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PEC sobre fundo de reparação racial não acaba com a categoria parda

A proposta tratada nas redes como "PEC do Fim dos Pardos", destina R$ 20 bilhões para projetos voltados à população negra

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Conteúdo analisado: Publicações nas redes sociais sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 27/2024, que prevê a criação de um fundo nacional para promover a igualdade racial.

A PEC 27/2024, de autoria do deputado federal Damião Feliciano (União-PB), tem sido alvo de discussões nas redes sociais. O texto prevê instituir o Fundo Nacional de Reparação Econômica e de Promoção da Igualdade Racial, estimado em R$ 20 bilhões. Mas, ao tratar pretos e pardos como “população negra brasileira”, gerou críticas do Movimento Pardo Mestiço Brasileiro e levou o deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ) a apresentar um requerimento de audiência pública à Câmara, tratando o projeto como “PEC do Fim dos Pardos”.

A estrutura da PEC segue as diretrizes do Estatuto da Igualdade Racial (Lei Nº 12.288), aprovado pelo Congresso em 2010, durante o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O texto definiu a população negra no país como o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas.

Nem todos os pardos concordaram com a definição do estatuto na época e, agora, reacendem o debate criticando o texto do fundo, que usa o mesmo termo da lei para se referir a pretos e pardos. Em meio às críticas, há alegações de que a proposta poderia levar ao fim a categoria parda nos censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que foi negado pelo órgão.

Em resposta ao Comprova, a instituição declarou que a proposta não discute classificações e que até onde sabe, não existe uma classificação oficial entre negros, pretos e pardos, uma vez que nas pesquisas domiciliares feitas pela instituição, os próprios entrevistados informam se pertencem ou não a um dos cinco grupos de cor ou raça listados no questionário: preto, pardo, amarelo, indígena ou branco.

“Trata-se de uma classificação para fins estatísticos apenas. Eventualmente, outras instituições utilizam essa classificação, ou parte dela, como referência”, apontou.

Parte das críticas à PEC foi levantada pelo Movimento Pardo Mestiço Brasileiro, fundado por Leão Alves, em Manaus, no início dos anos 2000. O grupo é contrário a unir pretos e pardos em uma mesma categoria, a dos negros, por entender que pessoas pardas nem sempre se entendem como negras, mas ainda assim, podem sofrer dificuldades ao longo da vida por não serem brancas.

Uma pesquisa realizada pelo Datafolha em 2024 mostrou que 6 em cada 10 pardos não se consideram negros por diversas razões, como o fato de fazerem parte de famílias multirraciais, não se identificarem com a identidade política negra e não sofrerem o mesmo nível de discriminação que pessoas pretas.

O Movimento Pardo Mestiço Brasileiro ganhou espaço na política com a chegada de Jair Bolsonaro (PL) à presidência. No início de 2022, o grupo conseguiu uma vaga no Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, após ter a candidatura aprovada pela então ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, como mostrou a BBC Brasil em setembro daquele ano.

Em entrevista dada ao veículo, Leão Alves disse que se considera pardo e não negro, justificando que pardo seria qualquer um que tenha mistura racial, não necessariamente com pessoas de pele preta, podendo ser, inclusive, alguém de pele bem clara. Isso porque em Manaus, onde ele nasceu, há o maior percentual de pessoas pardas do país, uma vez que a escravidão mais presente na região foi a dos indígenas e não a africana, conforme assinalado na reportagem.

Durante as eleições de 2022, o movimento declarou apoio à reeleição de Bolsonaro e, após a posse de Lula em 2023, deixou de participar do conselho. Agora, essa proximidade com setores da direita reaparece com a entrada de Hélio Lopes, aliado do ex-presidente, que reforça o argumento de que a proposta “absorve compulsoriamente a população parda”.

O parlamentar alega que a medida pode acarretar apagamento estatístico, político e cultural da identidade parda, com reflexos diretos em políticas públicas, levantamentos censitários e no exercício da autodeclaração étnico-racial, algo que já foi negado pelo IBGE.

