Quais são os principais desafios na segurança pública para 2024
Rever política sobre drogas e reduzir acesso a armas devem ser prioridades do governo federal para lidar com a violência
Guilherme Resck
A segurança pública é uma das áreas à qual o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisará dar mais atenção em 2024 se quiser ajudar aliados a terem sucesso nas eleições municipais.
Uma pesquisa Datafolha divulgada este mês mostra que 10% dos eleitores veem a segurança pública como o principal problema do país, atrás apenas da saúde, mencionada por 23%. O levantamento, que ouviu 2.004 pessoas em 135 cidades, em 5 de dezembro, aponta ainda que 50% do eleitorado avalia como ruim ou péssima a gestão Lula na segurança; 29% a considera regular, e 20%, boa ou ótima.
O tema ganhará ainda mais força na esfera pública nas próximas semanas, quando Lula deve escolher quem assumirá o comando do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Com a ida de Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal (STF), chegou a ser discutido o desmembramento da Pasta em duas. A tendência, porém, é que haja um titular, auxiliado por um nome forte na Secretaria Nacional de Segurança Pública. O cargo gera preocupação entre os cotados para o Ministério.
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Quem quer que assuma a Pasta encontrará desafios importantes para melhorar a gestão da Segurança Pública. Rever a política sobre drogas, diminuir o acesso a armas de fogo e melhorar o investimento na área técnico-científica das polícias judiciárias são os principais, de acordo com o advogado Antonio Pedro Melchior, doutor em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).
"Temos um desafio de diminuir ou restringir o acesso às armas de fogo. Precisamos também ter uma política voltada aos jovens brasileiros que não seja a apreensão pura e simples de menores e adolescentes sem cometimento de crime", acrescentou, em referência à iniciativa do governo do Rio de Janeiro de apreender menores de idade sem flagrante.
O especialista ainda defende que a política de segurança pública tem de ser mais "focada na inteligência" e "na não violência e no não racismo estrutural".
Para Melchior, a política de segurança pública está ligada a outras políticas que asseguram direitos à população e, assim, é preciso não apenas o investimento em ferramentas de inteligência, mas também em toda a área técnico-científica das polícias judiciárias, que trabalham em apoio à segurança pública. Este, segundo ele, é um desafio para este ano.
"É preciso investir numa estrutura de polícia judiciária que seja mais capaz de, com inteligência, produzir elementos que possam efetivamente ser utilizados pela persecução penal de forma segura".
Segundo o diretor, o IBCCRIM entende que um grande desafio é uma política de segurança pública que não seja racista, que não seja focada unicamente no confronto bélico, mas em preparo técnico. Ele avalia ainda que as unidades de perícia técnica "são muito pouco" valorizadas no país, o que prejudica a consolidação de uma política de segurança pública "realmente sólida".
Parte importante da segurança pública está nas mãos dos estados, com as Polícias Militar e Civil, e do município, com as guardas municipais. Mas, segundo o especialista, o Governo Federal tem um papel relevante na área. "Ele estabelece diretrizes gerais de atuação, de política pública a curto, médio e longo prazos, e também é capaz de exercer controle efetivo a respeito de como as polícias e outros órgãos de segurança pública estão atuando", diz.
Na distribuição constitucional de competência, é dever e direito de governadores nomear quem comandará a Polícia Civil, por exemplo. "De certa maneira, o fato de os governadores escolherem aqueles que entendem como mais confiáveis a exercer esse trabalho retira um pouco do Governo Federal a capacidade de ingerência direta nas políticas de segurança pública".
"É muita responsabilidade pegar um país do tamanho do Brasil e colocar tudo no colo do Governo Federal. Agora, não é possível eximir ninguém do dever não apenas da segurança pública, mas também da micro segurança pública, aí entendida como as políticas voltadas aos jovens, às crianças, os adolescentes, que também são obrigações de todos os entes".
A professora Joana Monteiro, coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança Pública (CCAS), da Fundação Getulio Vargas (FGV), também destaca o papel do Governo Federal na área de segurança. "No Brasil, criou-se uma narrativa, que na minha visão é errada, de que a segurança é um dever principalmente dos estados da federação. É um problema do Estado, e o Governo Federal, assim como nas outras áreas de governo, como educação, saúde e assistência, tem um papel enorme de articulador e promotor".
Segundo Monteiro, o Governo Federal tem papel de estruturar governança, ou seja, dizer qual é o papel de estados e municípios, e os de articular e construir o sistema de informação da área de segurança pública, e criar e fazer ações horizontais fundamentais para facilitar o andamento do campo.
Um exemplo é o aplicativo Celular Seguro, lançado no dia 20 de dezembro. "Esse é o tipo de medida que, para mim, é espetacular. Eu trabalhava na Secretaria de Segurança, vi de perto a Secretaria de Segurança do estado do Rio tentando implementar isso em 2017 e 2018. Não era exatamente isso, mas era uma espécie de bloqueio do celular a partir do e-mail, uma vez com celular fosse roubado", relembra a Joana Monteiro.
Ela acrescenta que o governo fluminense não conseguiu fazer isso porque um governo de estado tem um poder muito mais limitado para negociar com a agência reguladora de telefonia, a Anatel, e com a Federação Brasileira dos Bancos, a Febraban, envolvidos nessa iniciativa.
"Quando você coloca o Ministério da Justiça fazendo essa negociação, muda completamente. Tanto que eles conseguiram".
