Osmar Terra usa dados de um único hospital para dizer que covid-19 está reduzindo no RS
ENGANOSO: Deputado usa dados verdadeiros sobre queda de internações no hospital referência no tratamento da covid-19 em Porto Alegre. Mas, dados não são os mesmos para as outras 298 instituições de saúde que atendem pacientes do estado gaúcho
Conteúdo verificado: Publicação no Twitter do deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) em que ele usa dados de internações por covid-19 no Grupo Hospitalar Conceição (GHC), na capital gaúcha, para afirmar que a epidemia está reduzindo no Rio Grande do Sul.
O deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) erra ao afirmar em uma publicação no Twitter que `a epidemia começa a reduzir no RS`. Na postagem, Terra usa dados verdadeiros sobre uma queda no número de internações no Grupo Hospitalar Conceição ? referência no tratamento da covid-19 em Porto Alegre ? para anunciar uma melhora no quadro em todo o Rio Grande do Sul.
O post é do dia 4 de agosto, data em que o estado chegou a um recorde de mortes registradas em um único dia: 83. O novo coronavírus custou a vida de 2.231 gaúchos até o dia 6 de agosto, aponta o painel on-line do Governo do Rio Grande do Sul. O indicador mostra ainda que a capital gaúcha lidera o ranking de casos confirmados e de mortes no estado: 9.532 e 318, respectivamente. Porto Alegre também superou a própria marca máxima de internações em UTIs na quinta-feira (6), contabilizando 331 pacientes. Nos três dias que se seguiram desde o tuíte de Osmar Terra, foram 215 novos óbitos por Covid-19: 83 na terça-feira , 64 na quarta e 68 na quinta.
A equipe do Comprova tentou contato com o deputado Osmar Terra por telefone, WhatsApp e Instagram, mas não teve resposta até a data desta verificação.
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Como verificamos?
O Comprova começou a verificação buscando os dados no site do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), que atualiza as informações diariamente. Os gráficos publicados por Osmar Terra não estavam na página e procuramos a assessoria de imprensa do GHC, que nos colocou em contato com o diretor-técnico do hospital, Francisco Zancan Paz. O médico confirmou que os dados são do Conceição e disse que se tratam de estudos internos, mas que estariam disponíveis havendo solicitação. Os retornos sobre os registros foram por mensagens de WhatsApp e telefone.
Também solicitamos informações à Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS), que respondeu por e-mail.
Usamos as ferramentas TweetDeck e CrowdTangle para monitorar o desempenho da publicação de Osmar Terra nas redes sociais e o buscador Google para encontrar reportagens publicadas na imprensa sobre a situação da pandemia no Rio Grande do Sul.
Por fim, tentamos falar com o deputado federal por telefone, mensagem de WhatsApp e de Instagram. Ele não atendeu a reportagem.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 7 de agosto de 2020.
Verificação
Em tuíte publicado na última terça-feira (4), o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) usa gráficos do Grupo Hospitalar Conceição (GHC) para afirmar que a epidemia de covid-19 está diminuindo em todo o Rio Grande do Sul. E critica o sistema de bandeiras adotado pelo governo para estabelecer as regras de distanciamento em cada uma das regiões do estado. `Epidemia começa reduzir no RS. Nada a ver com bandeirinhas! Tendência de número de casos de internação em UTI e em enfermaria pela Covid 19, é de queda! Veja no maior hospital do Sul do país: GHC em Porto Alegre! Cai na semana 31, como acontece em todo inverno!`, escreveu o deputado.
É incorreto afirmar que a epidemia está reduzindo no Rio Grande do Sul. O estado registrou o primeiro caso da covid-19 em março e, de lá para cá, a situação piorou. Até 6 de agosto, 78.837 pessoas foram infectadas pelo novo coronavírus e 2.231 morreram vítimas da doença. As taxa de ocupação de leitos nas UTIs dos hospitais gaúchos é de 75%.
A região metropolitana de Porto Alegre é uma das mais atingidas. Na capital gaúcha, a ocupação de leitos de UTI chegou a 90% na segunda-feira (3) e a cidade atingiu um pico no número de casos e de óbitos em 4 de agosto.
Os gráficos que Osmar Terra divulgou na publicação são de um dos hospitais de referência para o tratamento da covid-19 na cidade, o Grupo Hospitalar Conceição (GHC). Embora seja um dos maiores hospitais da capital gaúcha, os índices servem apenas para analisar a situação no GHC, e não podem ser extrapolados para os outros 298 que também atendem pacientes com covid-19 em todo o estado. `São dados dos nossos hospitais. Não temos como avaliar os restantes`, disse o diretor-técnico do hospital, Francisco Zancan Paz.
Em entrevista ao Comprova, Zancan apresentou gráficos que mostram uma tendência à queda de casos de covid-19 nas emergências e enfermarias, mas não nas UTIs. `Na última semana, a demanda das nossas emergências, da nossa UPA e da nossa internação em enfermarias têm decrescido. Isso ainda não repercute na ocupação da UTI, que está sendo mantido em quase toda sua totalidade`, disse. E reforça que só é possível bater o martelo sobre uma diminuição ? ou mesmo estabilização ? no número de casos se essa tendência se mantiver ao longo de pelo menos 15 dias.