Na mesma linha, surgiram publicações nas redes sociais alegando que a PEC “aniquilaria” a população mestiça e que não garantiria a ela direito a indenizações e acesso ao fundo e a cotas raciais. O temor levantado é de que hoje o país conta com 45,3% de pardos e 10,2% de pessoas pretas, segundo o Censo de 2022, e que no momento em que o fundo considera todos como negros, a população parda seria excluída de programas sociais.

Procurado pelo Comprova, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), titular da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, que aprovou a proposta, discorda do apelido de “PEC do Fim dos Pardos” e afirma que os questionamentos sobre uma alteração na classificação de raças do Brasil “não fazem nenhum sentido”.

“O IBGE estabeleceu como conceitos demográficos: branco, pardo, preto e amarelo. Negro, como conceito sociológico, é a soma de pretos e pardos. Pardo é o que historicamente chamamos de população miscigenada. Falar de PEC do Fim dos Pardos é mera narrativa”, afirma.

“Inclusive, pretos e pardos como expressão dos negros, já está na nossa Constituição que prevê, no mínimo, 30% dos recursos do fundo eleitoral para financiar candidaturas negras, de pretos e pardos, e a lei eleitoral também fala de candidaturas negras, de pretos e pardos, cujos votos contam dobrado para efeito de formação de fundo eleitoral”, disse.

A doutora em sociologia e pesquisadora Nina Fola, por sua vez, argumenta que as discussões sobre reparação racial no Brasil são marcadas pela tensão e que o país sempre negou esse histórico, com o objetivo de manter os privilégios das pessoas brancas. Ela classificou o apelido de “PEC do Fim dos Pardos” como ardiloso contra discussões que o movimento social negro tem pautado.

“Hoje em dia, essa discussão da parditude, que é uma discussão que com certeza é necessária, foi levantada principalmente pelas pessoas indígenas, também pautada pelo movimento social, mas entendo que esse argumento é ardiloso, violento e tenta fragilizar a opinião pública sobre isso, que é a reparação financeira pela historicidade da presença negra na Constituição”, afirmou.

O Comprova tentou contato com o criador da PEC, mas não obteve retorno até a publicação do texto.

De onde viriam os recursos para o fundo

O fundo tem por finalidade promover a “igualdade de oportunidades e a inclusão da população negra brasileira”, conforme o texto aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

A expectativa é que os recursos sejam obtidos a partir de indenizações de empresas que comprovadamente lucraram com a escravidão da população negra brasileira; doações internacionais; dotações orçamentárias da União; e outras fontes previstas em lei. Eles deverão financiar projetos voltados à promoção cultural, social e econômica da população negra brasileira.

A proposta estabelece que a União deve destinar, no mínimo, R$ 20 bilhões ao fundo, com um vigésimo desse valor sendo aportado a cada ano. Além disso, essas despesas não estariam sujeitas aos limites orçamentários estabelecidos por outras leis. A PEC também prevê a criação de um Conselho Consultivo e de Acompanhamento para o fundo, com representantes do poder público e da sociedade civil.

Fontes que consultamos: Textos da PEC 27/2024 e do requerimento 118/2025, Estatuto da Igualdade Racial, reportagens sobre o assunto, além da doutora em sociologia e pesquisadora Nina Fola e do deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP).

Por que o Comprova explicou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está gerando muitas dúvidas e desinformação, o Comprova Explica. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: O Comprova já produziu outros conteúdos relacionados a discussões raciais, como a que explicou que o livro “O Avesso da Pele” foi aprovado no governo Bolsonaro e escolhido por uma escola para ser trabalhado por estudantes do ensino médio, e a verificação que mostrou que Lula se encontrou com liderança religiosa da Nigéria em evento de igualdade racial, não com ‘feiticeiro’.

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