O Celular Seguro é uma ação de abrangência nacional. "Tem várias pautas como essa que alguns estados estão tentando empurrar, mas não vão conseguir nunca. Quando você coloca o ator do Governo Federal, muda completamente o jogo".
A professora avalia que ter uma possibilidade de bloquear celulares com os bancos tende a ter um efeito enorme sobre esse tipo de crime, mesmo que não afete tanto a frequência, que ela acredita que afetará. "Ele afeta o tamanho do dano que esse crime pode fazer, de atingir muita gente".
Como problemas que permaneceram para este ano na área de segurança pública e que o Governo Federal precisa enfrentar, ela cita a não centralização do cadastro de armas, que facilitaria a identificação de armas de fogo; e impossibilidade de a polícia de um estado acessar a identidade civil de um morador de outro.
"Você aborda uma pessoa na rua, quer saber quem ela, a polícia estadual tem acesso às identidades civis de quem mora naquele estado, ela não sabe dos outros. Então, isso tem um efeito sistêmico gravíssimo para investigação", pontua.
Primeiro ano
Questionado sobre como avalia, de uma maneira geral, a atuação do Executivo federal no campo da segurança pública no primeiro ano do governo Lula, Antonio Pedro Melchior disse que, em sua avaliação, em primeiro lugar, "o problema da segurança pública jamais seria resolvido por um governo de uma forma tão rápida".
"Envolve problemas estruturais da sociedade brasileira. Portanto, os investimentos que o governo teria feito no campo do combate ao dito crime organizado, ainda se mostram insuficientes para lidar com a questão, mesmo porque seria preciso associar as providências do Governo Federal às providências colocadas em campo pelos governos estaduais".
Segundo o diretor do IBCCRIM, por se tratar de um tema que exige uma cooperação entre os estados e municípios muito intensa, em que pese o governo Lula ter se esforçado, por meio do ministro Flávio Dino, no enfrentamento do crime organizado e da violência, ainda não é possível dizer "que tenha sido suficiente para aumentar até mesmo a sensação de segurança". Seja da população trabalhadora, muito mais afetada pelas guerras entre facções, seja "a dita elite econômica do país, que sofre também com assaltos e outros tipos de conduta".
"Ainda é muito cedo para concluir a respeito de medidas que possam ter sido tomado pelo governo Lula, os investimentos parecem estar bastante concentrados nessa questão do crime organizado e do tráfico de drogas, associado a isso".
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Para o doutor em direito, em grande parte, a atuação do governo na área está no caminho certo, mas há ao menos um ponto que o IBCCRIM discorda: a preferência dada ao enfrentamento à criminalidade relacionada ao comércio ilegal de drogas.
Na avaliação da professora Joana Monteiro, o governo Lula ainda está se posicionando na área da segurança pública. "Eu acho que eles deram mais importância para isso, está se falando bastante, estamos em uma crescente, mas não é claro para mim ainda qual a visão que o Governo Federal vai adotar nessa área".
Ela relembra que uma das ações adotadas pelo Executivo em 2023 foi a assinatura de um decreto que prevê a Garantia de Lei e da Ordem (GLO) em portos e aeroportos no Rio de Janeiro e em São Paulo.
"Sou muito cética em uso de GLO", pontua Joana. Em sua visão, a GLO, em especial a que foi aplicada, "é muito mais" uma medida para o governo sinalizar que está fazendo algo do que de fato efetiva. "E não quiseram fazer uma GLO extensa, que nem foi feita, botar tanque na rua, ainda bem. Porque eu acho que as Forças Armadas não tem que estar envolvidas na segurança pública do dia a dia".
Mudança do ministro
Conforme Antonio Pedro Melchior, a mudança do ministro da Justiça e Segurança Pública, que deverá ocorrer nas próximas semanas, poderá "dar um enfoque diferenciado em algumas questões".
"O ministro Flávio Dino tem opiniões ou manifestou opiniões a respeito dos direitos, por exemplo, a progressão de regime e outras atitudes até mesmo muito críticas a decisões judiciais, que acaba tendo um toque pessoal dele, que talvez outra pessoa, respeitando melhor a forma com a qual os Poderes vão exercendo a sua própria função, no âmbito da segurança e também da Justiça, não realizasse".
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Joana Monteiro diz que gostaria que o novo ministro fosse uma pessoa mais associada à área de gestão de segurança pública, de política pública. "O que a gente precisa é alguém que pense em política pública de segurança".
No Brasil, ressalta, acredita-se que segurança pública é igual a polícia e apenas a polícia pode opinar sobre o assunto, mas, na verdade, "tudo que a gente fala, por exemplo, de programas de prevenção, esse exemplo mesmo no Celular Seguro, não é uma questão de polícia fazer isso". Trata-se, ressalta, de "uma questão sistêmica por você facilitar a investigação, facilitar investigação de dados administrativos".
Balanço
Em um comunicado divulgado na última quinta-feira (21.dez), a Presidência da República apontou ações adotada pelo governo na área da segurança pública em 2023.
"Empenhado em fortalecer a segurança pública em todo o país, o Governo Federal apresentou iniciativas inovadoras e abrangentes no ano de 2023. Desde a prevenção da violência contra as mulheres, passando pelo combate ao tráfico de drogas e a proteção do meio ambiente, cada ação destaca o compromisso do governo no enfrentamento das complexidades do setor", ressaltou.
"Entre as resoluções, destacam-se o relançamento do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), a criação do Plano de Ação na Segurança (PAS) e do Plano Amazônia, a discussão a respeito da política sobre drogas, os investimentos no sistema penitenciário e na assistência aos egressos", acrescentou.