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Usar criptomoedas para crimes é péssima ideia, diz procurador

Alexandre Senra coordena grupo do MPF sobre criptoativos e defende mais regras para identificar criminosos

Usar criptomoedas para crimes é péssima ideia, diz procurador
senra
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O Brasil precisa de mais regras legais para dar transparência e afastar criminosos da rede de movimentações das criptomoedas. A opinião é do procurador da República Alexandre Senra, especialista em combate aos crimes com moedas virtuais no Brasil, que manda um alerta aos criminosos. "É uma péssima ideia do criminoso de usar criptoativo para cometer crime. Porque, além de deixar um rastro, ele deixa um rastro que não pode ser apagado."

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 Senra coordena um dos grupos de trabalho criados, em 2022, pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, para elaborar um roteiro para uniformizar a atuação do Ministério Público Federal (MPF) no combate aos crimes envolvendo criptoativos. 

As criptomoedas estão no seu dia a dia. Senra dá aulas, palestras e escreve sobre o tema, além de sua atuação no MPF, e investe nas moedas virtuais. Segundo ele, há anonimato para quem investe, o que atrai todo tipo de criminoso, mas há registro virtual de tudo que é feito, e "para sempre".

Ao SBT News, ele falou ainda sobre os avanços no combate aos crimes, sobre golpes de pirâmides financeiras, sobre o marco legal aprovado no Congresso e dá dicas para não cair em fraudes. Veja a entrevista:

A Procuradoria-Geral da República (PGR) criou dois grupos para tratar sobre os crimes com criptoativos. Essa é uma carência dos órgãos de investigação?
Atualmente, todas as instituições estão atrás disso - Polícia Federal, Ministério Público Federal, Receita Federal. Existem várias empresas que prestam serviços chamados de rastreio onchain. É importante que a gente saiba que uma das características do blockchain: a publicidade. É como se fosse um livro que pode ser aberto e qualquer pessoa pode ler. A outra característica é o pseudo anonimato. Você abre e vê tudo o que está no livro, mas as pessoas não estão identificadas lá, porque o que se tem são números de contas. Então, qual é a grande dificuldade na investigação? Saber quem que está por trás de cada uma dessas contas. Existem diversas empresas que prestam serviços de atribuição e vinculação de conta. Elas têm várias estratégias para saber quem está por trás de uma conta.

Essa descoberta de quem está por trás dos investimentos põe em xeque a segurança da rede?
A rede não é colocada em xeque. Ela não se torna vulnerável quando você identifica as pessoas por trás das carteiras. Você pode colocar em xeque a identificação da pessoa, os dados pessoais dela, mas não a segurança da rede. 

O alvo são as pessoas que têm o criptoativo ou quem está comercializando eles?
Ter criptoativos significa que você tem um código chamado chave privada, que te permite movimentar esses criptoativos. Então, você tem uma carteira minha, sob a minha custódia, como esta daqui (mostra um token). Então, eu tenho criptoativos. Porque está sob a minha custódia uma coisa chamada chave privada, que me permite movimentar esses criptoativos. Se eu tenho uma conta em uma exchange, aparece lá no meu saldo: "o Senra tem 2 bitcoins". Mas eu não tenho 2 bitcoins, o que eu tenho é algo como reconhecimento de débito, um direito de exigir 2 bitcoins. Porque eu não tenho um código que me permita movimentar esses 2 bitcoins para fora da exchange. Eu vou fazer um pedido de saque. Se for autorizado, ela vai entregar os bitcoins. Se não for autorizado, eu vou ficar sem nada. Porque eles não são 2 bitcoins, são um saldo representativo. É igual ao dinheiro que a gente tem em uma conta-corrente. Eu tenho lá R$ 2 mil na Caixa Econômica Federal. Só que eu não tenho os R$ 2 mil. Eu tenho saldo representativo de R$ 2 mil, que só vai virar dinheiro no dia em que eu pegar o papel moeda ou quando eu pagar uma conta com eles. Enquanto estão lá, são saldos, são números.

E como saber se uma empresa é verdadeira ou está negociando algo que não tem?
A imensa maioria das exchanges não são submetidas a auditorias independentes. Então, como que eu vou saber se o somatório dos saldos de todos os clientes corresponde realmente ao número de criptativos cujos códigos estão poder dela? Você não sabe disso. As pessoas, em geral, confiam nas exchanges. Uma proposta para mudar isso é uma coisa chamada obrigação de segregação patrimonial da exchange. Ela tem que manter separado o patrimônio dos clientes e o patrimônio dela. A mesma coisa é chamada prova de propriedade, ou prova de reserva. Mecanismos pelos quais as exchanges são obrigadas a comprovar que de fato têm a posse de códigos que permitam movimentar um volume de criptoativos compatível com somatório de todos os clientes. Isso não consta do projeto de lei aprovado no Brasil. Chegou a constar, mas em algum momento da tramitação saiu. Então, não existe hoje e não vai existir daqui a 180 dias, quando essa lei entrar em vigor. Vai continuar não se exigindo das exchanges essa segregação patrimonial ou essa prova de reservas.

Essa exigência retirada do marco legal enfraquece a lei?
Essa é a minha avaliação pessoal, de quem estuda e investe, não do MPF. Acho que era um dos pontos fundamentais. As exchanges não têm autorização para atuar como banco fracionário. São plataformas de negociação de criptoativos. Quando eu abro uma conta em uma exchange, nacional ou estrangeira, os serviços que eu estou contratando é de negociação de criptoativos dentro de uma plataforma. Em momento algum, autorizei essa entidade a emprestar os valores que são meus ou a rentabilizar em cima disso. Então, eu considero que esse era um ponto muito importante e que, em termos práticos, ia impedir ou dificultar muito o funcionamento de pirâmide financeiras.

