Crime
Ninho do Urubu: "É vazio. Vivo à espera do meu filho", desabafa mãe de Rykelmo
Dois anos após o incêndio, Rosana espera que a tragédia sirva de alerta para outras famílias. Pai já fechou acordo com o Flamengo e afirma "viver no automático"
Andrezza Pugliesi
• Atualizado em
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O dia 8 de fevereiro de 2019 nunca sairá da memória de muitos brasileiros. Antes mesmo do sol raiar, um incêndio destruiu o Centro de Treinamento Jorge Helal, conhecido como Ninho do Urubu, em Vargem Grande, zona oeste do Rio de Janeiro.
No local dormiam os atletas da base do Flamengo, um dos maiores clubes do Brasil. Jovens cheios de sonhos e anseios. Rykelmo de Souza Viana foi uma das 10 vítimas da tragédia. Aos 15 anos, o ex-volante almejava proporcionar uma vida melhor à mãe, Rosana de Souza, com quem morava em Limeira, município em São Paulo.
Em entrevista ao SBT, a desempregada conta como tem lidado com a dor da saudade após perder o "chão".
"É uma falta danada, você fica no ar. Vivo à espera do meu filho, na saudade, na tristeza. Parece que foi arrancado um pedaço do útero. É vazio. Essa é minha vida. Tenho uma menina cadeirante e o sonho do Rykelmo era me dar condições, uma casa, para poder cuidar dela", confessa, aos prantos.
Os dias também não são facéis para o pai do garoto, José Lopes Viana, responsável por incentivar Rykelmo desde pequeno a "correr atrás da bola". O nome do jovem foi inspirado no meia argentino Riquelme, já que o corretor de imóveis e cabeleireiro é um admirador do jogador.
"É difícil. Vivo no automático, não tenho prazer para fazer mais nada. Só Deus para ter misericórdia. Aos 6 anos, o coloquei na escolinha de futebol e sempre o acompanhava", lamenta. José soube do desastre pelo filho mais velho e deixou o interior paulista "correndo para o Rio sem saber de nada".
Segundo investigação, o clube sabia dos riscos ao manter os jogadores no CT. A possibilidade de um desastre foi informada por técnicos em eletricidade contratados pelo Flamengo em maio de 2018.
Apesar das condições precárias, de acordo com Rosana, o jovem não se queixava das instalações do dormitório.
"Nunca reclamou, vivia contente. O Flamengo era o sonho de qualquer garoto. Justo no ano [2019], Rykelmo estava em uma felicidade tremenda. Tinha, inclusive, proposta de trabalho", recorda.
Busca pela Justiça
Após o incêndio, as famílias dos jovens e o clube passaram a negociar valores para uma indenização.
Os pais do ex-atleta são separados e ambos buscaram as autoridades para uma equiparação. Do lado paterno, um acerto já foi firmado, mas José afirma "não poder falar sobre". Do materno, no entanto, a luta perdura até hoje.
"O Flamengo não me deu assistência. O pai foi lá e fechou antes. Tive que entrar com processo e já houve acordo com a maioria das famílias", explica a mãe.
Em dezembro do ano passado, uma decisão judicial deu parecer favorável ao pedido da agremiação e reduziu a pensão mensal das famílias de R$ 10 mil para cinco salários mínimos, equivalente a R$ 5.225. O pagamento, porém, só é realizado àquelas que ainda não possuem acordo, como Rosana.
À reportagem, a mulher afirma ter deixado o emprego por não ter mais condições físicas ou emocionais para trabalhar na Santa Casa de Limeira. "Essa quantia ajuda a suprir um pouco das necessidades", assegura.
Em janeiro, o Ministério Público do estado denunciou à Justiça 11 pessoas pelo incêndio. Entre os citados, o ex-presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello, quatro representantes da empresa fornecedora dos contêineres onde os jovens dormiam de forma ilegal, além de funcionários e prestadores de serviço do clube carioca.
