Estudantes acusam anulação injusta do Enem; conheça os casos
Alunos correm contra o tempo para se inscrever no Sisu; Justiça reverteu apenas um dos casos
Depois de um longo período de estudos, tensão durante as provas e a expectativa para ter os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023, 18 estudantes denunciam que tiveram o teste anulado de forma injusta. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), estes alunos teriam se recusado a entregar o cartão-resposta, a folha de redação e/ou a folha de rascunho dentro do tempo do Exame.
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No entanto, parte dos alunos saiu com os cadernos de questões em mãos, o que, em caso de desclassificação, não seria permitido, de acordo com o regulamento elaborado pelo próprio Inep.
Há ainda relatos de estudantes que foram os últimos a sair da sala onde as provas foram aplicadas, o que os obriga a assinar a ata de presença final. As denúncias foram feitas em oito estados diferentes.
Veja de onde vieram as denúncias:
- Seis são em Mato Grosso
- Quatro no Rio de Janeiro
- Três em São Paulo
- Uma em Minas Gerais, Paraná, Distrito Federal, Ceará e no Rio Grande do Norte.
Inep, Cebraspe (associação que aplica o Enem) e Ministério Público Federal
A reportagem enviou os dados dos candidatos para apreciação do órgãos. Confira as respostas no final da reportagem.
Conheça os principais casos por estado
Mato Grosso
Marcela dos Santos Bertazzo, de 17 anos, Maria Vitória Tertuliano Rodrigues e Marco Antônio Soave Rodrigues, de 18 anos, realizaram as provas na mesma sala em uma escola em Cuiabá. Em um dos testes, os três foram os últimos a sair e assinaram a ata da sala final.
Quando as notas do Enem saíram, no último dia 16, Marcela ficou surpreendida com a anulação da prova e entrou em contato com sua amiga.
“Por sorte, eu já conhecia a Maria Vitória, que estudou comigo no ensino médio e achei que ela podia ser uma testemunha minha, quando peguei no meu celular e abri o Instagram recebi uma mensagem dela perguntando se podia me ligar. Na hora eu me toquei, a primeira coisa que perguntei pra ela foi 'você foi eliminada também?' A gente chorou juntas e decidimos entrar na justiça para buscarmos o nosso direito, afirma.
Nas redes sociais, Marcela contou sua situação e alcançou mais de 150 mil visualizações.
Maria Vitória entrou com um processo contra Inep e conseguiu uma liminar na Justiça Federal, na segunda-feira (22), para que fosse possível a consulta da nota e a inscrição nas vagas ofertadas pelo Sistema de Seleção Unificada (SISU).
Depois de muita espera, somente nesta quarta-feira (24) a estudante conseguiu acessar a nota. Mesmo sendo a única que conseguiu reverter sua situação até o momento, ela não pode se inscrever no SISU.
De acordo com a 3º Vara Federal Cível da SJMT, a coordenadora da escola onde os candidatos realizaram a prova afirmou que não houve anulação naquela unidade. O nome dela não foi revelado pela Justiça. Já Marcela e Marco, que denunciaram os casos à Ouvidoria da Inep, continuam com os testes cancelados.
São Paulo
Estudante de um cursinho popular Geva, Anna Beatriz da Conceição, de 18 anos, buscava o curso de filosofia. Ela conta que nos dois dias de prova, realizado em Guarulhos, Grande São Paulo, a aplicadora validou seu Exame. Se tivesse sido desclassificada, ela não poderia levar o conteúdo da prova para casa. E ela levou.
Ao conferir o resultado, percebeu a eliminação. Anna procurou ajuda jurídica no Centro XI de Agosto da Universidade de São Paulo (USP). Um novo processo contra o Inep e a União foi aberto solicitando uma liminar, na segunda-feira (22), mas ainda não houve deferimento na justiça.
Para o advogado João Grigoletto, quanto antes os alunos conseguirem entrar com processo, melhor, já que eles necessitam ser tratados com urgência, uma vez que a inscrição para o Sisu se encerra no dia 25. “É importante que seja apresentada uma denúncia ao Ministério Público para que seja possível a representação dos direitos coletivos”.
O sufoco da estudante Natália Vitória da Cruz, de 19 anos, que pretende cursar publicidade e propaganda, e realizou a prova na capital paulista, começou mais cedo, após perder o documento de identidade. Ela só foi liberada para fazer o Enem porque apresentou um Boletim de Ocorrências. Mesmo assim, Natália foi eliminada sob a mesma argumentação (não apresentação do cartão-resposta).
Distrito Federal
Depois de um ano completo de estudos, aos 41 anos, Jôsi Brandão pretendia utilizar a nota do Enem para ingressar em uma faculdade de medicina. Confiante no dia da prova, a aluna foi uma das três últimas a sair e assinou a ata final, no segundo dia do Enem.
A família foi conferir o resultado em conjunto e ficou surpresa com o que viu.
“No primeiro momento todos ficamos sem acreditar, como se tivéssemos recebido a notícia de uma fatalidade. Pensamos que só tinha acontecido com ela, foi quando encontramos o post no twitter mostrando que mais pessoas estavam passando por essa situação. Começamos a fazer denúncias em todos os meios possíveis: Fala.Br, Ministério Público Federal e ao Inep. Só neste último, foram 4 e-mails, todos sem resposta”, conta a filha Beatriz Brandão.
