Experiência da CPI da Pandemia indica embate sem fim na CPMI do 8 de janeiro
Instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid completa 2 anos; entenda conexão entre elas
A instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, uma das mais marcantes do Congresso Nacional nos últimos anos, em especial por apurar acontecimentos relacionados à crise sanitária que parou o mundo e, até o momento, deixou mais de 700 mil mortos no Brasil, completou exatos dois anos na última 5ª feira (27.abr). O colegiado trabalhou por quase seis meses em 2021, e a experiência indica que haverá um embate sem fim na CPMI do 8 de janeiro, criada na 4ª (26.abr). Como há dois anos, apoiadores e opositores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estarão na comissão que vai apurar os atos golpistas.
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CPI
A CPI da Pandemia, popularmente também conhecida como CPI da Covid, colheu mais de 50 depoimentos, quebrou 251 sigilos, analisou 9,4 terabytes de documentos e fez mais de 60 reuniões. Foi instalada em 27 de abril de 2021 para apurar, entre outras coisas, "as ações e omissões do Governo Federal no enfrentamento da pandemia da covid-19 no Brasil e, em especial, no agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para os pacientes internados". A leitura do requerimento para instalação, apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), foi feita pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em 13 de abril de 2021.
Entre os integrantes titulares da CPI, estiveram os senadores Omar Aziz (PSD-AM), como presidente; Randolfe, como vice; Renan Calheiros (MDB-AL), como relator; Eduardo Braga (MDB-AM); Luis Carlos Heinze (PP-RS); Eduardo Girão (Podemos-CE); Tasso Jereissati (PSDB-CE); Otto Alencar (PSD-BA); Marcos Rogério (DEM-RO); Jorginho Mello (PL-SC); e Humberto Costa (PT-PE). Heinze, Girão, Marcos Rogério e Jorginho eram parte da "tropa de choque" do governo no grupo e, portanto, costumavam divergir dos posicionamentos dos demais.
O relatório final do senador Renan Calheiros foi aprovado pela comissão, por 7 votos a 4, em 26 de outubro de 2021. Os quatro votos contrários foram dos então integrantes do PP, Podemos, DEM e PL. Antes da votação, Calheiros chegou a incluir o nome de Heinze nos pedidos de indiciamento, por ter divulgado notícias e dados falsos sobre o coronavírus; retirou após apelo do senador Alessandro Vieira e de Pacheco, que classificou a inclusão como "excesso" por parte da CPI.
Tropa de choque: novo round na CPMI do 8 de janeiro
Integrantes da antiga "tropa de choque" e opositores deverão se reencontrar na CPMI do 8 de janeiro. Girão -- que faz parte do bloco parlamentar Vanguarda junto aos parlamentares do PL --, Renan e Randolfe, por exemplo, muito provavelmente comporão a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Golpistas.
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Ela tem o objetivo de apurar os ataques às sedes dos Três Poderes ocorridos, em Brasília, em 8 de janeiro. O avanço do requerimento para instalação ocorreu após o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) divulgar imagens dos circuitos internos do Palácio do Planalto do dia da invasão. Nelas, é possível ver como os golpistas tiveram acesso ao prédio, além da inação de militares.
Bolsonaristas e opositores do ex-presidente já aquecem as turbinas para os futuros embates. O primeiro impasse foi em torno da instalação.
Até a semana passada, os governistas resistiam à criação da CPMI, alegando que a investigação seria uma forma de desgastar o Executivo. No entanto, vendo que a instalação seria inevitável, o governo recuou. No início da semana, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou que o andamento da Comissão não irá atrapalhar a tramitação de pautas prioritárias no Congresso e o discurso ganhou outro tom.
O Partido Liberal, do ex-presidente Jair Bolsonaro, cogita indicar o senador bolsonarista Magno Malta (PL-ES) e até Flávio Bolsonaro, filho do ex-chefe do Executivo federal, para compor a CPMI. Flávio foi suplente na CPI da Pandemia.