Se a denúncia for aceita, os réus responderão por incêndio culposo qualificado, quando não há a intenção de matar. As penas podem variar de 1 ano e 4 meses a 6 anos de reclusão.
Ao SBT, Rosana diz confiar na lei, já que não foi um "caso qualquer". José afirma que "eles [os envolvidos] são réus" e espera Justiça.
"Tem sim um culpado, mas quero deixar isso para a Justiça resolver. Se a justiça na terra não fizer, a justiça do meu pai celeste fará. Se as providências tivessem sido tomadas, não teria acontecido", expõe a mãe.
Fé em dias melhores
Rosana sente a falta de Rykelmo todos os dias, mas tem a esperança de que a catástrofe ajude os pais a "prestarem mais atenção" nos filhos e nos clubes.
"Serviu muito de alerta para os times cuidarem melhor, além dos familiares se interessarem mais. No Flamengo, não podíamos entrar ou ver os dormitórios. Confiávamos que os meninos seriam bem-tratados. Espero que a lei mude e os pais possam entrar nos quartos", alega.
Procurado pela reportagem, o Flamengo afirmou que "lamenta imensamente a tragédia que aconteceu no Ninho" e que "prontamente, fez tudo o que estava ao seu alcance para atender às famílias". Sobre as declarações do pai do ex-jogador, o clube preferiu não se manifestar.
Rodrigo Villaça Dunshee de Abranches, Vice-Presidente Geral e Jurídico, disse que foram realizados "oito acordos e meio", representando 85% das famílias atingidas". "Se fosse um acordo ruim, ninguém aceitaria", defende.
Sobre a mãe de Rykelmo, o representante considerou que o valor pedido por Rosana "está muito fora da realidade", tornando "difícil caminhar em um acordo quando a pessoa pede um valor totalmente fora do que está sendo negociado". De acordo com Abranches, a mulher "deve refletir um pouco e tentar entender que se 85% das pessoas aceitaram o valor, esse valor tem fundamento" e que o clube "não está inventando nada".
"O Flamengo não vai revidar nada do que ela falou porque a gente sabe que ela está sofrendo. Então, [o clube] respeita a dona Rosana e aguarda que ela futuramente reflita um pouco e venha conversar com a gente", justifica.
No local dormiam os atletas da base do Flamengo, um dos maiores clubes do Brasil. Jovens cheios de sonhos e anseios. Rykelmo de Souza Viana foi uma das 10 vítimas da tragédia. Aos 15 anos, o ex-volante almejava proporcionar uma vida melhor à mãe, Rosana de Souza, com quem morava em Limeira, município em São Paulo.
Em entrevista ao SBT, a desempregada conta como tem lidado com a dor da saudade após perder o "chão".
"É uma falta danada, você fica no ar. Vivo à espera do meu filho, na saudade, na tristeza. Parece que foi arrancado um pedaço do útero. É vazio. Essa é minha vida. Tenho uma menina cadeirante e o sonho do Rykelmo era me dar condições, uma casa, para poder cuidar dela", confessa, aos prantos.
Os dias também não são facéis para o pai do garoto, José Lopes Viana, responsável por incentivar Rykelmo desde pequeno a "correr atrás da bola". O nome do jovem foi inspirado no meia argentino Riquelme, já que o corretor de imóveis e cabeleireiro é um admirador do jogador.
"É difícil. Vivo no automático, não tenho prazer para fazer mais nada. Só Deus para ter misericórdia. Aos 6 anos, o coloquei na escolinha de futebol e sempre o acompanhava", lamenta. José soube do desastre pelo filho mais velho e deixou o interior paulista "correndo para o Rio sem saber de nada".
Segundo investigação, o clube sabia dos riscos ao manter os jogadores no CT. A possibilidade de um desastre foi informada por técnicos em eletricidade contratados pelo Flamengo em maio de 2018.
