Mães de Cabo Frio vs. Brasil: entenda julgamento que ocorre na Corte Interamericana de DH
Estado brasileiro pode ser condenado por violações de direitos humanos de 96 recém-nascidos mortos em UTI neonatal de clínica de Cabo Frio (RJ)

Emanuelle Menezes
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) realiza nesta sexta-feira (26) uma audiência de julgamento do caso "Mães de Cabo Frio vs. Brasil", que apura violações de direitos humanos relacionadas à morte de 96 bebês na UTI neonatal da Clínica Pediátrica da Região dos Lagos (Clipel), em Cabo Frio (RJ), entre junho de 1996 e março de 1997.
A audiência acontece desde 8h30 na Corte Suprema do Paraguai, em Assunção, e pode ser acompanhada ao vivo (com tradução simultânea para o português) no canal do Youtube da Corte IDH.
Essa é a primeira vez que o Brasil é julgado internacionalmente por violações ao direito à saúde de recém-nascidos e familiares. Segundo a denúncia, os bebês foram vítimas de negligência médica e falhas de fiscalização do Estado brasileiro, que não teria agido para prevenir e investigar adequadamente a contaminação hospitalar responsável pelas mortes.
Entenda
Ao menos 96 recém-nascidos morreram na UTI neonatal da Clínica Pediátrica da Região dos Lagos (Clipel), em Cabo Frio, no Rio de Janeiro, entre junho de 1996 e março de 1997. Segundo relatos, os bebês foram internados mesmo diante de sinais de infecção hospitalar já existentes.
Famílias denunciaram falta de higiene, irregularidades no atendimento e negligência médica. Um laudo do Instituto Fernandes Figueira, da Fiocruz, concluiu que a alta mortalidade só poderia ser atribuída à contaminação hospitalar.
Apesar de ser privada, a Clipel recebia recursos públicos do Sistema Único de Saúde (SUS) para manter a unidade de terapia intensiva – na época, a única UTI neonatal da Região dos Lagos.
Processos administrativos e judiciais, no entanto, não responsabilizaram médicos ou gestores. O Ministério Público denunciou homicídio culposo, mas após quase 10 anos, todos foram absolvidos por falta de provas. Ações de reparação civil também foram rejeitadas.

A denúncia foi apresentada inicialmente pela organização Projeto Legal, em 2000, e depois assumida pela Associação Mães de Cabo Frio. Desde 2024, as famílias são representadas pela ONG Justiça Global.
Em 2022, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) concluiu que o Brasil falhou em investigar e punir os responsáveis, não garantiu os direitos à vida, saúde e integridade dos recém-nascidos e violou o princípio da igualdade e não discriminação, ao não considerar a vulnerabilidade das mães – em situação de puerpério e em sua maioria negras. Além disso, destacou o sofrimento psicológico prolongado das famílias devido à ausência de verdade e justiça.
O caso foi levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos em março de 2024. O Brasil é acusado de violar artigos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e da Convenção de Belém do Pará.