Armas de plano do PCC contra Moro viriam de resgates e execuções
PF apura paiol da facção em MS, relação com ataques e morte em Rondônia e possível elo com crimes na Bolívia
Fuzis, metralhadoras e pistolas que seriam usados na tentativa de resgate de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, em ataques e planos de resgate em Porto Velho (RO) e também oriundos do espólio de lideranças do PCC executadas na guerra interna da facção estão entre as armas investigadas pela Polícia Federal (PF), no plano de sequestro e ataques ao senador Sérgio Moro (União-PR) e autoridades.
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O planejamento interrompido pela Operação Sequaz, deflagrada na 4ª feira (22.mar), incluiria o uso de armamentos reunidos pelo PCC, para uso da célula terrorista e letal da facção chamada "sintonia restrita", que possivelmente estariam guardados em "cofres" (como os criminosos se referem ao paiol do crime), no Paraná, Mato Grosso do Sul e, possivelmente, em Porto Velho (RO).
Seguindo um padrão de ação terrorista da facção, as ações compartilham armamentos, por aluguel, empréstimo, ou mesmo nas divisões de espólios de lideranças, após suas mortes.
Os executores dos crimes seriam membros do grupo de "sintonia restrita", espécie de grupo de elite do PCC, que age a mando dos cabeças da facção, em assassinatos de ex-membros, autoridades, agentes, sequestros e atentados. Janeferson Aparecido Mariano Gomes, o Nefo, estava coordenando a operação, segundo a PF.
"A utilização de armas de fogo ficou evidente desde a primeira quebra de dados, quando identificamos fotos de armas de fogo em residências, munições, planilhas de valores para a aquisição de armas, o que corrobora as anotações de "cofres" encontradas, deixando claro a periculosidade dos investigados", registra o delegado Martin Purper, do Grupo de Investigações Sensíveis (Gise), da PF em Cascavel (PR).
No monitoramento que a PF fez nos últimos dois meses de quatro telefones usados, há registros de gastos, quantias, locais e providências sobre o armamento investigado, ora chamado de "bico", ora de "berro". Há também anotações sobre "paiol" e sobre os "cofres".
Também conhecido como NF ou Dodge, Nefo seria o líder do plano a mando dos cabeças do PCC. Um exemplo destacado nos documentos da Sequaz são de contabilidades de gastos, entre eles com "ajuda ir paiol", "manutenção veículos (pr,paiol, restrita)", "manutenção cofres", entre outras.
Capacidade e risco
O poderio bélico da facção e o perfil de alta periculosidade dos integrantes envolvidos no plano foram identificados nas primeiras análises do material obtido pela PF, com as quebras de sigilos dos alvos.
"A capacidade bélica dos criminosos é notória, tendo sido obtidos diversos registros fotográficos de armas variadas - dentro de casas, sob móveis, indicando efetivamente estão prontas para uso da organização", destaca o delegado da PF Martin Purper.
A arma e a munição da imagem destacada pela PF na Sequaz foram fotografados e estavam em um telefone de um dos presos pela PF, conhecido como El Sid. Apelido de crime de Sidney Rodrigo Aparecido Piovesan. Seria "responsável por diversos homicídios ocorridos após sua soltura, que seria de desafetos que o teriam denunciado para a polícia", diz a PF.
El Sid foi solto em agosto de 2022. Estava preso na Penitenciária I de São Vicente (SP), preso pelo assassato de um policial militar, em 2014. Coleciona outros crimes na ficha.
Dos 11 alvos de prisão da Operação Sequaz, seis são considerados os cabeças do grupo envolvido na execução do plano. Eles se identificavam como "Restrita05" e foram monitorados nos últimos dois meses.
Outro importante nome na ação seria Valter Lima Nascimento, o Guinho, que foi preso em janeiro deste ano por policiais da Rota, da Polícia Militar, em São Paulo.
Ele é homem de confiança de Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, um dos cabeças do PCC, que coordenava o tráfico internacional de drogas de fora dos presídios.
Fuminho foi preso em 2020, em um hotel de luxo, em Moçambique, África. O criminos seria um dos arquitetos do plano frustrado de resgate de Marcola e também o ordenante da execução de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, um dos cabeças da facção nas ruas e ligado às rifas e ao jogo-do-bicho controlados pelo PCC.
"México"
A PF apontou ter identificado nas mensagens e levantamentos que um dos locais de armazenamento das armas do grupo estaria em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. O apartamento está alugado em nome da mulher de um criminoso preso em uma ação do PCC de resgate e atentados, em Porto Velho (RO), em 2018. A ação foi alvo da Operação Sicários da PF.
Na época, as investigações mostraram que a maioria dos criminosos era de São Paulo e viajou para o estado, onde está uma das cinco penitenciárias federais. Eles alugaram um apartamento, que serviria de base para o grupo. Da mesma forma que agiram no plano contra Moro, eles fizeram levantamentos de dados de câmeras, acompanharam a rotina dos alvos, agentes penitenciários federais, entre outras.
O suposto "paiol" do PCC foi alvo das buscas 24 ordens de buscas e apreensões da Operação Sequaz, que prendeu nove membros do PCC (dois ainda estão foragidos).