Apesar das condições precárias, de acordo com Rosana, o jovem não se queixava das instalações do dormitório.
"Nunca reclamou, vivia contente. O Flamengo era o sonho de qualquer garoto. Justo no ano [2019], Rykelmo estava em uma felicidade tremenda. Tinha, inclusive, proposta de trabalho", recorda.
Busca pela Justiça
Após o incêndio, as famílias dos jovens e o clube passaram a negociar valores para uma indenização.
Os pais do ex-atleta são separados e ambos buscaram as autoridades para uma equiparação. Do lado paterno, um acerto já foi firmado, mas José afirma "não poder falar sobre". Do materno, no entanto, a luta perdura até hoje.
"O Flamengo não me deu assistência. O pai foi lá e fechou antes. Tive que entrar com processo e já houve acordo com a maioria das famílias", explica a mãe.
Em dezembro do ano passado, uma decisão judicial deu parecer favorável ao pedido da agremiação e reduziu a pensão mensal das famílias de R$ 10 mil para cinco salários mínimos, equivalente a R$ 5.225. O pagamento, porém, só é realizado àquelas que ainda não possuem acordo, como Rosana.
À reportagem, a mulher afirma ter deixado o emprego por não ter mais condições físicas ou emocionais para trabalhar na Santa Casa de Limeira. "Essa quantia ajuda a suprir um pouco das necessidades", assegura.
Em janeiro, o Ministério Público do estado denunciou à Justiça 11 pessoas pelo incêndio. Entre os citados, o ex-presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello, quatro representantes da empresa fornecedora dos contêineres onde os jovens dormiam de forma ilegal, além de funcionários e prestadores de serviço do clube carioca.
Se a denúncia for aceita, os réus responderão por incêndio culposo qualificado, quando não há a intenção de matar. As penas podem variar de 1 ano e 4 meses a 6 anos de reclusão.
Ao SBT, Rosana diz confiar na lei, já que não foi um "caso qualquer". José afirma que "eles [os envolvidos] são réus" e espera Justiça.
"Tem sim um culpado, mas quero deixar isso para a Justiça resolver. Se a justiça na terra não fizer, a justiça do meu pai celeste fará. Se as providências tivessem sido tomadas, não teria acontecido", expõe a mãe.
Fé em dias melhores
Rosana sente a falta de Rykelmo todos os dias, mas tem a esperança de que a catástrofe ajude os pais a "prestarem mais atenção" nos filhos e nos clubes.
"Serviu muito de alerta para os times cuidarem melhor, além dos familiares se interessarem mais. No Flamengo, não podíamos entrar ou ver os dormitórios. Confiávamos que os meninos seriam bem-tratados. Espero que a lei mude e os pais possam entrar nos quartos", alega.
Procurado pela reportagem, o Flamengo afirmou que "lamenta imensamente a tragédia que aconteceu no Ninho" e que "prontamente, fez tudo o que estava ao seu alcance para atender às famílias". Sobre as declarações do pai do ex-jogador, o clube preferiu não se manifestar.
Rodrigo Villaça Dunshee de Abranches, Vice-Presidente Geral e Jurídico, disse que foram realizados "oito acordos e meio", representando 85% das famílias atingidas". "Se fosse um acordo ruim, ninguém aceitaria", defende.
Sobre a mãe de Rykelmo, o representante considerou que o valor pedido por Rosana "está muito fora da realidade", tornando "difícil caminhar em um acordo quando a pessoa pede um valor totalmente fora do que está sendo negociado". De acordo com Abranches, a mulher "deve refletir um pouco e tentar entender que se 85% das pessoas aceitaram o valor, esse valor tem fundamento" e que o clube "não está inventando nada".
"O Flamengo não vai revidar nada do que ela falou porque a gente sabe que ela está sofrendo. Então, [o clube] respeita a dona Rosana e aguarda que ela futuramente reflita um pouco e venha conversar com a gente", justifica.
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