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Ninho do Urubu: quais foram os argumentos do juiz para absolver réus por incêndio em CT do Flamengo

Incêndio ocorrido em fevereiro de 2019 deixou 10 jovens atletas mortos e outros 3 gravemente feridos; meninos mortos tinham entre 14 e 16 anos

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Centro de Treinamento do Flamengo, o Ninho do Urubu | Tomaz Silva/Agência Brasil
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A Justiça do Rio de Janeiro absolveu, nesta terça-feira (21), sete réus no caso do incêndio no Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo, ocorrido em fevereiro de 2019. A tragédia, iniciada com o curto-circuito de um aparelho de ar-condicionado, matou 10 jovens jogadores das categorias de base do rubro-negro, com idades entre 14 e 16 anos, e deixou outros três gravemente feridos (relembre abaixo).

+ Justiça do Rio absolve réus do incêndio no Ninho do Urubu

A decisão foi proferida pelo juiz Tiago Fernandes de Barros, da 36ª Vara Criminal da Comarca da Capital, que considerou a ação improcedente. O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro havia pedido, em maio deste ano, a condenação de todos os acusados por incêndio culposo, alegando negligência na instalação e manutenção dos contêineres que eram usados como alojamentos para os atletas. Ainda cabe recurso.

Os réus absolvidos foram:

  • Márcio Garotti, diretor financeiro do Flamengo entre 2017 e 2020;
  • Marcelo Maia de Sá, diretor-adjunto de patrimônio do Flamengo;
  • Danilo Duarte, engenheiro responsável técnico da NHJ, empresa de contêineres
  • Fabio Hilário da Silva, engenheiro responsável técnico da NHJ
  • Weslley Gimenes, engenheiro responsável técnico da NHJ
  • Claudia Pereira Rodrigues, responsável pela assinatura dos contratos da NHJ
  • Edson Colman, sócio da Colman Refrigeração, que realizava manutenção nos aparelhos de ar-condicionado

O magistrado destacou na sentença a falta de provas da conduta culposa dos réus e a impossibilidade de estabelecer uma ligação direta entre as ações dos sete denunciados e o início do incêndio. Veja abaixo os principais argumentos do juiz Tiago Fernandes de Barros.

1. Ausência de conduta culposa

O magistrado destacou que, embora o incêndio tenha sido comprovadamente originado em um aparelho de ar-condicionado do alojamento, não havia elementos concretos que demonstrassem a responsabilidade direta dos réus na instalação, manutenção ou falha do sistema elétrico. As provas técnicas e testemunhais não permitiram atribuir culpa individual a nenhum deles.

"Ainda que existam indícios de irregularidades, não há elementos suficientes que permitam atribuir, a cada um dos acusados, a prática de conduta típica e dolosa", diz a sentença.

Para o juiz, mesmo ciente de irregularidades administrativas, o diretor-financeiro do Flamengo na época do incêndio, Antônio Garotti, não pode ser responsabilizado. "A mera ciência de irregularidade administrativa, sem poderes de decisão técnica ou de interdição, não configura culpa penalmente relevante", diz na decisão.

"A atuação dos réus, sejam os responsáveis e funcionários da empresa NHJ, sejam os profissionais do Flamengo, foi pautada em suas atribuições funcionais e na confiança de que os demais atuavam igualmente de forma regular", afirma Barros.

2. Ligação entre ação dos réus e início do incêndio

A decisão ressaltou que não ficou comprovado que os réus tenham agido com dolo (intenção) nem com culpa consciente (negligência, imprudência ou imperícia grave). O magistrado entendeu que eventuais falhas estruturais do centro de treinamento poderiam ser atribuídas a uma gestão institucional mais ampla, e não diretamente aos acusados.

"Para que se preenchesse a tipicidade do incêndio culposo, seria necessário (além dos outros requisitos) estabelecer uma cadeia causal sucessiva entre uma conduta descuidada; a criação de um mecanismo efetivamente apto a produzir a ignição, ou o incremento de risco de um mecanismo preexistente com igual potencial; e a ignição propriamente dita", cita Barros.

O juiz afirmou que o incêndio decorreu de uma cadeia de omissões e falhas coletivas, que envolviam diferentes setores e períodos de tempo. Dessa forma, não seria possível individualizar a conduta penalmente relevante de cada réu, elemento essencial para uma condenação criminal.

3. Dúvida sobre a causa do incêndio

Barros afirmou que a perícia do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) não conseguiu demonstrar o que causou o início do incêndio no alojamento. Os peritos não teriam realizado testes em laboratório e chegaram a conclusão de que o fogo começou no interior do ar-condicionado por meio de descrições contidas no manual do fabricante.

"A conclusão de que o fogo teria se originado por causa própria no interior do equipamento não se baseou, portanto, em teste de reprodutibilidade, mas em inferência comparativa realizada sobretudo a partir do manual, o que deixa em aberto a possibilidade de hipóteses alternativas não afastadas pelo laudo", diz a sentença.

4. Certificações internacionais válidas

De acordo com o juiz, "todos os réus tinham ciência de que os materiais empregados eram dotados de certificações internacionais europeias, válidas no país, e atuaram dentro das normas vigentes à época dos fatos".

O uso de contêineres era amplamente difundido e aceito para finalidades cotidianas, segundo Barros, que na decisão citou bases de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) como exemplo.

"Ainda que o incêndio tenha decorrido de falha em equipamento específico e sua propagação tenha sido favorecida por materiais e estrutura construtiva inadequados tanto à contenção do fogo quanto ao rápido escoamento dos atletas, decerto o uso dos contêineres representava um risco socialmente tolerado à época", diz.

Incêndio no Ninho

No dia 8 de fevereiro de 2019, 10 atletas da categoria de base do Flamengo morreram no alojamento do centro de treinamento do clube, em Vargem Grande, na zona oeste do Rio. Eles dormiam no local quando um incêndio começou – a estrutura dos dormitórios, com contêineres interligados, tinha materiais inapropriados, como apurado depois.

Os meninos mortos no incêndio no Ninho do Urubu tinham entre 14 e 16 anos. Outros três jogadores ficaram gravemente feridos.

As 10 vítimas fatais da tragédia no Ninho do Urubu | Reprodução/Redes sociais
As 10 vítimas fatais da tragédia no Ninho do Urubu | Reprodução/Redes sociais

Relembre quem são as vítimas do incêndio no Ninho do Urubu:

  • Christian Esmério, goleiro de 15 anos
  • Athila Paixão, atacante de 14 anos
  • Arthur Vinícius de Barros Silva Freitas, zagueiro de 14 anos
  • Bernardo Pisetta, goleiro de 14 anos
  • Gedson Santos, atacante de 14 anos
  • Jorge Eduardo Santos, volante de 15 anos
  • Pablo Henrique da Silva Matos, zagueiro de 14 anos
  • Rykelmo de Souza Viana, volante de 16 anos
  • Samuel Thomas Rosa, lateral-direito de 15 anos
  • Vitor Isaías, atacante de 15 anos
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