O que é adultização? Especialistas alertam sobre riscos e formas de proteger crianças após polêmica
Prática representa um problema real, com consequências duradouras, e combatê-la exige uma combinação de vigilância e regulação

Caroline Vale
O debate sobre a adultização ganhou destaque nos últimos dias após uma denúncia em vídeo do youtuber conhecido como Felca, mas especialistas alertam que o problema está longe de ser novo. O vídeo do influenciador e humorista teve mais de 30 milhões de visualizações no YouTube.
No vídeo de 50 minutos, Felca aborda a adultização de crianças, citando “coachs mirins” e até crianças que falam sobre investimentos na internet, fala sobre pedofilia e denuncia o influenciador Hytalo Santos por suspeita de exploração sexual de menores de idade em conteúdos publicados nas redes sociais.
Hytalo, que já era investigado pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB), teve sua conta no Instagram derrubada após a repercussão. Antes de ter o perfil desativado, o influenciador gravou um vídeo negando as acusações e disse que colabora nas investigações.
O vídeo de Felca viralizou e vem mobilizando políticos e outras personalidades públicas, que agora estão debatendo sobre o assunto. O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), inclusive, anunciou que deve colocar em votação nesta semana projetos para proteção de crianças e adolescentes nas redes sociais.
Mas, afinal, o que é adultização?
O termo adultização descreve a exposição precoce de crianças a conteúdos, comportamentos, responsabilidades ou estéticas próprias da vida adulta, antes que elas estejam preparadas emocional, física e cognitivamente para lidar com isso.
A pediatra Dra. Anna Bohn, da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), define: “A adultização infantil se refere à exposição contínua a conteúdos, seja tela ou livros, hábitos, linguagem ou comportamentos inerentes à fase adulta ainda na fase da infância. Isso configura riscos importantes à saúde mental, emocional, além de poder ser enquadrado como crime em alguns cenários, propiciando abuso infantil”, afirma.
Enquanto a pedagoga Mariana Ruske, fundadora da Senses Montessori School, reforça que o núcleo do problema é “o roubo de etapas importantes da infância”.
Exemplos que configuram adultização
- Exposição a filmes adultos;
- Exposição a cenas de sexo ou violência;
- Obrigação de ser responsável e cuidar de irmãos menores;
- Presenciar brigas constantes dos pais, conversas constantes sobre problemas financeiros, entre outros;
- Reproduzir gestos e coreografias de teor erótico;
- Uso de maquiagens e roupas de adulto.
Segundo Mariana, isso pode acontecer de forma sutil, “como roupas e maquiagens sugestivas, até em situações mais sérias, como falar sobre temas adultos sem filtro ou participar de atividades que exijam maturidade emocional que ela ainda não tem.”
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Quais são os riscos da adultização?
O impacto da adultização infantil vai além do que muitos pais imaginam. Para Anna Bohn, os riscos incluem “aumento de probabilidade de sofrer violências, além de traumas psicológicos com aparecimento de ansiedade ou depressão a longo prazo”.
Ela acrescenta que “crianças expostas a conteúdo e linguagens adultas têm sexualização precoce e se tornam mais vulneráveis a abuso sexual, por não conseguir reconhecer e impor limites”.
Mariana destaca que a exposição precoce quebra “o ritmo natural do desenvolvimento”, gerando insegurança, ansiedade, baixa autoestima e distorção de valores.
“A criança adultizada não entende o que de fato está acontecendo, não tem córtex pré-frontal maduro suficiente para tomar decisões por si ou compreender as consequências dos seus atos e falas. Sem senso crítico competente, reproduz e valoriza coisas e comportamentos de forma mecânica e tem sua personalidade moldada de fora para dentro”, explica a pedagoga.
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Embora não seja um fenômeno novo, a adultização encontrou nas redes sociais um acelerador. “O problema com as redes é a amplificação destes contextos, junto com a falta da vigilância familiar, dado que muitos acreditam que seus filhos estão seguros dentro de casa, mesmo que estejam usando telas”, afirma Anna Bohn. Ela alerta que os algoritmos “não são feitos para proteger as crianças, mas sim para vender conteúdo”.
"Outro ponto de grande perigo é a chance de sofrer algum tipo de violência ou abuso, facilitados muito pelas redes. Uma foto infantil pode atingir centenas, milhares ou ate milhões de predadores escondidos por tras das telas em segundos", ressalta a especialista.
Mariana complementa que as plataformas digitais também criam “um ambiente de comparação e validação constante”, que atinge crianças e adolescentes.
“Elas passam a se comparar com padrões irreais de corpo e vida, e a buscar aprovação por meio da imagem, antes mesmo de entenderem o próprio valor. A infância é uma fase extremamente sensível e plástica do cérebro. O que acontece ali não fica ali, é levado para a vida toda”, diz.
Como proteger crianças e adolescentes?
As especialistas concordam que a proteção começa em casa. Para Anna, “informação é poder” e é preciso conversar sobre riscos, estabelecer limites de acesso, como evitar celular antes dos 13 anos e redes sociais antes dos 16, e acompanhar de perto o que a criança consome.
"Essa geração já nasce imersa nas redes e tecnologias e rapidamente sabem mais que os próprios pais sobre o tema. É preciso informar sobre os riscos, falar sobre o que é seguro e o que não é e ser ponte de escuta quando algo fugir do adequado. As criancas precisam saber que podem e devem denunciar e ter um adulto de confiança. Mas para isso essa conversa precisa existir", destaca.
Mariana acrescenta que é fundamental oferecer experiências adequadas à idade, ensinar pensamento crítico e fortalecer a autoestima para reduzir a necessidade de validação externa.
Além da ação das famílias, ambas defendem políticas públicas mais rigorosas. Anna propõe “regulação e responsabilização das grandes empresas de tecnologia com urgência” para rastrear conteúdos inadequados e dificultar o ingresso de crianças nas plataformas.
As especialista também defendem regras claras e fiscalizadas para publicidade infantil, campanhas educativas e punições consistentes para adultos que exploram imagens sexualizadas ou adultizadas de crianças.