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Projetos de Bia Kicis contrariam consenso do Judiciário e da OMS

Deputada é um dos nomes cotados para assumir o comando da CCJ

Projetos de Bia Kicis contrariam consenso do Judiciário e da OMS
A deputada federal, Bia Kicis (PSL-DF)
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A resistência de integrantes do Legislativo e do Judiciário à indicação de Bia Kicis (PSL-DF) para a Comissão de Constituição e Justiça não se limita aos discursos controversos e incendiários e avança nos projetos apresentados pela deputada ao longo do mandato. A CCJ é considerada estratégica pois é um dos primeiros filtros por onde passam todas as propostas que tramitam na Câmara. 

Desde que foi eleita, em 2018, até terça-feira (23.fev), Kicis apresentou 23 projetos de lei, dos quais pelo menos quatro esbarram em decisões já consolidadas de tribunais superiores ou orientações firmadas por autoridades internacionais. 

Durante uma pandemia que matou 250 mil brasileiros vítimas da covid-19, a deputada elaborou dois projetos sobre o tema - ambos contrários a diretrizes estabelecidas por órgãos sanitários. 

Em setembro de 2020, Kisis apresentou proposta que desobriga uso de máscara na pandemia. O argumento: não há comprovação científica que o produto seja eficiente contra a transmissão da doença.  

"A máscara não é vista como uma proteção confiável. A máscara pode também gerar uma falsa sensação de segurança no usuário (...) Quanto às máscaras caseiras de pano, ou artesanais, cujo uso é admitido no § 8º do artigo cuja revogação se propõe (art. 3º-A), não há um conjunto de evidências científicas que provem a eficácia de seu uso como forma de prevenção a que um indivíduo saudável contraia o SARS-CoV-2. Dessa forma, restou devidamente demonstrado que a utilização da máscara deveria ser sugerida e não obrigatória como determinada em lei, pois não há comprovação científica suficiente para corroborar a sua eficácia."


A justicativa do projeto de Kicis é o oposto do que está previsto em documentos da Organização Pan-Americana de Saúde, representante da Organização Mundial da Saúde (OMS) no Brasil. Em sua recomendação mais recente, a entidade afirma, categoricamente, que deve haver incentivo pelo uso de máscara (cirúrgicas ou não). Afirma a OPAS:

"Considerando-se os estudos disponíveis sobre transmissão pré- e assintomática, o crescente corpo de evidências observacionais do uso de máscaras pelo público em geral em vários países, valores e preferências individuais, bem como a dificuldade de distanciamento físico em muitos contextos, a OMS atualizou sua orientação e recomenda que, para prevenir efetivamente a propagação da COVID-19 em áreas com transmissão comunitária, os governos devem incentivar o público a usar máscaras em situações e configurações específicas, como parte de uma abordagem abrangente para frear a transmissão do vírus SARS-CoV-2"


Em outro projeto, também apresentado pela deputada em setembro de 2020, Bia defende que a vacinação contra a covid-19 não seja obrigatória. Diz ela no texto: 

"Diante disso verifica-se que a devida comprovação científica da vacina contra o Covid-19 somente se dará em aproximadamente 10 (dez) anos, motivo pelo qual a compulsoriedade da vacinação, conforme prevista na Lei n° 13.978/2020, precisa ser extirpada, uma vez que inexiste qualquer evidência de sua eficácia, capaz de comprovar benefício à saúde da coletividade suficiente para justificar limitação ao direito individual da autonomia da pessoa (direito fundamental)". 


O direito brasileiro prevê obrigatoriedade da vacina vacinação há muito tempo. Mas, além da lei do Programa Nacional de Imunização, que já prevê essa obrigação desde 1975 (6.259/1975), o Supremo Tribunal Federal (STF) reforçou entendimento sobre o tema em dezembro de 2020. Por 10 votos a 1, o STF determinou que a vacina contra o coronavírus é obrigatória. Em seu voto, o ministro Edson Fachin afirmou o seguinte: 

"A vacinação, à luz do parâmetro de controle da Constituição, é, sim, obrigatória e se dá nos limites, nas possibilidades da expressão democrática do federalismo. E é por isso mesmo que o Supremo não retirou poderes de quem quer que seja, muito menos do Executivo Federal, para enfrentar a pandemia. Não se diga que o Supremo definiu que apenas os estados poderiam agir para enfrentar a emergência sanitária. A obrigação é de todos os entes públicos. Nenhuma autoridade e nenhum servidor público poderá se isentar. A Constituição não autoriza o poder público a cruzar os braços. A matéria e o sentido são de máxima urgência. E o Supremo Tribunal Federal também não o fará, como aliás está da demonstração neste julgamento".




