Sindicato e diplomatas veem riscos em PEC sobre chefia de embaixadas
Proposta autoriza parlamentares a virarem chefes de missões diplomáticas permanentes sem perder mandato
SBT News
Tramita no Senado, desde o dia 21 de outubro, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que autoriza deputados e senadores a se tornem chefes de missões diplomáticas com caráter permanente sem perder o mandato. O texto, de autoria do presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), é visto com desconfiança pelo Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores (Sinditamaraty) e outros profissionais ligados à área.
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Conforme o Decreto nº 56.435, de 8 de junho de 1965, que promulga a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, entre os objetivos das missões diplomáticas, estão, por exemplo, representar o Estado diante de outra nação, proteger em outra nação os interesses de um país e de seus nacionais e negociar com o governo de outro Estado. Atualmente, a Lei nº 11.440 de 2006, que, entre outras coisas, institui o regime jurídico dos servidores do Serviço Exterior Brasileiro, permite que, de forma excepcional, qualquer brasileiro nato, maior de 35 anos, com reconhecido mérito e experiência de relevantes serviços prestados ao Brasil, seja designado para o posto de chefe de missão diplomática permanente.
Porém, o inciso I do artigo 56 da Constituição Federal (CF) pontua que o deputado ou senador só não perderá o mandato no caso de indicação para missão diplomática se esta tiver caráter temporário. E é este dispositivo que a nova PEC pretende alterar. Para justificar a alteração, o senador Davi Alcolumbre afirma que, neste momento, devido a mudanças mundiais registradas desde a promulgação da CF, é preciso retomar um debate político-institucional, da época da assembleia constituinte de 1987, que opõe defensores de duas "corrente de pensamento": uma -- que teria saído vitoriosa -- segundo a qual a representação diplomática permanente brasileira deveria continuar sobre o controle de uma "diplomacia técnica, seleciona por concurso, em constante qualificação, organizada em carreira"; e outra -- derrotada -- que se referia aos parlamentares como os principais conhecedores das necessidades do país e dos brasileiros, para defender a investidura no posto de chefe de missão diplomática permanente sem perder o mandato.
Além disso, segundo Alcolumbre, "as grandes questões da geopolítica mundial são acessíveis a todos pelas novas e revolucionárias ferramentas de comunicação digital". "As questões debatidas e votadas nos Parlamentos nacionais possuem imediato reflexo na arena internacional. Nós, deputados federais e senadores, sabemos que o debate de um Projeto de Lei relativo à questão da tributação de importados, à regulação da energia e da produção de petróleo, entre tantos outros temas, impactará quase que imediatamente nossa política externa", completa o presidente da CCJ.
Em nota divulgada na última 5ª feira (28.out), o Sinditamaraty afirma, porém, que o tema da PEC apresentada "deve ser objeto de ampla discussão sobre seus propósitos e fundamentações". Segundo a entidade, "o fato de o nomeado ter o dever de priorizar os interesses da nação no exterior é incompatível com a permanência do vínculo de mandato legislativo, que sugere atendimento prioritário a demandas de eleitores e grupos que porventura estejam associados à representação parlamentar". "No caso, surgiriam hipóteses de conflitos de interesse evidentes. Os princípios da impessoalidade, transparência e moralidade pública ficariam prejudicados", acrescenta.
Um diplomata consultado pelo SBT News, por sua vez, classificou a PEC como um "absurdo". Em suas palavras, trata-se de "prêmio para parlamentares medíocres, que mal falm português, mas bem relacionados com a presidência. Mais vergonha para a política externa". O professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador do Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais (NERINT) Luis Gustavo Grohmann também vê risco na alteração.
De acordo com ele, com a perda do mandato ocorrendo, o ingresso em chefia de missão diplomática permanente "impõe um custo maior para quem ocupa, então ela não se transforma no forte elemento de negociação entre o Executivo e o Legislativo". "Dessa maneira, com o deputado ou senador podendo voltar [para a atividade parlamentar], a moeda de troca fica mais bem constituída". Neste caso, então, em suas palavras, "fica muito fácil de tu comissionar pessoas que não são exatamente especialistas".
Grohmann pondera que Brasil tem um corpo diplomático "muito bem constituído" e, portanto, não necessariamente a indicação de alguém que não seja especialista para a chefia de missão diplomática traria grandes problemas ao país, se o indicado se subordinar às regras do Ministério das Relações Exteriores. Como exemplo, cita a atuação do ex-presidente Itamar Franco como embaixador do Brasil em Portugal na década de 90: "Itamar oi constituído, num dado momento, para ir para Portugal, e não foi uma coisa pensada tendo em vista a expertise dele, foi um ato político. E por que pode ser feito isso no contexto brasileiro? Porque há um Itamaraty, que faz o trabalho que tem que fazer, tem que ser feito".
Por outro lado, acrescenta que, dependendo dos interesses estratégicos do Brasil, há embaixadas mais importantes e outras menos. "Por exemplo, nos Estados Unidos, o embaixador tem que ser muito bem capacitado, porque envolve muita atividade que não é mera representação política do país, também há questões de ordem econômica".
A PEC de Davi Alcolumbre ainda precisa ser despachada pela Mesa do Senado à CCJ, onde o presidente deverá indicar um relator. De acordo com o senador, "é uma afronta ao bom-senso e à razoabilidade que o parlamentar federal possa ocupar o cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores, sem perder seu mandato, e não possa ocupar o cargo de chefe de missão diplomática de caráter permanente". O professor da UFRGS afirma, porém, que "o chanceler é uma outra história". "Ele precisa ter uma qualificação maior e um compromisso maior com o governo. É mais orgânico. Ligado mais ao presidente, à presidência, ter uma certa afinidade aí", concluiu.
A Associação e Sindicato dos Diplomatas Brasileiros (ADB/Sindical) foi outra entidade a criticar a proposta de Alcolumbre. Em nota, a ADB Sindical diz que "o regime atual, tal como formulado pelo constituinte pátrio, resguarda o equilíbrio imprescindível que deve haver entre os Poderes, em que o Executivo propõe e o Legislativo avalia, com as necessárias isenção e objetividade, as designações a chefias de missão diplomática".