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Com pandemia, saúde vira tema de destaque na campanha à Presidência

Lula criticou atuação de Bolsonaro, e o presidente disse que não errou "nada" do que falou

Com pandemia, saúde vira tema de destaque na campanha à Presidência
Da esq. para a dir., Lula, Bolsonaro, Ciro e Simone Tebet (Ricardo Stuckert/Clauber Cleber Caetano/Keiny Andrade/Divulgação)
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O tema saúde, que ganhou destaque nos últimos dois anos por causa da pandemia, foi abordado por todos os candidatos a presidente da República -- com exceção de Roberto Jefferson (PTB) -- em ao menos uma ocasião nos dez primeiros dias da campanha eleitoral - iniciada na 3ª feira (16.ago). Logo na primeira data, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder nas pesquisas de intenção de voto, criticou a atuação do presidente Jair Bolsonaro (PL) na crise sanitária, em vídeo publicado em seu canal no YouTube.

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Na gravação, denominada Viva o SUS, Mais Saúde, o petista pontua: "Eu não acho que o presidente tem que conhecer de doença, tem que conhecer de saúde. Ele apenas precisa ter inteligência para saber que, quando tem uma pandemia como essa que nós tivemos, ele teria que ter criado um comitê de crise, envolvendo o pessoal da saúde, envolvendo o pessoal do laboratório Butantan, da Fiocruz, envolvendo as secretarias de saúde, dos estados, é simples. E o Brasil recebeu proposta de comprar vacina logo no começo, o Brasil poderia ter comprado a vacina". Ainda no vídeo, Lula ataca Bolsonaro dizendo que ele não acredita na pandemia e receitou remédio com ineficácia (contra covid) comprovada cientificamente e, por isso, o chefe do Executivo federal precisa "ser culpado, porque ele poderia ter salvo a vida de muita gente se ele tivesse feito o que qualquer civilizado teria feito".

O petista também diz que, graças a pessoas que sabiam o que fazer e ao Sistema Único de Saúde (SUS), o Brasil salvou "muita gente". Na sequência, a voz de uma mulher faz propaganda eleitoral negativa contra Bolsonaro e positiva para Lula, relembrando feitos do governo do petista: "Bolsonaro entrou, a vida piorou. Agora Lula vai voltar a cuidar da saúde e das pessoas. Lula criou ações inovadoras na área da saúde que fortaleceram o SUS e mostrou cuidado com as pessoas. Investimento em ciência e pesquisa, Brasil Sorridente, Farmácia Popular e Samu são algumas iniciativas que melhoraram e salvaram a vida de milhares de brasileiros".

Enquanto Lula e Bolsonaro estavam frente a frente no plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na cerimônia de posse do ministro Alexandre de Moraes como presidente da Corte, o perfil de Lula voltou a abordar o tema da saúde, em outro ataque a Bolsonaro -- desta vez, respostando mensagem segundo a qual a escolha na eleição deste ano será "entre o candidato que criou o Samu e o candidato que imitou pessoas morrendo sem ar na pandemia". Já em 23 de agosto, o perfil do Partido dos Trabalhadores (PT) no Twitter publicou um vídeo segundo o qual um "dos motivos para Lula voltar" é que "cuida da saúde". De acordo a gravação, o petista não entende a saúde como "gasto", mas como "investimento".

O presidente Jair Bolsonaro -- segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto --, por sua vez, falou sobre saúde em três ocasiões nos últimos dias. Ao dar a largada à sua campanha à reeleição, em Juiz de Fora (MG), o político voltou a criticar medidas restritivas adotadas pelos governos estaduais durante o pico da pandemia, fazendo uma comparação com o período da ditadura militar no Brasil. "Vocês sentiram um pouquinho de ditadura durante a pandemia. Igrejas sendo fechadas, pessoas sendo proibidas de trabalhar, alguns, mandando prender até quem estava na praia. Fechando comércio, soldando porta de comerciantes e a gente sabia onde isso ia dar", falou Bolsonaro.

Depois, em 22 de agosto, em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, o presidente disse que não errou "nada" do que falou em relação à pandemia. "Eu falei nisso da pandemia que nós devíamos cuidar, tratar dos idosos, pessoas com comorbidade, e o resto da população trabalhar. E isso eu falei. E não errei. Hoje, muitos países já falam que o lockdown foi um erro. Que as pessoas se contaminavam muito mais em casa do que nas ruas. O lockdown serviu, sim, para atrapalhar a nossa economia e contaminar mais as pessoas em casa", completou, contrariando as pesquisas científicas. Além disso, na entrevista, ele relembrou que mais de 500 mil doses de vacinas foram compradas pelo Ministério da Saúde, falou de forma enganosa que os possíveis efeitos colaterais dos imunizantes não são conhecidos, e defendeu o uso de medicamentos sem eficácia comprovada ou com ineficácia comprovada contra covid. Posteriormente, na 4ª feira (24.ago), Bolsonaro criticou o "lockdown" e disse que adotou medidas corretas na crise sanitária.