Liberdade de expressão

Em junho do ano passado, Kicis apresentou proposta para proibir donos de plataformas digitais a remover conteúdos publicados pelos seus usuários e estabelecer que isso seja feito apenas por ordem judicial. Diz a parlamentar na justificativa do projeto: 

"Obrigações que demandem dos provedores de Internet realizar análise e exclusão de conteúdo disponibilizado em suas plataformas os transformaria em verdadeiros 'juízes privados'. Mas, diferentemente dos magistrados, os intermediários de Internet não estão vinculados ao interesse público, não possuem o dever de transparência e coerência decisória e não são regidos por procedimentos que assegurem aos interessados iguais condições de se manifestar e defender seu posicionamento".

Ainda que não haja entendimento consolidado sobre o assunto, a Justiça já tomou decisões que sequer obrigam as redes sociais a fiscalizar conteúdo de terceiros. Em 2019, o Facebook foi isento dessa responsabilidade pela 1ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo. Hoje, a maior parte das plataformas contém políticas próprias sobre os conteúdos que veiculam. Uma  vez desrespeitadas, a publicação é banida. 



Direitos a detentos

A parlamentar é também autora de proposta que proíbe concessão de liberdade provisória ou de prisão familiar a detentos por conta da covid-19. Ela alega que a soltura de presos colocaria em risco a segurança da população. Afirma ela no projeto: 

"Ocorre que essa pandemia não pode ser utilizada como subterfúgio para que criminosos sejam postos em liberdade sem que haja o cumprimento dos requisitos estabelecidos em lei. Do contrário, estaríamos a permitir um desencarceramento em massa, o que não se coaduna com o direito à segurança da população brasileira, tampouco com o combate ao crime organizado e o prestígio da justiça".

A proposta da deputada é uma reação à recomendação feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em março do ano passado. A entidade sugeria a liberação de detentos como forma de impedir a disseminação do vírus nas cadeias. Em junho, o índice de infectados em presídios aumentou 800% de maio para junho de 2020.

Vários tribunais estaduais seguiram as instruções do CNJ. No mesmo período, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul chegou a liberar um terço dos 2,2 mil detentos do estado. 

Procurada pelo SBT News, a assessoria de Bia Kicis disse que a deputada não iria se pronunciar.


Perfil e propostas 

Kicis nasceu em Resende (RJ) em 1961. Procuradora aposentada do Distrito Federal, a deputada se elegeu em 2018 com 86 mil votos. Ainda em 2019 tentou o comando da CCJ pela primeira vez. Acabou ficando com a vice-presidência da comissão.

Para o professor de direito constitucional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Emílio Peluso Meyer, a indicação de Kicis para o comando da CCJ é "inadequada". Meyer disse que o histórico de projetos apresentados pela parlamentar são contrários às jurisprudências do STF, o que não seria apropriado para quem almeja cargo, nas palavras do professor, de "guardião da Constituição" na Câmara.

Meyer disse que muitas propostas de Bia Kicis tem um perfil claramente radical e, muitas vezes, que tentam diminuir ou atacar o Poder Judiciário. "Ela tem uma clara predileção por projetos que tentam atuar sobre a autonomia funcional do Judiciário brasileiro", afirmou. 

O professor da UFMG citou como exemplo a PEC 159/19, conhecida como PEC da Bengala. Projeto de Kicis, ele tem como objetivo reduzir a idade de aposentadoria de magistrados de 75 para 70 anos.

"Essa PEC é outra flagrante dessa tentativa de proceder a esse tipo de controle sobre o STF. A própria argumentação que embasa a proposta da PEC tem 3 parágrafos, não tem qualquer fundamento", avaliou.
 
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