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Justiça

A Lei de Terrorismo não se aplica aos golpistas, diz coordenador da PGR

Ao SBT News, o subprocurador-geral da República Carlos Frederico afirma que os 1,4 mil presos serão denunciados

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No gabinete do coordenador do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos do Ministério Público Federal (MPF) não há tempo para descanso. A equipe do subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos tem prazo apertado para apresentar as primeiras 942 denúncias criminais contra os golpistas que invadiram e depredaram, em 8 de janeiro, as sedes dos Três Poderes. Ao todo, mais de 1,4 mil pessoas estão na mira dos procuradores.

Carlos Frederico falou, em entrevista exclusiva ao SBT News, sobre o andamento dos trabalhos. Assista:

Chefe da área criminal do MPF, Carlos Frederico assumiu a coordenação do grupo estratégico criado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. "O MPF nunca se deparou com uma situação dessa, de um número tão grande de pessoas que praticaram esses atos. Estamos apurando e vamos oferecer essas denúncias", explicou o subprocurador-geral da República.

As primeiras 253 denúncias já foram apresentadas. Todas do núcleo de executores dos crimes de depredação e vandalismo no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal (STF).

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Bolsonaro
Entre os investigados está o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele foi incluído por uma postagem que reproduziu em rede social, no dia 10 de janeiro, às vésperas de um possível novo ato golpista, que estava sendo organizado para o dia seguinte.

Carlos Frederico detalhou como os acusados foram dividos em quatro núcleos (executores, incitadores, autoridades omissas e financiadores) e os motivos que levaram o MPF a iniciar as denúncias pelo grupo que atuou diretamente nas invasões ou que estava acampado na frente do quartel general do Exército, em Brasília.

Segundo ele, há uma impossibilidade de enquadrar os golpistas por crime de terrorismo. Além disso, há o desafio de individualizar as denúncias, mas prometeu que todos serão processados. "Vamos oferecer as denúncias contra todos os que estão presos."

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Leia a íntegra da entrevista concedida ao SBT News:

Com quase mil pessoas presas preventivamente, o MPF vai dar conta de denunciar todas a tempo? 
Na realidade, temos realmente quase mil pessoas presas atualmente, e o Ministério Público Federal tem prazos a cumprir. Nós estamos tentando cada vez mais adiantar o nosso trabalho, que é verificar, em termos de materialidade e autoria das pessoas que praticaram esses atos antidemocráticos, e denunciar, enquadrar devidamente na lei. Denunciando no crime correspondente à conduta de cada um. Então, um trabalho que está sendo hercúleo, é um trabalho novo, porque a lei é nova, o Ministério Público Federal nunca se deparou com uma situação dessa, de um número tão grande de pessoas que praticaram esses atos. Estamos apurando e vamos oferecer essas denúncias, buscando cumprir todos esses prazos para que o devido processo legal seja prestigiado.

Há risco de não conseguirem denunciar todos? Como o MPF se organizou para isso?
Vou te dar primeiro uma ideia da linha do tempo de como tudo começou. Quando os atos foram praticados, no dia 8, e pegou várias pessoas de surpresa, o procurador-geral da República convocou um grupo de gestão de crise do Ministério Público Federal para ver quais medidas iam ser tomadas naquele momento. Esse grupo se reuniu, traçou o panorama do ocorrido e, no dia seguinte, fixou algumas linhas de atuação. Sendo que, na 3ª feira (10.jan), o procurador-geral teve a ideia de criar um novo grupo: o Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos. Ele me convidou, como coordenador criminal do Ministério Público Federal, para coordenar esse grupo. Traçamos as linhas investigativas ou a maneira como iríamos proceder e vamos oferecer as denúncias contra todos os que estão presos.

Foi desenhada uma dinâmica especial para dar conta de, em 30 dias, conseguir quase mil mil processamento de denúncias na Justiça?
Nós vamos cumprir o prazo legal. A dinâmica está traçada. Já conseguimos ajustar um trabalho de equipe bastante substancioso e, na realidade, apesar das dificuldades e apesar dos números de pessoas envolvidas, vamos cumprir os prazos legais.

Quais crimes estão envolvidos nesses processos? 
Para mim, temos a perspectiva de cumprir esses prazos e de fazer um trabalho proativo a respeito da responsabilização dessas pessoas que violaram a lei. Nós estabelecemos núcleos de investigações ou linhas investigativas. Então, resolvemos separar a investigação dos crimes dos seguintes pontos: contra os executores, contra os financiadores, contra os instigadores e contra autoridades que tenham praticado eventualmente omissão imprópria. Com essas quatro linhas, começamos a realizar o nosso trabalho de oferecimento de denúncia, daquilo que nós temos materialidade e autoria para oferecer diretamente a denúncia e, posteriormente, solicitar, requerer, que sejam complementadas algumas outras provas, para condenação. Aquelas pessoas que são executores, que desceram a Praça dos Três Poderes, mas adentraram nos prédios, ou seja no Supremo Tribunal Federal, no Congresso Nacional e no Palácio do Planalto, e que promoveram aquele ato de vandalismo, aqueles atos que chocaram a população e que nos demonstrou o efetivo interesse e a potencialidade de romper o Estado Democrático de Direito, nós resolvemos enquadrar em várias condutas. 

