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Brasil

"Eu temo que a memória dele seja apagada", diz prima de Jean Charles de Menezes

Morte do brasileiro que foi confundido por um terrorista pela polícia de Londres completa 20 anos nesta terça-feira (22)

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Patrícia Armani, prima de Jean Charles de Menezes | Foto: Sérgio Utsch
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Quando chegou ao monumento em homenagem às vítimas dos atentados de 7 de julho de 2005, em Londres, Patrícia Armani tinha um buquê de flores nas mãos. Ela passou pelo meio das 55 estruturas de aço inoxidável instaladas no lado leste do Hyde Park, na região central da capital britânica. As flores foram deixadas junto à placa onde estão cravados os nomes daqueles que morreram nas explosões no ônibus e nas estações de metrô.

Ao lado dos pilares de 3,5 metros que pesam 850 quilos cada, foi um vazio que chamou a atenção dela. "Sinto falta de algo aqui. O número 53, que seria o meu primo. Ele é tão vítima quanto, né". Duas semanas atrás, estavam ali naquele mesmo lugar o primeiro-ministro, Keir Starmer, o prefeito de Londres, Sadiq Khan e o Príncipe William, lembrando os 20 anos do pior atentado terrorista da história recente do Reino Unido.

Em outra ponta da cidade, uma celebração na Catedral de São Paulo teve pétalas lançadas ao ar, música, orações e a leitura do nome das 52 vítimas. Não houve nenhuma menção a Jean Charles de Menezes, morto pela polícia na estação de Stockwell, depois de uma série de erros, que fizeram com que ele fosse confundido com um dos terroristas.

"Não teve justiça. Ficou o dito pelo não dito. Eu acho que se fosse um cidadão britânico, um inglês, com certeza teria tido mais atenção, mais carinho", afirma a prima de Jean sobre o fato de nenhum policial jamais ter sido processado ou condenado pelo assassinato.

Apesar de vítima indireta do atentado terrorista, o nome de Jean não está em nenhum monumento. "Quem tem esse carinho, esse cuidado todo, somos nós, eu e meus primos. Da parte do país, do governo da polícia, não", afirma Patrícia.

A única referência ao brasileiro é um mural no lado esquerdo da entrada da estação de Stockwell, onde ele levou 7 tiros na cabeça naquele 22 de julho de 2005. É ali que Patrícia, primos e amigos, britânicos inclusive, vão todos os anos pra fazer o que o governo se recusa. A cerimônia acontecerá novamente nesta terça-feira (22), quando completam-se 20 anos da tragédia que, segundo a família, é ignorada pelas autoridades de Londres.

"Vinte anos depois, eles lidam (com o caso) como se nada tivesse acontecido. Eles ignoram totalmente. Não tem esse carinho todo, esse zelo. Não tem. É como se o Jean não existisse. Eu temo muito que a memória dele seja apagada aqui nesse país".

Patrícia mostra uma das poucos lembranças que tem com o primo, uma foto de papel de 2005, um tempo ainda não totalmente digital. Vinte e um anos atrás, ela veio trabalhar em Londres como faxineira com a ajuda de Jean Charles. Hoje, tem uma pequena empresa de limpeza.

Patrícia Armani com o primo Jean Charles de Menezes | Foto: Arquivo pessoal
Patrícia Armani com o primo Jean Charles de Menezes | Foto: Arquivo pessoal

Naquele 22 de julho, o primo cuja história inspirou séries, documentários e um filme, saía para trabalhar. Um dia antes, outro grupo de terroristas tinha tentado um segundo ataque em Londres. As bombas acabaram não explodindo. Dentro de uma das mochilas, a polícia encontrou uma carteirinha de academia com um endereço que levava ao mesmo prédio onde Jean e Patrícia moravam.

Londres era uma cidade em tensão máxima. Não era uma questão de se, mas quando iria acontecer. "Ele sempre tava ligando, perguntando se tava tudo bem, pedindo pra gente não andar de metrô. Ironicamente, ele usou o metrô e foi morto".

A polícia chegou a sugerir que Jean resistiu à prisão e que se parecia com um terrorista, mas um inquérito público provou que o assassinato do brasileiro foi um dos mais graves erros da história da corporação. Os pais de Jean receberam uma indenização de 100 mil libras. Na época, era o equivalente a cerca de R$ 300 mil.

Antes de deixar o monumento no Hyde Park, Patrícia faz um desabafo: "Assim como eles refletem também sobre essas 52 pessoas, ´a qual´ eu respeito muito a memória e a família deles, mas que o público também refletisse sobre o meu primo, no que aconteceu com ele, no absurdo que aconteceu, apenas refletir e que não esquecesse, apenas isso".

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