O ex-governador cearense Ciro Gomes, candidato a presidente pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), também falou sobre a pandemia em entrevista ao Jornal Nacional. Sua sabatina ao veículo foi feita na 3ª feira (23.ago). Na ocasião, atacou Bolsonaro e fez homenagem ao ex-governador paulista João Doria (PSDB): "O Brasil tem 3% da população do mundo e, no Brasil morreram 11 em cada 100 pessoas que morreram no mundo na pandemia. Qual é a explicação? Foi o comportamento genocida, que é uma palavra ruim, dura, mas foi o comportamento anticiência, foi o adiamento eterno por politicagem barata com a questão das vacinas, numa briga vil, dizendo 'ah, em janeiro nós vacinamos', vacinamos porque o governador de São Paulo transformou isso na sua principal ferramenta, faço uma homenagem aqui ao João Doria".

Em 22 de agosto, a senadora Simone Tebet (MS), candidata do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) a presidente, visitou o Ambulatório Multiprofissional Especializado (AMME), em Colombo, na Grande Curitiba. No local, prometeu aumentar a participação federal no financiamento do SUS, em um eventual governo. "O que não pode é continuar o prefeito tendo que arcar sozinho, junto com os demais, com a saúde pública, não só a preventiva, mas aquela considerada de especialidade. Essa responsabilidade é do governo do estado e essa responsabilidade é do Governo Federal, e esse compromisso que eu vim assumir aqui no estado do Paraná. Para o Paraná e para todo o Brasil", afirmou a parlamentar. Tebet acrescentou que "o SUS foi um gigante na pandemia" e que, se eleita, porá fim à fila, deixada pela covid, "de consultas, exames e cirurgias, colocando dinheiro na conta de estados e municípios para que eles possam realizar essa tarefa".

De acordo com a parlamentar, em uma eventual gestão sua, o Governo Federal financiará pelo menos 50% da saúde pública brasileira. Ela propôs ainda dividir o país em aproximadamente 400 regiões de saúde, ou seja, municípios menores abririam mão de estruturas ociosas e de baixa produtividade e, em compensação, poderia utilizar equipamentos melhores em municípios vizinhos maiores.

Antes da visita à AMME, no dia 20 de agosto, Tebet prometeu atualizar a tabela do SUS de repasses de verbas aos hospitais: "Nós vamos mexer gradativamente na tabela SUS para que dinheiro não falte para mamografia, para o exame de próstata, para consultas e exames". O candidato do Novo a presidente, cientista político Felipe D'Avila, falou sobre saúde em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, em 22 de agosto; criticou o piso salarial para enfermeiros, sancionado no último dia 4: "Veja a lei que aprovaram do piso para os enfermeiros. Isso está fechando leitos. Ela não foi feita pensando no usuário, mas no corporativismo da Saúde".

Avaliação

Para Ronaldo Teodoro dos Santos, doutor em ciência política, professor adjunto do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IMS/Uerj) e especialista em políticas públicas, "a centralidade do SUS neste momento inicial da campanha ainda está por ganhar mais projeção". "Por ora, o que tem tomado protagonismo é a preocupação com a estabilidade da democracia, a preocupação com o questionamento das urnas, com o processo eleitoral. Infelizmente, esse tipo de reflexão desloca outras agendas que são parte de um programa o qual nós brasileiros estamos esperando ver a consistência do que está sendo proposto".

Conforme o especialista, na área da saúde, três questões "serão incontornáveis" pelos candidatos a presidente, e eles poderão se envolver nelas na campanha: reorganização de um programa nacional de imunizações, pois "parte importante do que era nossa possibiidade de reagismor à covid-19 demonstrou que o país é extremamente dependente do que é produzido no exterior"; discussão sobre uma carreira SUS, porque "um debate claro sobre como organizar o trabalho dentro do sistema é fundamental para a própria qualidade e estabilidade da assistência que o SUS é capaz de prestar"; e o financiamento do SUS, pois o teto de gastos públicos em vigor no país desde o governo Temer "vem sistematicamente subtraindo recursos públicos" do sistema, e isso "desorganiza os serviços na atenção primária", além de dizer respeito à capacidade do país organizar os serviços de média e alta complexidades e reduzir a fila de espera para exames e consultas.

Na visão da doutora em ciência política e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mayra Goulart, "faz falta neste debate eleitoral enfatizar a importância dos investimentos em ciência, tecnologia e educação superior, porque é isso que permite que o país crie soluções próprias para lidar com os desafios na área da saúde".