Uma conduta diz respeito à associação criminosa, outra com relação à condição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de estado, dano qualificado, e também deterioração do patrimônio tombado. Então, enquadramos essas pessoas, os executores, nesses crimes e usamos como prova imagens. Logicamente, com a tecnologia de hoje, estamos identificando vários com imagens do circuito fechado do Senado, por exemplo, da Câmara dos Deputados, do Supremo Tribunal Federal, imagens também da imprensa, que realizou a cobertura, pegando imagens que identificam essas pessoas e possibilitam colocá-las no cenário do crime. Algumas foram presas pela Polícia Legislativa, por exemplo, em flagrante delito e recolhidas, posteriormente. Isso nos dá prova suficiente para oferecer a denúncia por esses crimes. Outros enquadramentos que nós estamos fazendo é relativo às pessoas que estavam na frente do quartel, que estavam acampadas. Só o fato do acampamento demonstrar aquele ânimo de permanência que tinha, com toda aquela estrutura que visava ter uma perenidade  e que tinha um vínculo subjetivo e psicológico daquelas pessoas se associarem à pedir o golpe de estado e poder levar ao potencial da quebra do Estado Democrático de Direito, nós enquadramos em alguns crimes. Enquadramos no crime de associação criminosa, por esse vínculo psicológico e subjetivo e forma, e também enquadramos no crime de incitação ao crime, ou seja, colocar as Forças Armadas contra os órgãos constituídos.

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Trecho de uma denúncia contra os "executores" | Reprodução

O senhor quer dizer que não só quem invadiu e depredou os prédios dos Três Poderes será processado, mas quem não participou da quebradeira e teve algum envolvimento também será?
Claro. Estamos buscando responsabilizar todos, mas dentro da conduta que o acusado praticou, sem excessos da acusação. Cada um deve responder pelo ato que praticou.

A individualização da pena é uma das grandes dificuldades para o MPF fazer as acusações?
Há uma dificuldade, mas nós já conseguimos traçar uma estratégia. Se chama, juridicamente, subsunção do fato à norma. Então, aquele fato praticado tem que corresponder à norma do Direito Penal que puna aquele fato. É isso que já fizemos, conseguimos separar, individualizar. Por isso, traçamos essas quatro linhas investigativas. Para facilitar o enquadramento de cada um e proceder a denúncia para que essas pessoas virem réus e respondam à ação criminal correspondente.

O senhor citou as imagens produzidas por golpistas que estavam nos atos e produziram provas contra eles, mas há outros elementos. Queria que o senhor nos desse alguns exemplos dessas provas?
Nós temos, por exemplo, a questão de reconhecimento facial, temos a geolocalização, para saber se a pessoa está naquele local, no momento do crime. Então, são uma série de outras providências, que através de recursos tecnológicos, podemos provar. Estamos buscando a disponibilização desse material para, inclusive, identificar novas pessoas que, talvez, somente a imagem não dê a substância para uma acusação. 

Isso significa que o número de 1.400 presos que estavam ali ou no acampamento ou no dia das invasões vai aumentar?
Certamente. Até alguns participantes da invasão aos Três Poderes que não foram identificados ou, mesmo que não tenham adentrado no prédio, poderão vir a responder por alguma conduta que praticaram a respeito desse ato antidemocrático.

Como estratégia jurídica, o senhor destacou a divisão dos núcleos para facilitar a elaboração das denúncias. Isso é essencial?
Os núcleos facilitam muito para que possamos organizar o material para denúncia e o enquadramento do crime respectivo. Já temos uma base de cinco crimes a imputar a esses executores que adentraram no prédio, praticaram aquele ato de vandalismo, enfim, buscaram realmente a quebra do regime democrático; ou seja; por mão própria foram lá e buscaram estancar a estabilidade do regime democrático. Já aqueles outros que só instigaram, que são os instigadores, também já temos essa perspectiva de dizer: "olha, instigou as outras pessoas a praticar esse ato, também vai responder". Estava presente no momento, estava lá no quartel pedindo golpe? Vai responder. Vai ser por crime menos grave, mas vai responder. Vai responder por crime menos grave, porque os quartéis não foram às ruas. Eles tentaram, instigaram, instigaram e instigaram, mas não houve aquela consumação dos quartéis irem às ruas. Então, isso facilita nosso trabalho dessa identificação dessas pessoas e do enquadramento legal na hora de oferecermos a respectiva denúncia. 

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A identificação dos núcleos de autores intelectuais e dos financiadores é um trabalho mais estratégico para o acusador?
É mais complexo esse trabalho a ser feito da identificação dos financiadores. Os atos praticados por omissão também são uma investigação mais complexa e que demanda maior atenção. Queremos nos dedicar exatamente a esse lado da investigação, mas agora estamos nos dedicando diretamente à situação dos réus presos, que nós temos prazos e não podemos deixar essas pessoas saírem da cadeia sem ter a devida acusação formulada contra elas. Mas, logicamente, o núcleo dos financiadores, ou daqueles que não só instigaram, mas que também estão como mentores dessa situação, vai demandar um trabalho mais refinado do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e dos órgãos persecutórios e de investigação. Eu digo sempre que temos que nos organizar, e estamos organizados, estamos mantendo um bom contato com a Polícia Federal, para desenvolvermos esse trabalho e a identificação dessas pessoas. 

