Pandemia afeta em mais de 20% produção de veículos novos
Especialistas explicam desafios do setor com a crise sanitária; carros usados são valorizados
O setor automotivo também foi afetado, em escala global, pela pandemia de covid. Devido a falta de peças, especificamente o chip semicondutor, as produções, vendas e exportações da indústria automobilística foram impactadas.
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Dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA), divulgados na última semana, confirmam a crise do setor: ao todo, 173,3 mil veículos foram produzidos no último mês, o que representa uma diminuição de 21,3% sobre as 220,2 mil unidades de setembro do ano passado.
"Nunca havíamos tido tanta dificuldade em enxergar o cenário em curto prazo na indústria automotiva. As incertezas para garantir a produção de veículos é grande com a crise de fornecimento global. Estamos presenciando uma procura por parte dos consumidores para compra de novos produtos, mas não temos unidades para atender à demanda", explicou Luiz Carlos Moraes, presidente da ANFAVEA.
O coordenador acadêmico de cursos automotivos da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), Antônio Jorge Martins, explica que o setor automotivo, antes mesmo da pandemia, já apresentava tendência para o processo de conectividade dos veículos, que foi intensificado pela competitividade entre as empresas, no intuito de ofertarem diversos itens tecnológicos em seus produtos. Diante da crise sanitária, esse processo foi acelerado e disparou o que o especialista chama de "transformação digital" no setor. "Na prática, essa maior conectividade está voltada para o fato dos carros se tornarem autônomos. A demanda mundial por semicondutores disparou mas os processos não ocorrem 'da noite para o dia'. A fabricação destes materiais são sob encomenda", explica Antônio Jorge.
O setor automotivo possui uma cadeia produtiva extensa, ou seja, que envolve diversos segmentos como eletrônicos, peças, plásticos, vidros, entre outros. Desta forma, o coordenador também alerta para o aumento significativo do custo de toda a logística envolvida e não só da escassez de determinadas peças.
Com a baixa produção de carros novos, as vendas também foram atingidas. Ainda segundo a ANFAVEA, no mês de setembro, 155,1 mil veículos foram licenciados, o que significa uma queda de 10,2% nas vendas sobre o mês de agosto, com 172,8 mil unidades. Segundo a associação, este foi o pior resultado do setor desde junho de 2020. Por outro lado, quando analisado o acumulado do ano, a comercialização cresceu 14,8%, com 1,577 milhão este ano e 1,374 milhão em 2020
Em decorrência deste cenário, houve valorização e aumento na procura por carros usados e seminovos nos últimos meses. De acordo com a Federação Nacional das Associações dos Revendedores de Veículos Automotores (Fenauto), baseado em dados do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), até o mês de setembro deste ano, 11.571.209 veículos seminovos e usados foram comercializados. Esse total representa 38,6% superior ao mesmo período de 2020.
Para o presidente da Fenauto, Ilídio dos Santos, a expectativa é de que, até o final deste ano, 16 milhões de transferências de veículos usados e seminovos sejam concluídas - incluindo carros, motocicletas e caminhões. Ilídio também ressalta que, apesar da valorização atual, no último ano, o setor também foi atingido pela pandemia: "As vendas cresceram a partir de março deste ano porque ano passado foi fraco. As lojas precisaram ser fechadas, vendas ficaram reprimidas, serviços do Detran estavam suspensos e tudo isso prejudicou", afirma o presidente. Além disso, Ilídio também destaca que, em meio à pandemia, muitas pessoas quiseram evitar a utilização de transporte público e carros de aplicativo, optando por investirem em carros mais baratos, como os usados e seminovos.
Índices da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) mostram uma alta de preços de 24,49% em 2021 e de 30,25% nos últimos 12 meses de carros usados e seminovos. O órgão valida que houve diminuição na oferta de veículos novos, devido a falta de matérias-primas enfrentada pela indústria automobilística e, consequentemente, houve aumento na procura pelos usados e elevou os seus preços. O coordenador do IPC da Fipe, Guilherme Moreira, também afirma que houve pressão da alta das commodities, como o aço, e o aumento do dólar que acabaram encarecendo os insumos da indústria automotiva e refletindo para o consumidor final.
Ricardo Cervilha conseguiu vender dois carros usados durante a pandemia. Há três meses, ele negociou um Celta, ano 2009, por 2.500 reais acima do valor estimado na tabela Fipe. "Houve muita procura oferecendo contra-proposta. Sem pressa, em uma semana peguei o valor que eu queria", afirma Ricardo. Já a segunda venda ocorreu há apenas uma semana. O veículo Honda Civic, ano 2006, foi vendido por 4 mil reais acima do valor da tabela e em apenas dois dias, também por meio de anúncios na internet.
Antônio Jorge acredita que o setor automotivo apresentará uma melhora no final de 2022 ou início de 2023, voltando a normalizar o fornecimento de produtos. "As empresas ainda devem apresentar algumas paradas pontuais, com bastante oscilações no próximo ano e os preços tendem a se manterem elevados", afirma o professor. Além disso, Antônio também chama atenção para o poder de compra dos brasileiros: "Os preços tendem a aumentar mas tudo depende também da capacidade de consumo e capacidade salarial das pessoas, que não condiz com estes aumentos (dos veículos)".