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Economia

Delfim Netto diz que Justiça e Economia fizeram "jogo infantil" na crise do arroz

Em entrevista ao SBT News, o ex-ministro da Fazenda elogiou como a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, tem conduzido as discussões sobre o aumento de preços de produtos da cesta básica

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Delfim Netto diz que Justiça e Economia fizeram "jogo infantil" na crise do arroz
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O economista e ex-ministro da Fazenda Delfim Netto criticou nesta sexta-feira (11 set.), em entrevista ao SBT News, a desavença entre os ministérios da Justiça e Economia durante a crise no governo desencadeada pelo aumento do preço do arroz. Para Delfim, o episódio é "infantil". 


"Quando vi o Ministério da Justiça se envolver nisso, de mandar investigar o porquê de os preços subirem, é uma coisa surpreendente. E pior é a reação do Ministério da Economia, respondendo a um fato quase infantil da Justiça. Responde de maneira ainda mais infantil, fazendo uma longa defesa pró-liberalismo. O negócio, na verdade, me parece um jogo infantil", disse o ex-ministro. 

Na quarta-feira (9), o Ministério da Justiça notificou mercados e produtores sobre a escalada de preços do produto, pedindo a eles uma série de informações para buscar entender o que provocou o encarecimento do arroz. Essa medida irritou integrantes do Ministério da Economia, que reclamam que a medida iria contra a lei natural do mercado e levantaria temores sobre a volta do tabelamento de preços. 

Delfim, no entanto, elogiou a forma como a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, tem se comportado frente ao problema de subida dos preços do arroz. O ex-ministro disse que Tereza deu uma resposta inteligente para esclarecer ao público os motivos do encarecimento de um dos principais produtos da cesta básica. "Ela disse claramente que não tem arroz hoje porque o preço de ontem não era bom", afirmou o economista. 

Nessa esteira dessa declaração, o ex-ministro também aproveitou para elogiar a decisão do governo Bolsonaro de reduzir as taxas de importação de arroz para estimular a entrada de 400 mil toneladas desse produto. A ideia é que, com isso, os preços voltem a se estabilizar pelo aumento da oferta desse alimento no mercado interno. 

"Então por que dá certo importar? Eles estimam que faltam 400 mil toneladas de arroz. É claro que, se eu trouxer 400 mil toneladas aqui para dentro, eu reduzo a diferença entre oferta e procura. E, portanto, baixo os preços. São coisas muito simples. Você chega até a desconfiar dessa solução. Mas a solução dada é a solução correta", disse Delfim. 

Leia a íntegra da entrevista de Delfim Netto ao SBT News

Nesta semana, houve aumento de preços de alguns produtos da cesta básica, como o arroz. O presidente Jair Bolsonaro fez um apelo aos donos de supermercados para reduzir as margens de lucro. Esse apelo do presidente resolve? Por quê?

Na verdade, a gente até compreende que o presidente faça um apelo por patriotismo, para que as pessoas controlem os preços. Isso tudo, na verdade, é irrelevante. Que ele faça isso é até natural. Toda autoridade faria isso. Mas só teria sentido se houvesse provas de que há no setor um cartel.  Como nada disso é visível, como o Brasil está numa economia de mercado, essa medida, na minha opinião, é compreensível, do ponto de vista dos desejos do presidente. Mas é completamente irrelevante para o controle dos preços.

Do mesmo jeito que as coisas acontecem de uma maneira muito estranhas e até um pouco divertidas. Quando eu vi o Ministério da Justiça se envolver nisso, mandando investigar porque subiram os preços... Quer dizer, é uma coisa surpreendente. E pior é a reação do Ministério da Economia, respondendo a um fato quase infantil da Justiça. Responde de maneira ainda mais infantil, fazendo uma longa defesa pró-liberalismo. O negócio, na verdade, me parece um jogo infantil. 

O governo Bolsonaro também agiu em relação às taxas de importação para tentar controlar o preço do arroz. Como o senhor avalia essa medida? E, só para que as pessoas de casa possam entender: por que essa medida pode interferir no preço do arroz?

É muito simples. Por que é que subiu o preço do arroz em 2020? Porque a área plantada de arroz em 2019 diminuiu. Por que é que diminuiu a área em 2019? Porque o preço do arroz tinha subido menos do que o preço da soja. O agricultor, procurando através do sistema de preços maximizar a renda acaba produzindo um projeto do que ele deve fazer.  Então ele deixa o arroz e vai para um outro produto substituto. 

Se você tentar controlar o preço, hoje, a escassez vai continuar. O grande problema é saber o seguinte: o preço do arroz de hoje foi determinado pelo preço do arroz do ano passado. E o preço do arroz do ano que vem vai ser determinado pela área plantada neste ano. Se você fizer uma intervenção, você reduz a área plantada. No ano que vem você pode fazer o que quiser: arrancar os cabelos, colocar a polícia na rua, caçar arrozeiro no campo... Não vai acontecer nada. Os preços vão subir outra vez. Esses mecanismos são inerentes à economia de mercado. 

O que significa controlar os mercados? Significa dar para os mercados a garantia jurídica para que eles funcionem normalmente. Cada vez que você faz uma confusão como essa, com Ministério da Justiça de um lado, Ministério da Economia do outro, você só está causando confusão. A única que deu uma resposta inteligente e correta foi a ministra da Agricultura, que disse claramente isso: não tem arroz hoje porque o preço de ontem não foi bom. 

Então, por que dá certo importar? Eles estimaram que faltam 400 mil toneladas de arroz. Tem uma tarifa alfandegária de 12%. É claro que, se eu trouxer as 400 mil toneladas aqui para dentro, eu reduzo a diferença entre oferta e procura. E, portanto, eu baixo os preços. São coisas muito simples. Você desconfia até da solução. Mas a solução dada é a solução correta. Como você teve uma deficiência na produção, importar as 400 mil toneladas significa repor a produção no nível que seria se a produção tivesse sido correta no ano passado. 