O GHC é composto pelos hospitais Conceição, Criança Conceição, Cristo Redentor e Fêmina, além da UPA Moacyr Scliar, de 12 postos de saúde do Serviço de Saúde Comunitária, de três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e da Escola GHC. Porém, o hospital Conceição é a referência no tratamento da doença.
Questionamos a Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS) para saber se os dados poderiam indicar uma tendência mais ampla no Rio Grande do Sul. Por e-mail, a assessoria de imprensa lembrou que a ocupação das UTIs do GHC segue alta, em torno de 95% até a data do contato, `a curva de óbitos e casos relacionados à covid-19 está em crescimento no Estado. (?) A SES-RS monitora a doença, toma as medidas que julgar necessárias, mas não faz previsões`.
As semanas
No tuíte, Osmar Terra fala em uma queda de internações na 31ª semana epidemiológica, `como acontece todo inverno`. As semanas epidemiológicas são divididas pelo Ministério da Saúde para facilitar o registro e controle de doenças. Contadas de domingo a sábado, a primeira semana é a que tem o maior número de dias de janeiro e a última é a que tem o maior número de dias de dezembro. Em 2020, a semana 31 foi de 26 de julho a 1º de agosto.
A Secretaria Estadual da Saúde não confirmou que tenha havido queda no número de internações na semana 31, mas disse que `nos últimos quatro anos, o pico das internações no Rio Grande do Sul tem ocorrido entre as semanas 18 e 27`.
O período coincide com os meses mais frios do ano no estado. `No inverno tem sido este comportamento. Ano passado foi muito similar`, confirmou o diretor-técnico do GHC. Em 2019, foram notificados 1.296 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) ? condição provocada por doenças respiratórias, como a gripe e a covid-19 ? e 75 óbitos no hospital. Em 2020, são 1.967 casos de SRAG e 344 óbitos. Destes, 157 óbitos foram por covid-19.
Insistência
No dia seguinte, 5 de agosto, Osmar Terra voltou ao assunto em sua rede social. Com novo gráfico do GHC, falou em queda na demanda de doentes naquele hospital e na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. `Como prevíamos vírus está fazendo seu ciclo natural e em poucas semanas termina o surto epidêmico no RS. Quarentena e lockdown inúteis`. No mesmo dia, Porto Alegre bateu recorde de pacientes com coronavírus nas UTIs: 324 pessoas com diagnóstico positivo para covid-19 necessitando cuidados intensivos.
Quem é Osmar Terra
Osmar Terra exerce o sexto mandato na Câmara dos Deputados, representando o Rio Grande do Sul. Em 2016, foi Ministro do Desenvolvimento Social no governo de Michel Temer (MDB) e ocupou a pasta da Cidadania já na gestão de Jair Bolsonaro, em 2019.
O deputado federal é formado em medicina e foi presidente do Grupo Hospitalar Conceição entre 1986 e 1989. Também ocupou o cargo de secretário da Saúde do Rio Grande do Sul de 2003 a 2010, nas gestões de Germano Rigotto (MDB) e Yeda Crusius (PSDB).
Terra é um apoiador de Jair Bolsonaro e, seguindo o discurso do presidente, já negou a gravidade da pandemia em diversas ocasiões ? inclusive no post verificado aqui, em que usa o termo `epidemia` e não pandemia. Chegou a afirmar que o distanciamento social não tinha eficácia comprovada, que as mortes pelo novo coronavírus não Brasil não passariam o número de óbitos por H1N1 e declarou que a pandemia terminaria em junho.Já em agosto, compartilhou imagens antigas para criticar o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PHS).
Em março, o Comprova verificou um vídeo em que Terra defende o isolamento vertical, afirmando que apenas idosos e pessoas de grupos de risco deveriam ficar isoladas. As imagens circularam como se fossem do cardiologista Adib Jatene, falecido em 2014.
Por que investigamos?
Nesta terceira fase, o Comprova verifica conteúdos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia. Em um ano de eleitoral em que as disputas políticas estão acirradas, a covid-19 virou tema de debates em todos os campos ideológicos. A desinformação circula livremente em redes sociais e pode custar vidas. O post de Osmar Terra no Twitter teve mais de 4,1 mil interações ? entre curtidas, comentários e compartilhamentos ? e pode enganar os leitores, ao sugerir uma melhora que não se comprova na realidade.
O Comprova já checou outros conteúdos distorciam fatos para minimizar a pandemia: uma corrente que dizia que a etapa máxima das infecções aconteceria em abril, declarações de dois médicos que diziam que o novo coronavírus estava perdendo a força em junho e um texto que garantia que a pandemia já estaria em declínio em julho.
Enganoso, para o Comprova, é todo o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado. É o caso da publicação de Osmar Terra, que usa números reais para chegar a uma conclusão que não é verdadeira.
Investigação e verificação
SBT e GaúchaZH participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos Folha, Sistema Jornal do Commercio, UOL e Estadão
Projeto Comprova
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 28 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. A edição de 2019 foi dedicada a combater a desinformação sobre políticas públicas. Agora, na terceira fase, o Comprova retoma o monitoramento e a verificação de conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições municipais, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT faz parte dessa aliança.
Desconfiou da informação recebida? Envie sua denúncia, dúvida ou boato pelo WhatsApp 11 97795 0022.