No entanto, no caso de Jôsi, o Inep apresentou uma justificativa para sua eliminação e, em seguida, a alterou. Veja o 1º e o 2º motivo :
Rio de Janeiro
Moradora da Ilha do Governador, Thais Isabella Santos de Souza, de 19 anos, que prestaria para enfermagem, terminou o primeiro dia de prova de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e a Redação, por volta das 17h30. Quase 15 minutos depois, ela já havia avisado aos pais sobre o término da prova.
Ela lembra como foi a fiscalização:
“Eu entreguei tudo. O aplicador era o chefe de sala e o tempo todo ele estava cobrando ali, falando: ‘Gente: veja se vocês assinaram tudo, veja se vocês entregaram tudo’. E ele estava cobrando. Então, não tinha como eu não entregar minha prova. Não existe essa possibilidade. E, se por acaso eu quisesse me recusar a entregar minha prova eu teria que assinar um termo dizendo que eu estou me recusando a entregar minha prova. Mas isso não aconteceu em momento nenhum”, diz.
Com o objetivo de cursar economia na Universidade Federal de Fluminense, a estudante Anna Julia Pereira Mendes, de 20 anos, residente de Guaramirim, também foi uma das três últimas a assinar a ata de presença final.
“Alegaram que eu fui eliminada por não entregar o cartão resposta. Eu fiz o procedimento todo certinho. Saí minutos antes do horário final da prova e foi isso. Além do caderno de questão, minha localização do celular mostra que eu saí de lá às 18h20 e a prova terminou às 18h30”, conta.
Minas Gerais
“Mesmo na hipótese de eu ter extrapolado o tempo de 5 horas e 30 minutos do primeiro dia e 5 horas do segundo dia e recusado a entregar o material da prova, conforme alegado na eliminação, em momento nenhum eu fui abordada pelos ficais e nem por outros responsáveis pela aplicação do Enem, sobre a suposta infração cometida. E reafirmo que o documento foi entregue aos fiscais antes do tempo de término da prova”.
Essa é parte da denúncia de Mariana Augusta Soares dos Passos, de 19 anos, enviada ao Fala.Br, Inep e Cebraspe sobre sua situação de desclassificação da prova.
“Fico à disposição das autoridades competentes, confiando na apuração célere e justa para esclarecimentos e resolução do fato, em tempo de participar na concorrência dos processos seletivos do SISU, PROUNI e demais acessos universitários do ano de 2024, concluiu”.
Mariana, que ia escolher o curso de medicina, saiu um pouco antes do horário final da prova e não recebeu resposta alguma de suas queixas.
Ceará
Este foi o segundo Enem de Sarah Beatriz de Brito Farias, que faz cursinho para entrar em medicina. Se sentindo bem preparada, ela preferiu ficar até o final das provas e, com isso, assinou a ata nos dois dias do Exame.
“O fiscal não reclamou de nada, ninguém da sala reclamou de nada em momento algum, inclusive me desejaram boa sorte, eu fiz no campus da UFC daqui, em Fortaleza, eu passando pelos corredores, fiscais até brincando assim, o próximo não é você aqui. Tudo ocorreu numa boa, sabe, nenhuma reclamação, nenhum indício de eliminação, muito pelo contrário”, alega.
“Eu investi mais de ano da minha vida.. Investimento de tempo, que é um bem preciosíssimo. Você se priva de muita coisa sendo estudante. Tudo em prol de alcançar seus objetivos e, quando meio que descartaram todo o seu ano, a troco de nada, de uma alegação falsa e absurda, injusta, isso doeu muito”.
A aluna abriu um chamado na ouvidoria e enviou e-mails para o Inep e ao Ministério Público, mas suas solicitações não foram respondidas.
Rio Grande do Norte
Vinicius Luiz da Silva, realizou a prova em Natal. Quando percebeu que foi eliminado, a sensação foi a mesma: “Um banho de água fria. Um ano inteiro perdido por um erro do sistema do Inep ou algo do tipo”, afirma.
Vinicius, que saiu mais cedo, lembra até a quantidade de linhas que escreveu na redação e aponta que foi mais um dos possíveis prejudicados.
“Eu fiz, no primeiro dia eu entreguei a redação tudo direitinho, deu 27 linhas no total. Aí eu acabei, chamei o fiscal, ele veio até mim e eu entreguei pra ele a minha redação, o gabarito. Ele olhou se eu marquei tudo direitinho da parte antes do gabarito. Ele viu tudo direitinho, se eu tinha assinado tudo corretamente e aceito a prova. Entreguei tudo direitinho e saí. No segundo dia, o fiscal novamente pegou, olhou tudo direitinho e aceitou minha prova. E, no final, deu como se eu tivesse sido eliminado, só que isso não aconteceu. Não tem como eu ter sido eliminado sendo que no primeiro dia eu saia às 17h00, no segundo dia eu saí às 16h00. Não tem como eu ter me recusado a entregar o cartão resposta porque é literalmente obrigatório”, afirma.
Paraná
Lays Bastos dos Passos Benitez ficou horas tentando acessar o site do Enem por conta da instabilidade no sistema.
"No momento em que eu vi que fui eliminada achei que só era um erro do site, tentei várias e várias vezes de novo e só dava a eliminação, comecei a perceber que era verdade e me bateu um desespero. Chorei muito, minha família me acalmou mas até agora eu me sinto angustiada porque foi um ano inteiro perdido", lembra.
O que disseram o Inep, Cebraspe e o Ministério Público Federal
Em nota, o Cebraspe afirmou que não tem autorização para responder as demandas sobre o Enem, que ficam concentradas no Inep.
Até o momento, o Inep e o Ministério Público Federal não responderam. Quando houver posicionamento, o SBT News atualizará a reportagem.