STF decide, por unanimidade, que uso de véu religioso é permitido em fotos de documentos oficiais
No caso concreto, uma freira do Paraná havia sido impedida de usar o hábito sobre a cabeça na fotografada para renovação da CNH

Jésus Mosquéra
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, que é permitido o uso de véu e outros trajes religiosos sobre a cabeça em fotos de documentos oficiais. A permissão é válida desde que o rosto esteja visível, inclusive para identificação biométrica da face.
A decisão ocorreu em sessão plenária encerrada no início da noite desta quarta-feira (17). A primeira parte do julgamento começou em 8 de fevereiro, com as sustentações orais de representantes de diferentes religiões. Na segunda parte, ocorrida nesta quarta, os ministros fixaram uma tese sobre o tema, que deverá ser seguida por todo o Poder Judiciário e por órgãos administrativos brasileiros que lidam com identificações por fotografia.
Voto do relator
O relator do caso foi o presidente do STF, ministro Luis Roberto Barroso. Ao abrir a votação, ele propôs negar o recurso da União que buscava reconhecer o direito de uso do hábito religioso. Embora tenha negado o recurso, Barroso foi favorável à vontade da União, substituindo o atendimento da demanda processual pela fixação de uma tese pelo STF.
"Estou negando provimento ao Recurso Extraordinário da União e propondo a seguinte tese de julgamento: é constitucional a utilização de vestimentas ou acessórios relacionados a crença ou religião nas fotos de documentos oficiais desde que não impeçam a adequada identificação individual", sugeriu Barroso.
"Assim é minha proposta de tese nessa interessante questão, cuja solução me pareceu relativamente simples, sobretudo porque o sacrifício para a liberdade de religiosa seria muito intenso em contraste com o proveito pouco significativo para a segurança pública", concluiu o relator.
O voto foi acompanhado na íntegra por todos os ministros, com alguns acréscimos no sentido de deixar claro que o rosto precisa ficar visível.
União X TRF4
Em recurso ao STF, a União contestou decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que reconheceu o direito ao uso de hábito religioso em foto para a CNH. Na prática, o TRF4 abriu uma exceção a uma regra do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) que proíbe a utilização de óculos, bonés, gorros, chapéus ou qualquer outro item de vestuário ou acessório cobrindo a cabeça ou parte da face.
A União foi contra essa exceção aberta pelo TRF4. Sustentou que o direito constitucional de liberdade religiosa não afasta a "obrigação comum a todos os cidadãos", ainda que essa obrigatoriedade esteja em uma norma abaixo da Constituição Federal - no caso, a norma do Contran. Para defender esse argumento, a União mencionou outro trecho da Constituição segundo o qual a crença religiosa não pode ser justificativa para "eximir-se de obrigação legal a todos imposta".
Freira foi impedida de renovar CNH
No caso concreto, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil pública na Justiça Federal em Cascavel, no Paraná, atendendo a pedido de uma freira da Congregação das Irmãs de Santa Marcelina. A irmã foi impedida tirar foto com o hábito religioso ao tentar renovar a CNH. A foto da carteira anterior e da identidade já haviam sido feitas com o traje.
O MPF considerou "não razoável" a vedação imposta pelo Detran do Paraná. Argumentou que o uso do hábito é parte da identidade das Irmãs de Santa Marcelina, não se tratando de mero "acessório estético". Segundo o MPF, a exigência do Detran seria o mesmo que ordenar a um homem que tirasse o bigode ou a barba para ser fotografado na renovação da CNH.