Enem 2025 tem salto de 191% em inscrições de 60+: "Enquanto houver meta, é hora de estudar"
Exame registrou aumento no número de participantes com mais de 60 anos; conheça histórias de recomeço e amor pelo saber

Caroline Vale
"Tarde demais nunca chega", constata Ricardo Dias Ferreira Santos, de 64 anos, que sonha em ser professor. Ele é um dos 17.192 participantes com mais de 60 anos inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2025, número que representa um aumento de 191% em relação à edição de 2022.
Ricardo vive justamente no estado que mais registrou esse crescimento: o Rio de Janeiro, com 3.087 idosos inscritos, seguido por São Paulo (2.367) e Minas Gerais (1.997).
Após a primeira prova do Enem, no último domingo (9), o morador de Maricá está otimista e confiante de que sua nota tenha sido tão boa quanto a do ano passado, quando fez o exame pela primeira vez. "Meu filho, universitário em uma federal em Boituva, me garantiu que foi boa a pontuação para quem estava 'enferrujado' nos estudos. Mas eu perdi a segunda prova, porque adoeci. Agora, tentando mais uma vez", conta ao SBT News.
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Quem também está cheia de expectativas é Silvia Regina França, que fará 60 anos em breve. Moradora do Guarujá (SP), ela presta o Enem pela primeira vez movida pela curiosidade. O gabarito extraoficial saiu no mesmo dia da prova, mas ela só conferiu dias depois:
"Eu acho que essa é a grande diferença que a gente tem na maturidade... A gente não tem pressa. Isso é o que nos habilita a sabedoria." Silvia comemorou ao acertar 68 das 90 questões no primeiro dia.
Sonho de concluir uma graduação
Ricardo é um apaixonado por tecnologia. Ao longo da vida, foi militar da Força Aérea Brasileira (FAB), instrutor de informática, técnico de computadores, gestor de redes, corretor de imóveis e profissional de marketing digital, trabalhando atualmente como social media autônomo.
Mesmo com um currículo extenso, ele ainda não concluiu uma graduação, seu principal objetivo com o Enem. Ricardo deseja cursar história ou letras. O empurrão que ele precisava para fazer a prova veio de seu filho.
"Sinto falta de duas coisas que já fiz: voar e dar aulas. Tentei a faculdade três vezes, mas não consegui terminar nenhuma. Fazer o Enem, agora, me permitirá voltar ao ambiente acadêmico e me qualificar para dar aulas, o que sempre gostei, mais que tudo", afirma.
Já Silvia, mãe de dois adolescentes, entrou no exame por outro motivo: o autoconhecimento. Ela já fez pedagogia, comunicação social, marketing e trabalhou por muitos anos nessas áreas. Hoje, aposentada, busca novas experiências e decidiu fazer a prova para se desafiar.
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"Eu entrei em depressão, fui atrás de terapias integrativas e alternativas. Me curei e fiz a formação de terapeuta integrativa. Hoje eu atuo com a saúde mental, emocional e física... acompanhei o processo da minha filha no Enem e, quando meu filho começou o ensino médio, falei: 'É bom fazer para testar, né?' E fui fazer junto com ele", relembra.
Sem um objetivo específico, ela vê no Enem uma forma de seguir em movimento: "O Enem pra mim é um desafio e eu espero que se torne uma celebração do aprendizado ao longo da vida, porque vai depender da minha performance".

Tema da redação fez jus ao momento atual
O tema da redação deste ano foi "Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira" e gerou identificação imediata entre os candidatos 60+.
Para Ricardo, o assunto não poderia ser mais pertinente: "Tema atualíssimo. Uma preocupação constante, pois assim como cresce o número de idosos, diminui o de nascimentos, e muito em breve teremos um colapso na Saúde e na Previdência, por falta de políticas públicas preventivas, planejamento, seriedade e estratégias".
Silvia, terapeuta, também se emocionou ao ver o tema na folha da redação: "Foi muito legal falar dentro do que eu vivo. (...) Essa imagem que a gente tinha no passado de que idoso era aquele que ficava em casa fazendo crochê não é mais uma realidade. A gente vê, em todas as áreas, profissionais de 80, chegando a 90 anos, e tendo alta performance e resultado, porque a vida é um espiral e ela continua. A gente só vai acrescentando e nos dando mais condições de aprendizagem".
"E como na filosofia oriental: é preciso valorizar os idosos, é preciso valorizar o tempo de vida. É possível ter qualidade de vida na terceira idade, com hábitos saudáveis e relações de pertencimento. Usei até as zonas azuis do mundo na minha redação e defendi a criação de políticas públicas."
Como foi o dia da prova
O primeiro dia do Enem 2025 teve 73% de presença entre os 4,8 milhões de inscritos, em 1.805 municípios brasileiros. Foram aplicadas 90 questões de Linguagens e Ciências Humanas, além da redação. Ambos escolheram o inglês como idioma para as questões de linguagens.
Para Ricardo, o domingo começou cedo e sereno: "Acordei muito cedo, fui de ônibus, estava com minha 'playlist mental' de jazz na cabeça... percebi que havia mais 50+ na sala do que no ano passado. Alguns estavam ali por influência dos filhos".
Silvia, por sua vez, viveu a ansiedade da estreia e, antes da prova, foi fazer uma caminhada à beira-mar. "Preparei meu lanche, mas lá pelas 11h comecei a ficar nervosa... Cheguei cedo, então vi muitos jovens tremendo, outros distraídos. Fiquei surpresa com o número de carteiras vazias. Mesmo assim, me concentrei, fiz a prova até o fim e saí cansada, mas feliz. Foi gostoso ver como o Enem hoje mede raciocínio e interpretação, não só memorização."
"Eu tive ajuda para conseguir desligar meu celular quando cheguei. E eu entendi todo o processo de segurança, mas, nossa, fiquei espantada de ter que ter revista de metais na entrada e saída do banheiro, mas entendo... A gente tem que se precaver contra as fraudes, mas isso intimida um pouco."
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À espera do segundo domingo de Enem
No próximo domingo (16), os participantes enfrentarão mais 90 questões, desta vez de Matemática e Ciências da Natureza. "Vamos ver como eu vou me sair... é mais exatas, né? Química e física são mais difíceis. Vou me preservar mais durante o dia para não estar cansada e conseguir dar o meu melhor", destacou Silvia.
Já Ricardo demonstrou temer o reencontro com sua "velha inimiga": "Na mesma batida, mas com a preocupação de nunca ter sido bom em matemática. A expectativa é de um bom resultado, até pelo esforço em combater essa dificuldade".
"Assim como Richard Bahr dizia, em seu livro homônimo, 'Longe é um lugar que não existe!', tarde demais nunca chega. Sempre é hora de partir para a luta e se superar. Enquanto houver uma centelha de curiosidade e uma meta a alcançar, é hora de estudar, se preparar e se formar."
Ambos destacam a importância de ter uma meta, independente da idade. "Para se chegar aos 95 anos é preciso querer viver tudo o que isso implica. Para se alcançar um objetivo, seja na educação, no trabalho, e na vida, é preciso querer... apaixonadamente", finaliza Ricardo.
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