Confronto ambiental: exploração em Foz do Amazonas ameaça pesca e indígenas
Com movimento de Lula pró-Petrobras, ambientalistas reforçam riscos para água, peixes e comunidades
Com a pressão política, que se intensificou após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sair em defesa da Petrobras na questão da exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas, o impasse junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) promete escalar. Especialistas consultados pelo SBT News defendem mais debates sobre o tema, que está na pauta de organizações para a Cúpula do Amazonas, em Belém. Movimentos indígenas também pretendem participar das discussões e levarão o assunto para às vésperas do encontro - em programação do Diálogos Amazônicos.
"Outra questão foi o plano de emergência, caso surja algum acidente com vazamento de óleo. A questão principal levantada pela equipe foi de atendimento à fauna da região. A Petrobras fez escolha de local mais adequado para base de apoio em Belém, que fica a dois dias de navegação da sonda", relata Leandro Valentim, diretor da Associação Nacional dos Servidores da Área Ambiental Federal (Ascema). Ele também destaca que a região solicitada pela Petrobras é uma área de difícil acesso, por ser tomada por manguezais: "A condição climática muda, e tem épocas que chove muito, o que impacta o deslocamento aéreo, se o tempo estiver ruim".
O possível avanço da exploração de petróleo também poderá afetar o sistema de recifes amazônicos, que ocupam milhares de quilômetros ao longo da costa, conforme aponta o gerente de oceanos e clima da instituição Arayara, Vinícius Nora. "No pouco que se conhece, sabe-se que são recifes únicos, ricos e que produzem para grandes pesqueiras da região. É de praxe na exploração petróleo ter a atividade sísmica, que são explosões para entender onde há maior possibilidade de petróleo para fazer o furo. Uma atividade de muito impacto na pesca local", diz.
O especialista em biologia marinha considera que as possíveis intervenções impactariam todos os tipos da atividade pesqueira na região, de frotas industriais a pescadores pequenos, pescaria tradicionais e artesanais. Além de interferências no local da Foz do Amazonas, as mudanças podem chegar a outros estados, como Pará e Maranhão, que estão entre os maiores produtores de pesca marinha no país.
"Nessa região, a ANP tem previsto 328 blocos de petróleo entre estudo, oferta e concessão. Então, é meia verdade quando se diz que o bloco 59 [o que está sob análise do Ibama] é só um furo para saber se tem petróleo. A gente está falando de grande fronteira, de condução portuária e embarcações que vão aumentar a restrição da pesca, da poluição e o estresse dessa região", avalia.
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A necessidade de uma avaliação mais criteriosa em relação aos riscos é também defendida pelo professor Luis Enrique Sanchez, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Com a consideração de que as discussões estão rasas, o engenheiro pondera que as atuais discussões têm simplificado o problema. "Fala-se só de investimentos locais, do desenvolvimento local, mas tem uma série de outras implicações, inclusive o quanto o desenvolvimento da produção de petróleo poderia realmente trazer benefícios para as comunidades, como os benefícios seriam repartidos, quais comunidades ou grupos seriam beneficiados e quais seriam prejudicados", considera. "É uma decisão bem complexa, é estratégica, em termos da própria Petrobras e do futuro da região", completa.
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Sanchez ainda aponta que a região no extremo norte do país é uma área pouco conhecida, o que demanda uma avaliação criteriosa. "Não se tem a infraestrutura que se tem no Sudeste, como a Bacia de Campos, Bacia de Santos e a região do pré-sal. E isso também implicaria para se ter uma resposta satisfatória. Implicaria também o investimento prévio da Petrobras com equipamentos necessários como uma medida preventiva. Isso demanda não só investimentos, como pessoal, é muito tempo de preparação e capacitação", pontua.
Falta de diálogo
Na avaliação de Vinícius Nora, o debate para busca de petróleo não está sendo feito de forma transparente e as comunidades na Foz do Amazonas estão sem ter orientações de como proceder frente ao processo: "Inúmeras organizações da sociedade civil, cooperativas, associações. Todas são unânimes em dizer que o diálogo não é transparente. Não incluem toda população, e não incentivam que parte da população vá a reuniões. Não estão claros quais são os benefícios, e as pessoas não sabem como requerer".
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) já se manifestaram contra o pedido de exploração de petróleo na área, com a consideração de que o movimento vem na contramão de um discurso em defesa do ambiente.
"Impossível que um governo se comprometa em ter uma política ambiental que combate as mudanças climáticas e, ainda assim, se posiciona a favor do licenciamento de projetos que terão impacto socioambiental e aumento do uso de combustíveis fósseis, um dos maiores gargalos para barrar a crise climática", diz comunicado divulgado pelas organizações. Eles preparam para levar o tema à discussão em evento de preparação para a Cúpula do Amazonas, neste sábado (5.ago).
O que disse Lula
Em entrevista a emissoras de rádio na Amazônia, o presidente afirmou na última 5ª feira (3.ago) que o governo procura uma saída para o impasse na exploração, que a decisão do Ibama não é definitiva e que a pesquisa de petróleo "tem de seguir". O presidente ainda disse que o estado do Amapá pode "continuar sonhando" com a possibilidade: "Primeiro, nós temos que pesquisar se tem aquilo que a gente pensa que tem lá. E quando a gente achar, a gente vai tomar uma decisão do Estado brasileiro - o que a gente vai fazer, como é que a gente pode explorar".
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O movimento vem na contramão da defesa da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e do Ibama. No Pará, a ministra defendeu análise do instituto em negar o pedido para a Foz do Amazonas. "O Ibama não dificulta e nem facilita, o Ibama tem um parecer técnico que deve ser observado. Nós já demos mais de duas mil licenças para Petrobras ao longo dos tempos. Se as licenças dadas não foram ideológicas, as licenças negadas também não são. São licenças técnicas", disse. O instituto foi contatado para informações a respeito da análise de recurso apresentada pela Petrobras, mas não respondeu até a publicação da reportagem.
O que diz a Petrobras
A Petrobras nega que a operação tenha impactos à comunidade indígenas, e afirma ter atendido a pedido do Ibama e mudado rotas de voos e altitudes de aeronaves que trafegam pela região. "As rotas hoje passam a uma distância mínima de 13 km da aldeia indígena mais próxima. Em média, serão realizados 2 voos diários. Em maio de 2023, foi reconhecido em Audiência Pública pelo representante do Conselho de Caciques do Oiapoque (CCPIO) que os ruídos dos voos foram sanados, através de conversa com a Petrobras para mudança da rota das aeronaves", diz trecho de comunicado compartilhado pela estatal.