O que digo é o seguinte: essas intervenções têm que ser tópicas, como está sendo feito. Isso não é fazer uma intervenção permanente. É fazer uma intervenção tópica para enfrentar um problema crítico. E é perfeitamente razoável. É para isso, aliás que existe governo. Mas o governo tem que ter a ideia de que ele não é Deus. 

Quando o sr. foi ministro durante a ditadura, o economista Salomão Quadros contou em um livro que o sr. tinha "truques" para controlar a inflação. Ele diz que o governo daquela época abastecia a cidade do Rio com caminhões cheios de algum alimento afetar no seu preço. Um dos exemplos citados por ele é o tomate. Isso, de fato, aconteceu?

Naquela época, você media a inflação em São Paulo e no Rio. Se você pegar os índices de preços da Fipe e da FGV, você vê que eles são muito parecidos. Isso era realmente era uma resposta à política. Nós tínhamos, naquele momento, representantes em Curitiba, em Belo Horizonte, que nos informavam de madrugada, às 3h, de que não ia ter tomate. Você providenciava caminhos para o tomate chegar até essas cidades. Mas isso é pura administração. Isso é não é invenção. Isso não é truque. O que ele escreveu no livro é verdade. De vez em quando as pessoas ficam imaginando: "Não era possível que isso acontecesse". Claro que era possível, se eu levantasse às 3 da manhã. 

Muita gente diz que esse tipo de medida é questionável porque dizem que manipula preço. O sr. concorda? O sr. aconselharia essa medida a Paulo Guedes?

Eram outros tempos. Essa ideia de que você manipulou os preços é uma estupidez; você manipulou a oferta. Ninguém nunca pediu para a FGV mudar o índice, por exemplo. Quem diz isso é um bando de idiotas. Quando acabou o regime autoritário, já no governo de José Sarney, os preços começaram a subir mais depressa. Eles diziam: "Não, isso é uma inflação que foi feita lá antes e agora foi difundida". 

Era muito simples. Quando faltava produto, nunca teve controle, ou censura na área econômica. Tudo isso, no fundo, são justificativas para quem não tem a capacidade de administrar. O problema todo é o seguinte: falta governo. Governo que fala muito, que tem muita ideia, que não realiza nenhuma delas. É igual aos PAC?s da Dilma: é PAC 1, PAC 2, PAC 3... E deixa 14 mil obras inacabadas. 

Como o sr. avalia a gestão de Paulo Guedes até agora, em especial nesse momento da pandemia e em que o preço de uma série de alimentos vêm subindo?

A política do Paulo Guedes, para o enfrentamento da crise do coronavírus, na minha opinião, foi muito bem sucedida. Com a PEC de Guerra, ele e o Banco Central se comportaram muito bem. Ele, na verdade, não fez nenhuma restrição fiscal. Vamos ter um déficit 13% do PIB. O Banco Central continuou a linha que tinha sido iniciado no governo Temer e entregou taxa de juros de 1%, que foi a coisa mais preciosa nesse processo. E que foi continuada pelo Roberto Campos Neto (atual presidente do Banco Central). Por que digo isso? Porque o maior indicador das perspectivas fiscais é a relação dívida/PIB. Hoje, praticamente, a dívida é igual ao PIB. 

Significa o seguinte: se o juro cresceu 1%, a dívida cresce 1%. Se o PIB crescer mais que 1%, a relação dívida/PIB começa a declinar. E cria as expectativas, reforça as expectativas de que a situação vai caminhar para o equilíbrio. A política fiscal e a política monetária do Guedes, acompanhada por Roberto Campos Neto, foi uma política muito bem sucedida. No início, quando teve o fenômeno dramático de março, o que a teoria econômica mostra é que isso produziu uma profunda recessão, com efeitos altamente deflacionários. Foi o que nós vimos. Só que uma coisa muito importante: era muito difícil prever o quanto você iria cair. Eu mesmo chutando, acreditei que não seria nada menos do que 9% a queda no PIB. Nós vamos terminar com uma queda no PIB de uns 4,5%. Esse ganho de crescimento seguramente foi produto da política fiscal e da política monetária do governo Bolsonaro.  

O PIB do Brasil já vinha caindo há um tempo, mas a situação se agravou com a pandemia. Da forma como está, com as políticas econômicas adotadas pelo governo, quanto tempo o sr. acha que o Brasil leva para sair dessa situação?

É preciso voltar a respeitar as condições. Já tinham começado isso no governo Temer. Você vai ter que respeitar o teto de gastos, vai ter que cortar despesas. Você vai ter que abrir espaço para investimento público no orçamento. Quem governa o Brasil de hoje não é Bolsonaro. Quem governa o Brasil de hoje são os constituintes de 86. Eles é que fixaram todas as despesas, de como tinha que ser. Ou seja: quando eu olho para o orçamento de hoje me dá uma enorme pena. Nós, de 86, nos transformamos em onipotentes e onipresentes. E decidimos o seguinte: o Brasil nunca mais vai ser um governo inteligente. Nós temos que fixar tudo aquilo que o presidente for fazer nos próximos 150 anos. O Brasil é inadministrável. 

Tanto é verdade que a reforma administrativa que está sendo agora discutida é a coisa mais importante para se voltar ao equilíbrio. Não tem outra saída. É encontrar mecanismos que respeitem o teto e deem ao Executivo os gatilhos. É preciso cortar aumento de salário, cortar vantagens indevidas, terminar com todos os penduricalhos que se instalaram. É preciso reduzir o poder dessa casta não eleita no Brasil. 
 
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