Nas primeiras denúncias, o MPF deixou claro que não há como enquadrar os golpistas na nova Lei de Terrorismo. O relator no STF, o ministro Alexandre Morais, chegou a mencionar essa possibilidade. Por que não se configura o terrorismo? Há risco de reversão no Supremo desse entendimento?
Não vejo como aplicar a Lei de Terrorismo brasileira nesses fatos. Primeiro, houve uma forte discussão sobre o tema se essa lei era aplicada ou não a atos políticos, e o Congresso Nacional excluiu atos políticos, da imputação desta lei. Também quando o Congresso desenhou a lei, colocou as elementares dessa lei, ou seja, o crime tem que ser praticado motivado por xenofobia, discriminação, preconceito de raça, cor, etnia, religião. Então, nada disso se adequa ao que aconteceu no dia 8 na Praça dos Três Poderes ou em frente ao quartel do Exército. 

"Não vejo como aplicar essa lei (antiterrorismo), porque a Lei Penal não pode ser aplicada de forma extensiva, ela tem que ser aplicada restritivamente, de acordo como saiu do Congresso Nacional as elementares. E essas elementares de xenofobia, de discriminações e preconceito não constam nesses atos antidemocráticos."

O senhor está dizendo que se a lei tivesse sido aprovada do jeito que ela foi inicialmente redigida, talvez poderia?
Talvez pudesse. Desde quando estivesses as elementares correspondentes e também ela não excluísse os atos políticos.

No núcleo de autores intelectuais e de de favorecidos é feita a divisão dos núcleos e na organização criminosa há sempre quem mais se beneficia ou o mandante. O ex-presidente Jair Bolsonaro está no processo. Há risco de ele ser responsabilizado?
Não estamos investigando a organização criminosa e sim a associação criminosa. Há uma diferença, essa divisão de tarefas dentro da organização, não acontece na associação. Juridicamente são tipificações diferentes. Quanto à questão do ex-presidente Jair Bolsonaro, pedimos a inclusão dele no inquérito, relativa a uma publicação que ele fez no dia 10, ou seja, posteriormente aos atos do dia 8. Na realidade, ele republicou uma postagem de uma outra pessoa que se insurgiu contra o fato da eleição, da legitimidade e poderia acabar incidindo no crime de incitação. Nós pedimos para incluir o ex-presidente na investigação do inquérito sobre a incitação a esses fatos, porque estava previsto um novo movimento para o dia 11. Aí poderia haver potencialidade de fazer crescer esse movimento do dia 11. Até agora, estamos investigando, pedimos a preservação da postagem, porque junto com a representação que veio, não veio a postagem feita pelo ex-presidente e foi foi requerida ao ministro relator determinasse a preservação da postagem para ser juntada ao inquérito e para nós podermos analisar o que vamos fazer a respeito desse dessa prática em si correspondente ao ex-presidente Jair Bolsonaro. 

As investigações na área administrativa ou mesmo na área cível e na área militar se conectam, ou em algum momento vão ter uma interface com as apurações criminais?
Em todas as denúncias que estamos oferecendo, a dos executores, estamos pedindo bloqueio de bens, de conta bancária, de tudo. Vai surtir efeito na condenação penal. Vi que alguns órgãos executivos também estão pedindo bloqueio de alguns bens. Vai acabar se sobrepondo, algumas decisões do cível a da área criminal. Ou seja, no final é que vamos ver essa apuração. Há faculdade dos juízes cíveis suspenderem o processo, enquanto está pendente o processo criminal, que também tem esse pedido. Mas isso é uma faculdade, é uma questão jurídica a ser decidida no momento oportuno e de cada ação. E vai transcorrer, seja no crime, seja no cível.

Esse é um processo de uma dimensão fora do comum. Não é todo dia que chega uma cota de quase mil processos e com a perspectiva de até mais. Tivemos recentes episódios de grandes processos, como o do Mensalão e a Lava Jato. O que eles ensinam?
Esse caso foge da curva, como os casos da Lava Jato e do Mensalão fugiram. Aprendemos muito, por exemplo, com a Lava Jato. De agir de forma prudente e não açodada, porque vimos no Mensalão e na Lava Jato que a maioria das provas foram anuladas. Estamos trabalhando com mais cuidado nesses casos, de forma não açodada e em respeito ao devido processo legal, para que não venhamos a ter nada anulado neste processo. Ao contrário, tenha efetiva condenação daqueles todos que participaram desses atos. Estamos buscando atribuir a responsabilidade de cada um. Se estamos defendendo o Estado Democrático de Direito, temos que respeitar o Estado de Direito e não podemos, logicamente, transgredir os meios de provas. Ao contrário, temos que ter provas substanciais para levar à condenação de todos.

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