Volta do Programa de Aquisição de Alimentos é importante, dizem especialistas
Bandeira de Lula na campanha, combate à fome é objetivo de medidas implementadas pelo governo
A extensa lista de anúncios feitos pelo governo federal neste início de gestão contém implementações de medidas em prol do combate à fome no Brasil, uma das principais bandeiras da campanha de Lula (PT) no ano passado. A mais recente delas é a retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), vista com bons olhos por especialistas, os quais reforçam, que, para acabar com a fome no país, é necessário um conjunto de ações.
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O relançamento do PAA é "fundamental" para o enfrentamento do problema no território brasileiro, segundo o doutor em economia e especialista em planejamento agrícola Nilson Maciel de Paula, coordenador do Grupo de Estudos em Agricultura e Sistemas Agroalimentares (Gpasa) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
O motivo, afirma, é que já foi identificado que "um dos determinantes da fome, da insegurança alimentar foi o desmonte de políticas que representavam esse colchão de proteção, por meio desses programas, como o PAA, como o Pnae [Programa Nacional de Alimentação Escolar], como o Pronaf [Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar], uma série de programas voltados para agricultura familiar e para outras formas de produção, como ribeirinhos, quilombolas, entre outros, ou seja, a agricultura familiar nas suas várias expressões. E isso combinado com políticas voltadas à esfera do abastecimento e até mesmo da oferta de refeições, como restaurantes populares, cozinha solidária".
Conforme Maciel de Paula, esse arcabouço de políticas foi desmontado de forma intencional e havia sido "fundamental para tirar o Brasil da fome lá atrás". Portanto, "nada mais coerente do que recuperar esses mecanismos de proteção através dessas políticas, como um primeiro passo. E daí ir fazendo os ajustes necessários". Em 2022, a Organização das Nações Unidas (ONU) informou que, no território brasileiro, a prevalência de insegurança alimentar grave aumentou de 3,9 milhões de pessoas entre 2014 e 2016 para 15,4 milhões entre 2019 e 2021.
O PAA foi criado pelo art. 19 da Lei nº 10.696/2003 e substituído pelo Programa Alimenta Brasil em 2021. Segundo o governo, o retorno, que ocorreu por meio da publicação de uma Medida Provisória (MP) na última 5ª feira (23.mar), "é acompanhado de reajuste no valor individual a ser comercializado por agricultoras e agricultores familiares". O teto foi ampliado de R$ 12 mil para R$ 15 mil nas modalidades Doação Simultânea, Formação de Estoque e Compra Direta, e há facilidades para povos indígenas e comunidades tradicionais se tornarem fornecedores, complementa o comunicado. Outras novidades é que ele tem o objetivo de fazer com que o percentual de agricultoras mulheres vá de 46% para no mínimo 50%, e prevê percentual mínimo de compras da agricultura familiar por órgãos federais. Este pode ser estendido para órgãos estaduais e municipais.
Como antes, o PAA permite que, por meio de chamada pública, órgãos públicos comprem produtos de agricultores familiares oficialmente cadastrados. "As compras são feitas a preços compatíveis com os praticados no mercado, o que garante retorno justo aos participantes", ressalta o governo federal. Os alimentos adquiridos pelo Programa são destinados a indivíduos em situação de insegurança alimentar e nutricional, a entidades da rede socioassistencial, à rede pública e filantrópica de saúde, educação e justiça e a equipamentos de alimentação e nutrição, entre os quais restaurantes populares, cozinhas comunitárias, creches e bancos de alimentos.
Para a economista, empreendedora social e fundadora da ONG Banco de Alimentos, Luciana Quintão, o relançamento do PAA é "importantíssimo como sinalização, como intenção" de combater a fome no país, "porque a gente sabe que a maior parte dos alimentos produzidos aqui no Brasil acabam indo para fora e o valor que tem a agricultura familiar também para gerar renda para os próprios agricultores, além de abastecer aqui o nosso mercado consumidor". "Então eu acho muito bom, eu acho necessário, eu acho que tem que ser levado isso bastante a sério".
Na avaliação da especialista, as medidas já anunciadas pela atual gestão do Executivo federal que tem como objetivo o combate à fome são importantes, mas, para acabar com o problema, ainda faltam outras. De acordo com Luciana, a existência da fome no Brasil é consequência de uma fusão de vários fatores, e a eficiência da gestão pública é um deles, mas na sua integralidade, não apenas de programas de combate ao estágio mais grave da insegurança alimentar.
"A gente precisa promover muito mais educação nesse país, melhorar a saúde no nosso país, fazer mudanças estruturais nos sistemas econômicos. Por exemplo, um sistema tributário. O Brasil é um dos países que mais gasta horas no mundo investindo em advogados tributaristas para entender como é que vai pagar aquele imposto. A gente é um país que demora para conceder patentes, que tem um déficit fiscal muito grande. A gente recolhe muitos impostos praticamente para custeio, para pagar contas, e não para investir em coisas novas. Tem desperdício do dinheiro público", ressalta.
Segundo a especialista ainda, não passou tempo suficiente para ser possível "fazer algum juízo de valor" do resultado de qualquer uma das ações implementadas pelo terceiro governo Lula visando a combater a fome, mas, ao implementá-las, o governo sinalizou "realmente de que quer combater esse grave problema". "Porém, a gente já poderia estar em outro estágio não só pelo governo anterior, que está sendo tão culpado, mas dos últimos 30 anos. Por isso que é muito importante que qualquer medida que venha a ser tomada realmente seja efetivada, porque senão é mais do mesmo".
O coordenador do Gpasa, Nilson Maciel de Paula, relembra que há fome porque há, antes de qualquer coisa, "pobreza, desemprego, uma série de outras mazelas que tem tomado boa parte da sociedade". Dessa forma, acrescenta, se a economia voltar a crescer, o nível de emprego voltar a se elevar e as pessoas voltarem a ter renda, será amenizada a necessidade de ter políticas como o PAA e o Bolsa Família.
Ações
Entre as medidas implementadas pelo governo Lula para combater a fome, estão também o Bolsa Família com valor mínimo de R$ 600,00 e dois benefícios adicionais; o reajuste de até 39% nos repasses dos recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar; e a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
O Consea havia sido desativado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) em 2019. Segundo o Governo Federal, ele é um "órgão de assessoramento imediato à Presidência da República e um importante espaço institucional para a participação e o controle social na formulação, no monitoramento e na avaliação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional". O conselho é composto por dois terços de representantes da sociedade civil e um terço de representantes governamentais. A presidência é exercida por um representante da sociedade civil.
Na avaliação de Nilson Maciel de Paula, essas medidas implementadas pelo Governo Federal neste ano sinalizam que o combate à fome e à insegurança alimentar é uma "prioridade absoluta" da gestão. "Um exemplo que nós poderíamos destacar: ficamos quantos anos com a merenda escolar congelada, chegando ao descalabro de termos R$ 0,32 por aluno? Quer dizer, então veja que essa é uma coisa criminosa. Então hoje já houve um aumento significativo nesse valor. Poderia ser maior? Poderia ser maior, mas já é uma mudança, uma sinalização muito positiva", complementa.