Queda de 5,1% no PIB da Argentina reflete ajuste fiscal, mas deve impactar popularidade de Milei, diz especialista
País vizinho está em recessão técnica; maior queda da produção ficou para o setor de Construção (-19,7 %)
O Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina recuou 5,1% no 1º trimestre em relação ao mesmo período de 2023, segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec). Os dados dos primeiros três meses da gestão Javier Milei marcam a entrada do país vizinho a recessão técnica.
Quando o PIB diminui significa que a soma de valores dos bens e serviços produzidos e estocados segue o mesmo movimento, cai. Nesse caso, significa dizer que a produção diminuiu, a moeda perdeu valor, compra-se menos com o mesmo dinheiro, as contratações caem, o desemprego aumenta etc.; por consequência, consumo e produção se respaldam.
Dessa maneira, a recessão técnica é uma situação caracterizada por sequências de redução do que é produzido no país. Isso significa que a Argentina teve uma queda no valor de seus bens e serviços de, ao menos, 6 meses seguidos: caiu 0,7 % no 3º tri. de 2023, -1,2 % no 4º e agora –5,1 %.
Com base no documento divulgado pelo Indec, os setores de Construção (-19,7 %), Indústria manufatureira (-13,7%), Intermediações financeiras (-13,0%) e Agricultura (10,2%) foram os que mais apresentaram declínio no produzido. Em resumo prático, significa dizer que país produziu menos (atrelado, vendeu menos) dentre estes setores.
Um reflexo direto da política de controle fiscal e cortes de gastos de Milei que tenta zerar o déficit público para atrair investidores internacionais e equilibrar o câmbio. “Porque, em realidade, esse corte de gastos, essa política de austeridade, trouxe consigo uma diminuição da atividade econômica e do consumo. E, por consequência, isso também vai derrubar o PIB”, explica Priscila Caneparo, doutora em Direito Internacional. “Se sabia que poderia ter esse risco, mas não se esperava uma queda tão bruta e abrupta”, ponderou.
Sem reforço nos subsídios (repasses da União aos setores), novas obras públicas, financiamento às províncias (repasses a “estados”), enxugamento da máquina pública (demissões), regularização dos preços (controle) e com metade do país na pobreza, o consumo caiu. Freando a inflação mensal por um lado (25,5% em dezembro para 4,2% em maio) mas desacelerando a produção por outro.
“A gente está prospectando que é muito incerta a recuperação desse PIB nos próximos meses [...] dentro desta perspectiva há um processo de saneamento fiscal para que a própria atividade econômica, segundo os economistas, principalmente dentro dessa conjuntura de governo Milei, ter um nível sustentável de crescimento, ou seja que a atividade econômica não seja artificialmente inflada. Claro, isso a gente só vai ver nos próximos meses. O que a gente tem agora, de fato, é que as políticas refletiram em uma queda do PIB”, avaliou Caneparo.
A desvalorização do peso (moeda argentina), por outro lado, pode ter ajudado o índice - tornando as exportações mais atrativas aos produtores (uma vez que o comprador internacional “ganha mais”). O que explicaria a alta de 26,1% frente ao mesmo período do ano anterior.
Conforme analisa a doutora, trata-se de um resultado arriscado ao recém-eleito. Se a economia argentina não retomar o crescimento e os índices econômicos não melhorarem, “ele vai perder e muito a sua popularidade”, inclusive entre aliados. “Ninguém quer estar ligado a uma pessoa que fez um pacote tão impopular frente ao contexto mundial e não repercutiu da forma como foi anunciado”, avaliou.
“A gente já está vendo muitas manifestações contrárias às políticas de austeridade, justamente, por que não se esperava que tivesse uma queda tão bruta e abrupta do PIB e, também, cortes em setores básicos ligados a população como saúde e educação, não foram bem-recebido pelos argentinos”, exemplificou Priscila Caneparo.