"É possível que lá existam armas e/ou um "cofre", pois normalmente após alguém ser preso os criminosos some com as armas, munições e qualquer material que possa incriminá-los", registra a PF.
As buscas da Sequaz foram realizadas em São Paulo, Curitiba, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Distrito Federal. A PF suspeita é que no endereço, identificado em um bilhete escrito à mão, pode ser um dos "cofres" do grupo, onde tinha armas guardadas.
Nas anotações do plano, o código "México" era usado para se referir a Mato Grosso do Sul. Há diversos valores associados aos gastos do tipo e também anotações destacadas pelo delegado sobre "Dd Mexico" e "90 ferramenta bico e peq".
"A abreviação dd referente a dedé e a expressão ferramenta bico e peq que são gírias usualmente empregadas no meio criminoso para indicar fuzil e pistolas", diz a PF.
O compartilhamento de armas, uso de documentos falsos, carros blindados, montagem de paiol (os cofres), uso de carros clonados são táticas do PCC.
Mato Grosso do Sul, onde a polícia buscou por armas do crime, é parte da chamada "Rota Caipira" do tráfico internacional de drogas, dominado pela facção. Pela região, passa a maior parte da cocaína que entra pela fronteira e segue para São Paulo, em direção ao Porto de Santos.
Tráfico internacional e execuções
Na frente que busca dados sobre o arsenal, a PF também investiga se armas de duas lideranças da facção assassinadas em disputa interna, em um episódio que envolve o sequestro de outro nome da cúpula ndo PCC, a Bolívia - que estaria ainda em andamento -, seriam usadas.
"Não há dúvidas da aplicação dos valores oriundos do tráfico de drogas e da associação para o tráfico de drogas de Janeferson para o financiamento das atividades criminosas na cidade de Curitiba/PR, sendo que o patrimônio identificado em nome de terceiros é parte vital das ações policiais para a completa desarticulação dos crimes em apuração, notadamente porque com a prisão dos líderes, esse patrimônio é novamente absorvido pela organização criminosa para continuar a prática dos mesmos delitos", Polícia Federal, sobre alvos da Operação Sequaz.
Nos documentos da Sequaz, a PF registra que a "prova" desse elo das armas ligadas à execução de Nadim Georges Hanna Awad Neto e Gilberto Flares Lopes Pontes, o Tobé, duas lideranças do PCC, e o sequestro de Marcos Roberto de Almeida, o "Tuta" na Bolívia, pela própria facção.
"A prova disso está na anotação sobre os "cofres" onde se citam claramente Nadim e Tobé ambos mortos pelo PCC e naturalmente as armas sob a responsabilidade deles foram deslocadas para continuar com a mesma missão anterior, qual seja, o ataque a autoridades públicas. No caso concreto, tanto o resgate de Marco Willians, vulgo Marcola quanto o sequestro (e morte) do Senador Sérgio Moro."
A PF investiga se dinheiro de narcotraficantes da Bolívia também estão entre os valores usados pelo PCC para bancar o plano de sequestro e ataques ao senador.
"Tuta" é considerado um dos líderes do PCC, como Marcola, e teria matado Nadin e Tobé, em uma briga interna, sem autorização da facção. O corpo de Tobé foi encontrado, em 2021, em um cemitério clandestino, em São Bernardo do Campo (SP).
Nefo, o principal alvo da Sequaz, tem endereços e negócios na cidade do ABC paulista. Sua ex-mulher, Oscalina Graciote, foi alvo de buscas, suspeita de ocultar bens do criminoso. Entre eles um lava jato da cidade
Desde 2019, além das restrições impostas e o isolamento das lideranças nos presídios federais, o PCC vive uma guerra interna de comando, segundo investigadores.
Na ordem de prisão da Sequaz, a juíza federal Gabriela Hardt destacou o poderio bélico dos alvos. Destacou ainda a semelhança do plano atual, que teria Moro como alvo, e outros dois casos de execuções cometidas pelo PCC no Paraná contra dois agentes penais federais, do Presídio de Catanduvas (PR), em 2016 e 2017, como mostrou o SBT News.
Nos últimos oito meses, pelo menos 14 pessoas ligadas ao PCC foram identificadas pela PF e colocaram em execução um plano para monitorar e sequestrar Moro ou membros da família, segundo os documentos.
Uma vingança ao endurecimento do combate à facção, com edição de medidas que cortaram benefícios e visitas íntimas para as lideranças e transferência e isolamento total, entre 2019 e 2020, quando Moro foi ministro da Justiça e Segurança Pública, no governo Jair Bolsonaro (PL).
O Ministério Público Federal (MPF) pediu nesta 3ª feirqa (28.mar) que o inquérito seja desmembrado. A parte sobre a tentativa de sequestro contra Moro seja arquivada, devido a não efetivação do crime, e o restante sobre a quadrilha, demais crimes, fosse enviado para a Justiça Estadual, em São Paulo.
O pedido foi negado pela juíza Gabriela Hardt, nesta 4ª feira (29.mar), por entender ainda ser prematuro o arquivamento. Ela cita a Operação Sequaz, deflagrada pela PF há uma semana, como um exemplo. O policiais e a perícia técnica ainda nalisam o material apreendido e cruzam com os dados levantados anteriormente.
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