CNA e Fiesp criticam tarifas de Trump e defendem diálogo focado em relações diplomáticas e comerciais
CNA chama a medida de injustificada e unilateral; Fiesp afirma que soberania nacional é inegociável, apesar do impacto nas exportações

Vicklin Moraes
Mais entidades do setor produtivo brasileiro criticaram nesta quinta-feira (10) a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de tarifar em 50% a importação de produtos brasileiros.
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A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) divulgou uma nota classificando a medida como unilateral e injustificável diante do histórico de relações comerciais entre os dois países.
"Brasil e Estados Unidos, em 200 anos de relações, sempre estiveram do mesmo lado. Não há razão para que essa situação se modifique”, afirmou a CNA. “Questões comerciais devem ser resolvidas por meio do diálogo, sem condições prévias, em benefício comum. A economia não pode ser prejudicada por disputas de natureza política."
A entidade também pediu que os canais diplomáticos sejam acionados com urgência para conter os efeitos da decisão americana.
Já o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, também se manifestou por meio de nota e destacou que, embora a tarifa traga impactos negativos para a indústria brasileira, a soberania do país é inegociável.
“Apesar do impacto negativo causado pela elevação unilateral das tarifas pelos EUA, entendemos que a soberania nacional é um princípio inegociável”, declarou o presidente da Fiesp.
Confira nota na íntegra da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) acompanha com atenção a decisão do Governo dos Estados Unidos de impor tarifas adicionais de 50% sobre todas as suas importações de produtos brasileiros. Esta medida unilateral não se justifica pelo histórico das relações comerciais entre os dois países, que sempre se desenvolveram em clima de cooperação e de equilíbrio, em estrita conformidade com os melhores princípios do livre comércio internacional.
Medidas desta natureza prejudicam as economias dos dois países, causando danos a empresas e consumidores. Qualquer análise das relações entre os Estados Unidos e o Brasil, seja no campo no comércio ou dos investimentos, terá sempre que concluir que essas relações sempre serviram aos interesses dos dois países, não havendo nelas qualquer desequilíbrio injusto ou indesejável.
Os Estados Unidos e o Brasil em 200 anos de relações sempre estiveram do mesmo lado e não há qualquer razão para que essa situação se modifique. Os produtores rurais brasileiros consideram que essas questões só podem ser resolvidas em benefício comum por meio do diálogo incessante e sem condições entre os governos e seus setores privados. A economia e o comércio não podem ser injustamente afetados por questões de natureza política.
Nossa esperança é que os canais diplomáticos sejam intensamente acionados para que a razão e o pragmatismo se imponham para benefício de todos, pois este é o único caminho que serve ao entendimento e à prosperidade.
Confira nota na íntegra da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
O Brasil, assim como os Estados Unidos, é uma nação soberana em que prevalece o estado democrático de direito assentado sobre um sistema de tripartição de poderes independentes (o Executivo, o Legislativo e o Judiciário) e, vale enfatizar, muito inspirado nos princípios instituídos pelos Founding Fathers da América.
Pode parecer desnecessária essa afirmação, mas, quando razões não econômicas são usadas para justificar a quebra de todo o regramento comercial e do direito internacional, é importante reafirmar esses princípios.
Apesar do impacto negativo para a indústria brasileira da elevação de tarifas unilateralmente pelos EUA, entendemos que a soberania nacional é inegociável. Este é um princípio balizador.
Negociar com serenidade, a partir de fatos e estatísticas verdadeiras, é de interesse comum às empresas brasileiras e americanas, que sempre foram bem-vindas ao Brasil. A livre atuação das empresas americanas, como de qualquer empresa nacional ou de outro país, deverá ser assegurada nos termos da legislação brasileira.
É importante lembrar que os EUA têm relevante superávit com o Brasil não só na balança comercial, mas, ainda maior, também na balança de serviços. Desconhecer mais de 200 anos de excelentes relações internacionais e comerciais não atende a nenhum dos dois países.
São muitas as oportunidades de mais e maiores negócios entre Brasil e EUA em benefício de nossas populações. Da exploração de terras raras ao desenvolvimento de padrões mundiais para os biocombustíveis, inclusive o SAF; do desenvolvimento de medicamentos à integração energética (como etanol e gás natural); dos investimentos conjuntos para a digitalização da economia ao uso da abundante geração de energia elétrica de fontes renováveis e baratas para o processamento de dados de ambos os países são apenas algumas das oportunidades em que empresas e governos deveriam focar.