Jorge Seif (PL-SC) -- ex-secretário nacional de Pesca e Aquicultura do governo Jair Bolsonaro (PL) -- também é cogitado. Em relação aos deputados, o PL cogita indicar à CPMI como titulares Eduardo Bolsonaro (SP), Alexandre Ramagem (RJ) -- ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) -- e André Fernandes (CE), autor do requerimento para instalação da comissão.
Na última 4ª feira, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, afirmou que o Executivo escalará à CPMI "o mesmo time que ganha título".
"Time que ganha título, time que é campeão, não se mexe. É a base desse time, que já atuou anteriormente, que estará nessa comissão", ressaltou Randolfe, em possível referência à antiga CPI da Pandemia.
Legado
Em entrevista ao SBT News, também na 4ª, Randolfe disse que o "legado maior" da CPI da Covid é que ela "encerrou o morticínio" e trouxe mais vacinas para os brasileiros.
"O maior legado da CPI foi a vacina. Foi ter convertido, feito curvar a coluna do negacionismo à vacina", afirmou Randolfe.
Também de acordo com o senador, ainda há processos abertos com base no relatório final da comissão tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF) e em primeira instância. Para Randolfe, o momento mais memorável da CPI foi quando pessoas vítimas da covid-19 e familiares que perderam parentes para a doença foram ouvidos no colegiado. A audiência pública ocorreu em 18 de outubro de 2021.
Entre os participantes, esteve a enfermeira, de Manaus, Mayra Pires Lima. Um irmão e uma irmã dela morreram vítimas da covid. A irmã deixou quatro filhos, incluindo gêmeos - com 4 meses. Randolfe Rodrigues considera esse momento da CPI o mais emocionante também.
O relatório final de Renan Calheiros pede 80 indiciamentos, inclusive de Jair Bolsonaro e de três de seus filhos (Eduardo, Flávio e Carlos), além de ex-ministros, empresários, influenciadores bolsonaristas e duas empresas. O relatório lista mais de 20 crimes que teriam ocorrido durante o enfrentamento à pandemia da covid-19.
Bolsonaro é acusado de ter cometido nove tipos penais, entre eles: epidemia com resultado morte, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documento particular, emprego irregular de verbas públicas e prevaricação.
Além desses, segundo Calheiros, Bolsonaro também teria cometido crimes contra a humanidade nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos, violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo, além de crime de responsabilidade. Cópias do relatório foram entregues por senadores ao procurador-geral da República, Augusto Aras, aos ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, aos ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) e para a Procuradoria da República no Distrito Federal, em 2021.
No mês passado, o ministro Dias Toffoli, do STF, arquivou duas frentes de investigação contra o ex-presidente, abertas em decorrência do relatório final da CPI. O magistrado atendeu a pedido da Procuradoria-Geral da República; o órgão argumentou que não foi apontada a materialidade de nenhum crime praticado pelo político. Segundo Toffoli, se a PGR não viu qualquer ilícito, o pedido para arquivar deve ser aceito. Antes, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, determinou o arquivamento da investigação contra o então ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, pela suposta prática de prevaricação, envolvendo a compra da vacina Covaxin pelo Ministério da Saúde. O procedimento criminal havia sido solicitado pela CPI da Pandemia.
Relembre momentos
Henrique Mandetta, primeiro ministro da Saúde do governo Bolsonaro, foi a primeira testemunha a depor na Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia. Ao longo das oito horas de oitiva, em 4 de maio de 2021, responsabilizou Jair Bolsonaro pela má gestão da pandemia, mas evitou ataques diretos ao chefe do Executivo. À frente da pasta no início da crise sanitária, Mandetta afirmou ter dado orientações ao presidente, inclusive defendendo medidas restritivas, mas teria sido ignorado. Ele indicou que Bolsonaro receberia um assessoramento paralelo, inclusive com participação de seus filhos.
Questionado sobre o chamado kit covid defendido por Bolsonaro e composto por medicamentos sem eficácia comprovada ou com ineficácia comprovada contra a covid-19, Mandetta afirmou que a Presidência cogitou mudar a bula da cloroquina para incluir a prescrição contra a doença.
Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa, disse, em 11 de maio, que se arrependeu de ter participado de uma manifestação a favor do então presidente Jair Bolsonaro em 15 de março de 2020. Em depoimento à CPI, afirmou que, se tivesse "pensado cinco minutos, não teria feito". Falou também que discordava do comportamento do presidente da República em relação às medidas de enfrentamento à pandemia e confirmou reunião, no Palácio do Planalto, em que foi apresentada proposta de decreto para mudar a bula da cloroquina para incluir a prescrição para tratamento da covid-19.
Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação da Presidência da República, depôs em 12 de maio. Ele afirmou que o Governo Federal demorou dois meses para responder uma carta do laboratório Pfizer que cobrava agilidade do governo na definição da compra de vacinas. A sessão para ouvi-lo foi marcada por muita tensão. Após várias respostas consideradas contraditórias por membros da CPI, o relator pediu a prisão em flagrante do ex-secretário, mas o presidente da comissão não concordou. O tom da discussão subiu ainda mais quando o senador Flávio Bolsonaro foi até a sala da comissão e fez acusações contra o senador Renan Calheiros. O primeiro chamou o segundo de "vagabundo" e vice-versa.
Eduardo Pazuello, terceiro ministro da Saúde do governo Bolsonaro e quem estava no cargo quando a crise do oxigênio em Manaus ocorreu, passou mal durante o intervalo da sessão em que estava depondo, em 19 de maio. Ele voltou a depor no dia seguinte. O general evitou responsabilizar Bolsonaro pela crise sanitária do país. Em dois dias de oitiva, culpou governadores pelo colapso nos sistemas de saúde e assumiu que foi uma decisão própria não assinar o contrato com a Pfizer em 2020 para a aquisição de vacinas.
Luana Araújo, anunciada como secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid do Ministério da Saúde, mas que não chegou a ser nomeada pelo governo, afirmou em 2 de junho que discutir o uso do kit covid é o mesmo que debater sobre de qual "borda da Terra plana vamos pular". A médica classificou ainda o debate como "delirante, anacrônico e contraproducente".
Marcelo Queiroga, quarto ministro da Saúde de Bolsonaro, admitiu, em 8 de junho, não haver nenhum médico infectologista em sua equipe direta na pasta. Afirmou, contudo, que recebia "consultoria" de infectologistas. Foi sua segunda vez na cadeira de depoentes da CPI. Na primeira, após Renan Calheiros perguntar se Jair Bolsonaro teria pedido ao ministro para reduzir o número de entrevistas, senadores governistas iniciaram um bate-boca com o parlamentar alagoano e com o vice-presidente da comissão, o líder da oposição na Casa, Randolfe Rodrigues.
Os irmãos Luis Miranda, deputado federal, e Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, disseram, em 25 de junho, que informaram ao presidente Jair Bolsonaro sobre suspeitas de fraude presentes em um "pro forma invoice" (algo como uma proposta de fatura), para acertar a compra de 20 milhões de vacinas indianas Covaxin, contra a covid-19. Francisco Emerson Maximiano, presidente da empresa Precisa Medicamentos, disse em vídeo enviado à CPI que os irmãos mentiram.
Roberto Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, depôs em 7 de julho. O senador Omar Aziz deu voz de prisão a ele, sob alegação de falso testemunho. Dias saiu preso após o fim da sessão.
Danilo Trento, sócio da Primarcial Holding e Participações e suposto diretor da Precisa Medicamentos, prestou depoimento em 23 de setembro. A ocasião foi palco de bate-boca. Renan Calheiros e o senador governista Jorginho Mello trocaram xingamentos após o parlamentar alagoano criticar Jair Bolsonaro.
Bruna Morato, advogada de médicos da empresa Prevent Senior e autora do dossiê contra a operadora de saúde, foi ouvida em 28 de setembro. A Prevent era acusada de ocultar mortes de pacientes por covid-19 e de utilizar medicamentos que, comprovadamente, não funcionam contra a doença. Os médicos entregaram denúncias sobre a forma como a empresa tratou pacientes com covid. Pedro Batista Júnior, diretor executivo da empresa, tentou desqualificar, em seu depoimento à CPI, em 22 de setembro, as denúncias. Mas, Batista confirmou que, após 15 ou 21 dias, a classificação da doença era alterada e pacientes que tiveram covid acabavam não sendo identificados com a doença.