Por que a região de Donbass é tão importante para a Rússia?
Interesses geopolíticos, econômicos e ideológicos permeiam a nova fase da guerra na Ucrânia
Há quase dez dias, a Ucrânia informou ao mundo que uma nova fase da guerra se iniciava: a batalha de Donbass. Região ao leste do país, a zona tem o maior percentual de russos étnicos e russófonos fora da Rússia, e é alvo de uma batalha muito mais ideológica e política do que econômica. O confronto recebeu o título de "nova fase", porque, em um primeiro momento, não estava claro se a intenção era destituir o governo da Ucrânia ou apenas enfraquecer o poderio militar do país.
Agora, há objetivos concretos: a guerra passou a ser mais localizada. Ao invés de estar dispersa em todo o território, está concentrada em Donbass, com objetivo de expandir as fronteiras administrativas dos separatistas na região que é conhecida historicamente pela área de mineração e produção metalúrgica.
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O cientista político Vicente Ferraro, que fez mestrado na Escola Superior de Economia de Moscou, reforça que a intenção russa sobre a região não é puramente econômica. E explica que desde a tomada de controle de parte da região por separatistas russos, em 2013, Donbass já havia deixado de ter um peso econômico tão grande para a Ucrânia, e, ao mesmo tempo, não agregava à Rússia.
"Se em 2006 o Donbass era a segunda região mais rica da Ucrânia, em 2013, um pouco antes de começar toda essa crise, o Donbass já estava ocupando a quinta posição na escala de regiões mais ricas. Ainda assim, continuava a ser uma região importante, mas não com o mesmo peso que ela tinha antes", explica Ferraro, que também é pesquisador do Laboratório de Estudos da Ásia da Universidade de São Paulo (USP). "Quando a gente olha a economia do Donbass e compara com outras regiões da Rússia, a gente vê que não seria uma região que agregaria muito economicamente ao país. Seria uma região mediana quando olhamos para o PIB per capita regional das regiões russas", completa.
Mas Putin pode ter interesses geopolíticos e ideológicos sobre Donbass. Na região, está localizada a cidade portuária de Mariupol, que, segundo Ferraro, é importante tanto para a Rússia quanto para a Ucrânia nessa fase da batalha. Ao mesmo tempo em que é um dos últimos pontos estratégicos que faltam para a que a Rússia consiga garantir um canal terrestre entre a Crimeia e o território da Federação Russa e Donbass, o local também tem um impacto simbólico por ser uma das poucas cidades que resistiram aos separatistas em 2015 e continuaram sob controle da Ucrânia. Com a expansão em cima de Mariupol e de outras regiões naquela zona, os separatistas teriam o controle total de Donetsk e Luhansk.
É uma cidade com uma importância econômica metalúrgica grande para a Ucrânia. E, ao mesmo tempo, ela teve uma importância política e simbólica muito importante para o nacionalismo ucraniano, pelo fato de ter sido uma região do Donbass que os separatistas não conseguiram conquistar. Acabou se tornando um símbolo da resistência contra os separatistas e contra a agressão russa. Tem também uma importância geopolítica para a Rússia, porque a partir do momento que a Rússia conquistar Mariupol, ela consegue garantir um acesso terrestre, um canal de acesso terrestre da Crimeia para o resto do Donbass e para o próprio território da Federação Russa", detalha o pesquisador.
A batalha, no entanto, não deve ser fácil. Por se tratar de uma localização próximo ao conflito que já dura oito anos, o exército ucraniano em Mariupol já adquiriu experiência de batalha, e hoje conta com a ajuda indireta do Ocidente, que está enviando dinheiro para ajuda militar. Existem suposições de que Putin gostaria de conquistar Mariupol em 9 de maio, quando é comemorado o Dia da Vitória no país - data que celebra a vitória Rússia em cima da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial - mas o especialista aponta que a atual resistência pode atrapalhar os planos do líder russo.
"Acredito que Putin vai tentar tomar, é muito difícil de saber se ele vai conseguir. E eu não duvido que um dos resultados possíveis possa ser a anexação dessas regiões ao território da Federação Russa, como houve com a Crimeia em 2014. Então não seria descartável a Rússia se expandir territorialmente. Há alguns elementos que dão indícios desse fenômeno, que a gente olha, algumas cidades conquistadas ali, na região de Kherson, e na região de Zaporizhzhya, as bandeiras ucranianas foram todas retiradas dos órgãos administrativos e substituídas por bandeiras russas ou, em alguns casos, até mesmo bandeiras soviéticas. Então, há indícios de que essas regiões possam vir a ser anexadas ao território da Federação Russa, e certamente 9 de maio, que é um dia muito importante para o nacionalismo russo, seria um dia muito emblemático para uma ação desse porte. Tanto para o decreto do fim desse conflito, ou pelo menos de uma importante fase dele, quanto para uma eventual anexação dessas regiões, oficialmente, ao território da Federação Russa", diz.
Mariupol
Desde o início da guerra, em 24 de fevereiro, Mariupol é alvo de constantes bombardeios. Há denúncias de destruição da infraestrutura e crimes de guerra. Segundo o governo da Ucrânia, 100 mil moradores dos 400 mil que moravam na cidade permanecem no local, sem acesso a água, energia, e alimentos, porque a Rússia não respeita os acordos de cessar-fogo para criar corredores humanitários. Com uma ampla rede de túneis e abrigos subterrâneos, a usina siderúrgica de Azovstal tornou-se o último e principal ponto de resistência ucraniana em Mariupol. Além de civis, o local também abriga soldados que seguem sem alimento, água e munição.