Esperamos que a diplomacia e as negociações equilibradas prevaleçam, a despeito de ideologias e preferências pessoais, e que o bom senso volte a nortear a relação entre essas duas grandes nações soberanas.
Por que Trump taxou Brasil em 50%?
Em carta enviada ao presidente Lula, o presidente norte-americano alegou que a medida visa "corrigir as graves injustiças do sistema" comercial atual.
"Concluímos que precisamos nos afastar da longa e muito injusta relação comercial gerada pelas tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil. Nosso relacionamento, infelizmente, tem estado longe de ser recíproco", declarou Trump no documento.
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Trump alertou que, caso Lula decida retaliar e impor tarifas aos produtos dos EUA, o mesmo percentual será acrescido aos 50% já estabelecidos por Washington.
"Se por qualquer razão o senhor decidir aumentar suas tarifas, qualquer que seja o valor escolhido, ele será adicionado aos 50% que cobraremos", destacou Trump.
Relação com Bolsonaro
Na carta enviada a Lula, Trump também voltou a defender Jair Bolsonaro (PL), alegando que o ex-presidente é vítima de uma "caça às bruxas".
"A forma como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional", condenou Trump, logo no início do documento.
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O presidente dos EUA alegou que a decisão por taxar o Brasil foi "em parte" influenciada pelo que Trump classificou como "ataques insidiosos do Brasil contra eleições livres e à violação fundamental da liberdade de expressão dos americanos". Citou como exemplo decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo Trump, o STF emitiu "centenas de ordens de censura secretas e ilegais" contra plataformas de mídias sociais dos EUA, ameaçando-as com multas milionárias e até com a expulsão do mercado brasileiro.
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A declaração de Trump acontece na mesma semana em que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, voltou a ser intimado pela Justiça da Flórida (EUA) no âmbito do processo movido pelas empresas Trump Media, que pertencem ao chefe de Estado norte-americano, e pela plataforma Rumble.
A ação acusa Moraes de supostas violações à soberania americana ao ordenar que as plataformas removessem conteúdos e contas de influenciadores brasileiros de direita de suas redes.
Veja a carta na íntegra nesta reportagem.
Resposta de Lula
Em nota publicada na rede social X (ex-Twitter), Lula disse que qualquer aumento unilateral de tarifas será respondido com reciprocidade conforme previsto na legislação brasileira.
"Qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica. A soberania, o respeito e a defesa intransigente dos interesses do povo brasileiro são os valores que orientam a nossa relação com o mundo", afirmou.
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Lula rebateu ainda a justificativa econômica apresentada por Trump, dizendo que é falsa a informação sobre um déficit comercial dos EUA com o Brasil.
Segundo ele, dados do próprio governo norte-americano mostram um superávit de US$ 410 bilhões em favor dos Estados Unidos nos últimos 15 anos.
O presidente também declarou que o Brasil não aceitará qualquer tipo de ameaça ou tentativa de tutela.
"O Brasil é um país soberano, com instituições independentes, e não aceitará ser tutelado por ninguém", afirmou.
Segundo Lula, o processo contra os responsáveis pela tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022 cabe exclusivamente à Justiça brasileira, "sem qualquer ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais".
O presidente brasileiro publicou a declaração após realizar uma reunião de emergência com integrantes do governo para discutir a taxação norte-americana. Participaram do encontro o vice-presidente, Geraldo Alckmin, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Reação do mercado
O dólar à vista subia mais de 2% ante o real nas primeiras negociações desta quinta, conforme os investidores demonstravam aversão à moeda brasileira depois que o presidente Trump anunciou a tarifa de 50% sobre exportações do Brasil.
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O Banco Central (BC) fará nesta sessão um leilão de até 35.000 contratos de swap cambial tradicional para fins de rolagem do vencimento de 1º de agosto de 2025.
Ações de empresas e bancos brasileiros listados nos Estados Unidos registraram queda nas negociações pré-abertura de hoje.
Indicadores de volatilidade cambial estavam em suas máximas desde o pânico do "Dia da Libertação", em abril, depois que o contrato de dólar futuro de primeiro vencimento saltou mais de 2% ante o real na quarta em reação ao que o Deutsche Bank descreveu como uma escalada das tensões.