Mercado de carbono: empresários criticam decreto do governo
Projeto apresentado como solução para o que vinha se arrastando no Congresso seria tão ruim quanto projetos de lei

Pablo Valler
O Brasil "tem na transição para a economia de baixo carbono uma seara de grandes oportunidades de aumento de produtividade, geração de empregos e renda", diz um comunicado do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds). Porém, o mesmo documento também traz outra opinião sobre o decreto do governo federal, apresentado em 18 de maio, que institui um mercado de carbono: "Precisa ser aperfeiçoado tanto nas propostas como para um direcionamento de um projeto de lei do Executivo federal".
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O Cebds é uma organização de incentivo à sustentabilidade, formada por mais de 80 empresários brasileiros que representam mais de 40% do PIB nacional. Entre as empresas estão Nestlé, Bayer, Suzano, Amaggi e Cargill. A maioria delas investidoras em programas de preservação, restauração florestal ou regeneração de solos. Essas companhias já transitam pelo mercado de carbono voluntário, que é quando não há regulação de preços, por exemplo. Quem consegue comprovar que captura mais gases de efeito estufa do que emite, vende títulos a quem não consegue e, assim, pode equilibrar seu saldo sustentável.
O Brasil tem potencial para movimentar quase US$ 100 bilhões até 2030, de acordo com esudo da ICC Brasil, uma filial da International Chamber os Commerce. De olho nesse valor o governo federal instituiu o mercado de carbono oficial, com preços regulados, para acelerar o que o Congresso discute há mais de 10 anos, com três projetos de leis de deputados federais, todos também criticados tanto por empresários quanto por ambientalistas por não comtemplarem, justamente, o potencial do país. O governo federal decretou, então, como as negociações devem ocorrer, por meio de instituições financeiras.
Entretanto, esse projeto também tem problemas. O principal deles é não comtemplar o quanto o Brasil poderia ganhar com as florestas em pé, que seriam os principais ativos financeiros do país em um futuro próximo. O erro, considerado grave, já foi evidenciado pelo Observartório de Bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "Para que o mercado de carbono funcione, o Brasil precisa aprender a operar", alerta o pesquisador Daniel Vargas, que aponta outras situações ainda não entendidas pelo governo federal, uma delas considerada básica.
A emissão do metano, que é o gás emitido pelo gado, é calculada com base em fórmula europeia. "Só que o metano emitido na Europa tem peso diferente do metano emitido pela pecuária europeia. Diferente do fóssil, que foi tirado da Terra e solto na atmosfera, o metano da pecuária é o CO2 da atmosfera capturado pela fotossíntese da planta e depois ingerido pelo gado. É um gás de efeito estufa reciclado", explica Vargas. Quem tem a perder é o próprio produtor rural brasileiro, aquele que mais poderia ganhar em um mercado de carbono oficial.
Sobre a agropecuária, o Cebds lamenta não só as perdas para os produtores rurais, mas para o setor em si, que estaria deixando de "estimular a inovação no setor produtivo e financiar a transição para uma economia verde competitiva e inclusiva". Por fim, o grupo de empresários indica melhorias ao mercado de carbono oficial, antes que comece a ser operado:
- O texto contempla questões relevantes para os projetos de lei de mercado de carbono que tramitam no Congresso, como a definição de metas setoriais e a criação do Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare) como um registro centralizado de projetos de mitigação de emissões, créditos de carbono e das transações resultantes. O Sinare também aceitará, sem a necessidade de certificação dos créditos, o registro de pegadas de carbono, de carbono de vegetação nativa, de carbono no solo, do carbono azul e de unidade de estoque de carbono.
- Os registros contemplam atividades que são também objetos dos créditos de carbono, mas o decreto não especifica como tais registros participariam do sistema de comércio de emissões. O decreto institui o MBRE (Mercado Brasileiro de Redução de Emissões), já previsto na PNMC de 2009, como instrumento de cumprimento dos planos setoriais de mitigação por meio do comércio de créditos de carbono. No entanto, não estabelece um sistema "cap & trade", utilizado pelos países onde o mercado de carbono está mais consolidado, onde as metas definidas pelo regulador são cumpridas com licenças de emissão e não somente com créditos de carbono.
- O decreto tem muitas questões em aberto, inclusive prazos, e não deixa clara a participação mandatória dos setores econômicos que serão regulados pelo mercado ou se haverá consequências para o descumprimento das metas. São lacunas que implicam desafios e incertezas para a execução efetiva de um mercado regulado.
- A criação de um mercado de carbono regulado via decreto pode implicar insegurança jurídica, já que pode ser facilmente alterado por vontade unilateral do executivo federal, sem a necessidade de debate parlamentar e de consulta pública à sociedade. Um marco regulatório por decreto não possui a previsibilidade e estabilidade necessárias para incentivar os investimentos de longo prazo necessários ao processo de descarbonização e pode, inclusive, inibir as ações que já estão sendo feitas pelo setor produtivo. Mas uma lei específica garante que o mercado regulado de carbono seja uma política de Estado e não de governo, com maior resiliência e a legitimidade do processo democrático de aprovação no Legislativo.
- A proposta de regulação deveria incluir contemplar um ecossistema de mercados, incluindo um sistema de registro para o mercado voluntário e um "cap & trade" para o mercado regulado; implementação gradual; proteção à competitividade empresarial e à soberania nacional; previsibilidade e segurança jurídica; e boa governança, com eficácia no sistema de precificação de carbono e regras e procedimentos transparentes.