema Corte. Para ele, o juiz "extrapolou todos os limites" conspirando para colocar um inocente, Lula, como responsável por crimes que ele não cometeu.
A Advocacia Geral da União foi intimada para que apure "danos causados pela União e por seus agentes em virtude da prática dos atos ilegais" para fins de responsabilização civil. Ainda são encaminhados para: Procuradoria-Geral da República (PGR), Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Justiça, Controladoria-Geral da União (CGU), Tribunal de Contas da União (TCU), Receita Federal, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Lula perseguido
A decisão do STF também serve para Lula apagar de sua biografia as três condenações por corrupção na Justiça Federal da Lava Jato: o processo do sítio de Atibaia (SP), o do triplex do Guarujá (SP) e o do Instituto Lula. Também dá nova munição para o presidente e aliados petistas dispararem contra Moro, contra Deltan Dallagnol e outros investigadores.
Segundo Toffoli afirma na decisão, a prisão de Lula foi uma "armação". O presidente ficou detido 518 dias em uma cela especial montada na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Para o ministro, a prisão do petista, em abril de 2018, foi mais do que um erro judiciário.
"Tratou-se de uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais, mas com métodos e ações contra legem."
Vaza Jato liberada
Dias Toffoli decidiu também que todos os dados hackeados por Walter Delgatti, dos investigadores da Lava Jato e alvos da Operação Spoofing sejam liberados para demais interessados no conteúdo. O material pode servir para que outros investigados e julgados no caso questionem as sentenças e demais medidas com base no conteúdo hackeado e que ficou conhecido como caso "Vaza Jato".
"Esclareço que não estamos discutindo a validade das provas obtidas, enfim, da operação Spoofing. Essa matéria será discutida, eventualmente, em outra ação, se e quando a defesa fizer uso delas. Aqui, estamos simplesmente discutindo o acesso aos elementos de prova, há três anos denegado ao reclamante e à defesa do reclamante."
Lava Jato e golpistas do 8/1
Na decisão de Toffoli, ele abriu uma brecha que vincula os "desvios" sentenciados por ele dos agentes da Lava Jato com os atos golpistas do 8 de janeiro, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram e destruíram as sedes do Três Poderes, em Brasília.
A prisão de Lula, seguindo Toffoli, foi "o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e ao próprio STF". "Ovo esse chocado por autoridades que desviaram de suas funções para agir em conluio e atingir instituições, autoridades, empresas e alvos específicos."
"Sob objetivos aparentemente corretos e necessários, mas sem respeito à verdade factual, esses agentes desrespeitaram o devido processo legal, descumpriram decisões judiciais superiores, subverteram provas, agiram com parcialidade (vide citada decisão do STF) e fora de sua esfera de competência", diz decisão de Toffoli.
Leia também:
+ "É uma reparação histórica", diz Dino sobre decisão de Toffoli
+ Controladoria-Geral da União analisa decisão de Toffoli sobre acordo da Odebrecht