Arautos do Evangelho: Justiça determina que alunos voltem para casa
Bispo de Franca não autoriza grupo a evangelizar; associação tem denúncias de tortura, assédio e estupro por parte de ex-integrantes

SBT News
A Justiça de São Paulo determinou que todos os estudantes em regime de internato do grupo Arautos do Evangelho deixem a instituição e voltem para casa até o dia 1º de julho. De acordo com as informações da decisão, obtida pela reportagem do SBT News, a ação está baseada nas mais de 50 denúncias de abusos físicos e psicológicos praticados por ex-integrantes do grupo, além de casos de estupro e tortura já relatados.
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Também foi proibido o procedimento de novos acolhimentos ou matrículas de crianças e adolescentes, em qualquer uma das unidades da instituição, em todo o território nacional. Como não há um número exato da quantidade de estudantes, a decisão também engloba a apresentação de todas as matrículas atuais nos internatos. Apenas na capital, é estimado que mais de 200 crianças estudem nos locais.
Foi fixada uma multa diária de R$ 1 mil em caso de descumprimento da determinação judicial sobre cada aluno que não seja entregue aos cuidados da família, ao termino do semestre letivo, em julho, com os documentos escolares para transferência para outra instituição de ensino.
Além disso, uma outra multa de R$ 10 mil foi determinada para cada novo acolhimento ou matrícula realizada pela associação em caso de desobediência da liminar.
Investigação do caso começou em 2019
A Defensoria Pública de São Paulo reuniu depoimentos a partir do trabalho de investigação iniciado em 2019, pelo Ministério Público paulista, após o caso ser destacado pela imprensa nacional. No mesmo ano, o SBT Brasil exibiu reportagem com denúncias de abusos físicos, psicológicos e cárcere privado, que teriam sido cometidos contra jovens dentro das instituições. Na época, o Conselho de Direitos Humanos do Estado fez uma representação ao Ministério Público por conta dos supostos abusos cometidos pelo grupo católico.
Um ex-interno, que passou 11 dos seus 30 anos de vida lá dentro, por exemplo, contou que passou por cerimônias de capitulação, que tinham o intuito de se auto santificar: "Ele fala pra você ajoelhar e logo depois ele fala pra você se prosternar no chão, você fica com a face no chão e ele dá início às acusações", relatou. Para ele, as sessões eram de humilhação e tortura psicológica.
"Às vezes, o jovem tem tendências de uma pessoa afeminada e eles acusavam isso no capítulo. Eles acusavam: 'Isso aconteceu com você? Sim. Esse jovem não serve'. Eles sempre foram muito homofóbicos, racistas", ressaltou o ex-interno.
Uma jovem colombiana, que preferiu não se identificar, também denunciou a instituição. Ela disse que veio ao Brasil quando ainda era criança para entrar na comunidade. No relatou ao Ministério Público, a jovem informou que foi vítima de assédio sexual pelo líder religioso quando, depois da missa, ele a chamou para a sacristia e lhe deu um beijo na boca.
Após os relatos, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) pediu a reabertura das investigações da morte de uma jovem, que era membro da comunidade, em 2016. Em um dos boletins de ocorrência, a vítima denunciou o fundador do grupo Arautos do Evangelho, o Monsenhor João Clá, e outros dois padres, pela prática de abuso sexual quando ela tinha apenas 13 anos de idade. No registro consta que ela foi sedada, e depois molestada.
O Condepe também pediu para que a investigação sobre a morte de Lívia Uchida fosse reaberta. Em julho de 2016, a interna foi encontrada morta no pátio da instituição, e de acordo com informações prestadas à família, a jovem estaria limpando a janela do quarto quando caiu. A família, no entanto, disse não acreditar na versão contada, e para eles, a moça poderia ter sido induzida a cometer suicídio.
Arautos diz que sabe das acusações e que é favorável ao 'estabelecimento da verdade'
A Associação Arautos do Evangelho comunicou que foi informada pela imprensa, e não pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), sobre a decisão que determinou que as crianças e adolescentes que estão em internatos dos Arautos voltem para casa após as denúncias.
Arautos do Evangelho afirma que sabe das acusações e que manterá a mesma postura. Além de destacar o processo judicial de forma positiva. "Será extremamente favorável para o estabelecimento da verdade, pois permitirá, finalmente, que todos os nossos colaboradores, integrantes, professores e estudantes tenham voz e vez, oportunidade que lhes havia sido tolhida até o presente momento, em outros procedimentos de teor acusatório promovidos pela imprensa", declarou a associação.
Leia a nota da associação na íntegra:
Na data de 12/04/2022, a Rede Globo de Televisão noticiou a existência de uma decisão judicial, em caráter liminar, que afetaria os Colégios do Projeto Educacional Arautos do Evangelho, bem como as crianças, adolescentes e famílias dos estudantes.
A esse respeito, primeiramente, chamamos a atenção para o fato de a imprensa ter sido informada antes mesmo dos próprios interessados e dos Arautos acerca da existência de tal processo e decisão, que aparentemente tramita em segredo de justiça, o que indica uma forte intenção sensacionalista em toda essa ação e uma possível violação de sigilo.
Por outro lado, mesmo tomando conhecimento do ocorrido pela imprensa e, portanto, sem terem sido formalmente notificados, os Arautos, pelo que foi noticiado, já sabem do teor das acusações persecutórias que lhes fazem e têm confiança de que uma decisão de tal magnitude não se manterá incólume, quando forem devidamente esclarecidos os fatos frente ao Poder Judiciário.
Com efeito, o ter sido iniciado um processo judicial será extremamente favorável para o estabelecimento da verdade, pois permitirá, finalmente, que todos os nossos colaboradores, integrantes, professores e estudantes tenham voz e vez, oportunidade que lhes havia sido tolhida até o presente momento, em outros procedimentos de teor acusatório promovidos pela imprensa.
Uma Igreja que tem como pilar o Cristo Crucificado nada teme, nada esconde e está preparada para resistir a quaisquer perseguições. No espírito da Paixão do Senhor - que justo celebramos nesta Semana Santa -, temos a certeza de que os ataques contra a Fé Cristã proporcionam, na verdade, o crescimento de dedicações e o florescimento de novas esperanças.
Bispo de Franca diz que Arautos do Evangelho não tem autorização para evangelizar
O bispo da Diocese de Franca, Dom Paulo Roberto Beloto, publicou uma carta informando que a Associação 'Arautos do Evangelho' não tem autorização oficial para exercer atividades de evangelização, celebrações dos sacramentos, catequese, visitas às famílias e promoções financeiras na região da diocese por não seguirem as Normas Pastorais Diocesanas.
A carta ainda ressalta que 'a decisão não tem a intenção de emitir juízos sobre as atividades' da associação por motivos de 'zelar pela necessária comunhão, como prega a Santa Igreja, pelo discernimento, clareza e zelo pastoral', sob a orientação e cuidados do bispo diocesano.
Leia a íntegra da carta abaixo:
Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o caso segue em segredo de justiça.
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