Qual a inovação os criptoativos trazem para os golpes de pirâmides financeiras?
No aspecto de pirâmides financeiras, bois, avestruzes e bitcoins são muito parecidos. A gente já passou no Brasil pela pirâmide das Fazendas Reunidas Boi Gordo, lá nos anos de 2000. depois teve o Avestruz Master, mais ou menos em 2004, e, mais recentemente, várias pirâmides que captam dinheiro sob o pretexto de estar investindo em criptoativos. O que tem em comum bois, avestruzes e criptoativos? Caiu lá atrás, em pirâmides de bois, quem não sabia nada de boi. Se você pegasse pessoas que eram entendidas do assunto, o sujeito jamais acreditaria que seria possível rentabilizar 10% ao mês com gado. Avestruz então, quem botou dinheiro lá não sabia nada de avestruz. Quem perde dinheiro com pirâmide não sabe nada de criptoativo. São pretextos capazes de levar a pessoa que ignora aquele assunto específico acreditar que é possível, em algum mercado sobre o Planeta Terra, você rentabilizar 5% ou 10% ao mês sem levar junto um caminhão de risco, que uma hora vai te atropelar.

E quem é levado ao golpe também é pego pelo marketing do esquema?
Em regra, claro que sempre existem exceções, as pirâmides são ostensivas e têm que ser ostensivas, porque o negócio é sustentável, enquanto houver mais pessoas entrando. No caso do Avestruz Master, de uma década de meia atrás, teve um ano em que eles gastaram em ração um valor que era insuficiente para alimentar 10% dos avestruzes que eles iam ter. Gastaram, tipo, R$ 30 mil com ração e R$ 4 milhões com marketing e publicidade. Porque para esse tipo de negócio, o marketing, a publicidade, mais do que em qualquer outro negócio, ele é realmente a alma da empresa. Você precisa de mais pessoas entrando.

Recuperar o dinheiro de golpes em casos de uso de criptoativos é mais difícil?
Eu não diria que é necessariamente mais difícil, mas ele é tecnicamente mais complexo. Exige um conhecimento ao qual a gente não está habituado. Não é um conhecimento difícil de ser obtido, mas é um conhecimento que não é intuitivo. O sujeito que for na base da intuição, não vai dar certo. O grande problema, em termos de persecução patrimonial envolvendo criptoativos, muitas vezes não está no rastreio e sim na apreensão. Os criptoativos estão sobre uma estrutura chamada blockchain que é um registro distribuído sem autoridade central. Se esses criptoativos não forem um saldo em poder de uma empresa como uma exchange, se for realmente registros nesse blockchain, não tem para quem você mandar ofício, para que a pessoa faça a apreensão. Não existe isso. Você consegue aprender os criptoativos se você tiver aquele códigozinho que permite que ele seja movimentados de uma carteira para outro endereço. Sem esse códigozinho você não faz nada. E se você não encontrar esse códigozinho, você não tem meios para obrigar o investigado a te entregar à força o código. Não dá para fazer isso. Você pode estimular ele, fixar multa, falar que você vai dar uma sanção premiada, falar que vai dar uma redução da pena. Mas se  o sujeito falar "não, não quero recuperar, não vou entregar os códigos, não vou mostrar o papel, o papel onde tinha anotado ele eu comi". Acabou, você não tem como fazer apreensão.

É preciso ferramentas e técnicas modernas para se combater os crimes com ativos virtuais?
Sou uma pessoa de pensamento muito simples. O ótimo é inimigo do bom, nesse aspecto. A gente tem condição de fazer o bom, de uma forma muito bem feita, sem ideias mirabolantes, mas apenas dominando esse repertório todo dos conhecimentos técnicos, dá para a gente pegar muita coisa. Existem duas versões que podem explicar isso daí: uma porque os criminosos, em geral, cometem ainda erros muito bobos, muito primários, quando lidam com criptoativos; a outra é que criminosos que não cometem erros bobos, criminosos que são especializados no assunto, a gente nem sabe da existência deles. Talvez as duas versões sejam verdadeiras, não tem como a gente dizer que uma delas é a versão que deve vingar é outra não, porque não dá para a gente saber qual é o volume total de crimes que estão sendo cometidos nessa seara com base no que a gente tem atualmente. Um exemplo, que tem relação com uma característica do blockchain, que é a imutabilidade. Todas as transações que são registradas no blockchain não podem ser apagadas. Então, às vezes, você não pega o negócio agora, mas você pega ele daqui a seis meses, um ano, três anos, talvez pegue daqui 15 anos. Porque você pode rastrear as transações até a sua origem e elas não podem ser apagadas. Essa história que criptoativo é bom para cometer crime... É péssimo! Essa é uma péssima ideia do criminoso de usar criptoativo para para cometer crime. Porque, além de deixar um rastro, ele deixa um rastro que não pode ser apagado. 

O Brasil está atrasado em tecnologias e ferramentas de combate aos crimes com criptomoedas?
Não acho que o Brasil esteja atrasado nessa matéria. Eu acho que o Brasil está muito muito bem posicionado e o caminho realmente tem que ser a cooperação internacional. Quando eu falei que é muito difícil você identificar quem está por trás das carteiras, existem algumas exceções a isso. Uma delas são grandes exchanges, grandes plataformas de negociação, muitas vezes, elas auto identificam as carteiras. Elas querem que o público saiba que aquelas carteiras são delas. 

Qual dica o senhor daria para fugir dos golpes?
Um recado que, sempre que eu posso, faço questão de deixar às pessoas é que se algo é bom demais para ser verdade, não é verdade. Não adianta. Simplesmente não acredite em sonhos, porque a chance de você se frustrar é imensa.

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