Outros candidatos

Da esq. para a dir., Vera Lúcia, Sofia Manzano, Eymael e Léo Péricles (Reprodução)
Da esq. para a dir., Vera Lúcia, Sofia Manzano, Eymael e Léo Péricles | Reprodução

O ex-deputado federal José Maria Eymael, candidato a presidente pelo Democracia Cristã (DC), disse em entrevista ao SBT News, na semana passada, que há dinheiro suficiente para a área da saúde no Brasil, mas "falta conceito". Segundo ele, "o conceito fundamental" defendido por sua candidatura "é a saúde inteligente, a saúde chegando antes da doença, a prevenção". "Não tem uma politica de prevenção no país, então é fundamental uma política agressiva nesse sentido. A saúde chegando antes da doença. 'Ah, isso é fácil de fazer', não, não é fácil de fazer".

Também na semana passada, o técnico de mecânica Léo Péricles, candidato da Unidade Popular (UP), afirmou ao SBT News que a demora para o atendimento no SUS ser feito precisa ter fim: "Na saúde, eu uso o SUS, sou candidato à Presidência e uso o SUS. Tive que fazer uma consulta com o neurologista e fiquei um ano e sete meses para ser atendido. Se fosse uma coisa grave, teria morrido. Isso tem que acabar no Brasil". De acordo com a doutora em história econômica Sofia Manzano, candidata do Partido Comunista Brasileiro (PCB), seu programa de governo "prevê a expansão dos concursos públicos para que" a área da saúde seja reequipada "com profissionais concursados, com salários decentes, com plano de carreira". Ainda na entrevista, na última semana, disse ter um programa de estatização "dos setores que são importantes para a própria população, como o setor de saúde".

A cientista social Vera Lúcia, presidenciável do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), disse que uma primeira medida sua para área da saúde em um eventual governo "é a revogação do teto de gastos". "A outra é garantir que todos os recursos sejam destinados também para o SUS. Ao mesmo tempo, vamos anexar aos SUS todos os hospitais, grande clínicas, laboratórios, [bem como] investir na indústria de medicamentos e laboratórios que foram fechados, para que o SUS não precise concorrer com a iniciativa privada. Todas as pessoas deste país, seja aquele que varre a rua, até aquele que administra uma grande empresa, vai ser tratado no mesmo lugar".

Na 5ª feira (25.ago), pelo Twitter, Vera Lúcia voltou a falar de saúde. "A pandemia demonstrou a importância do SUS. Não temos dúvida que sem ele, o número de mortes seria muito maior. Infelizmente, o que assistimos em todos os governos foi o avanço do sucateamento do SUS. É preciso fortalecê-lo! A pandemia também mostrou como a saúde, um direito básico, se transformou em mercadoria. Para os ricos não faltaram leitos de UTI e remédios. Para os pobres, a barbárie da falta de leitos, oxigênio e anestésicos", escreveu. O coach Pablo Marçal, presidenciável do Pros, foi outro que abordou o tema pela rede social neste início da campanha. "Cada valor desviado do dinheiro público representa um medicamento do Sistema Único de Saúde, uma moradia a menos. São coisas que esses politiqueiros não levam em consideração. Eu vou mostrar para o povo que o dinheiro público tem dono. Esse dono é o próprio povo", escreveu em 24 de agosto.

A senadora e candidata a presidente pelo União Brasil, Soraya Thronicke (MS), no úlimo dia 22, disse ter cumprido seu dever na Comissão Parlamentar da Pandemia (CPI), no ano passado: "A CPI da Covid-19 não foi um circo, como disse Jair Bolsonaro, no Jornal Nacional. Fiz parte do grupo de parlamentares que investigou ações do governo federal e dos estados na pandemia. Apuramos a verdade dos fatos, a negligência e o negacionismo. Cumpri meu dever". Depois, em 24 de agosto, apresentou quatro propostas para "tirar a saúde do Brasil do atoleiro", em vídeo publicado no Twitter. São elas: implantar cadastro nacional online de todos os pacientes; melhorar a fiscalização do uso dos recursos destinados à saúde; ampliar o atendimento por meio de parcerias com hospitais militares; criar programa eficaz de saúde mental.

A doutora em ciência política Mayra Goulart ressalta que "o campo da saúde pública é aquele em que as desigualdades econômicas ganham contornos mais cruéis". Isso porque, acrescenta, se não houver Estado forte e capaz de fazer investimentos altos, tendo em vista que remédio, hospital, internação e exame, por exemplo, são muito custosos, as desigualdades econômicas diminuem o tempo de vida ou causam "muito sofrimento" às pessoas sem "dinheiro para arcar com esses custos da saúde". "Você cria duas categorias de cidadão: aqueles que conseguem arcar com esses custos e os que não conseguem. E os que não conseguem tem a sua própria dignidade humana e o seu tempo de vida precarizados".

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