Crime de racismo: em dez anos, registros de ocorrência aumentam 740% em SP
Levantamento exclusivo do SBT News aponta que apenas um em cada seis boletins resultam na abertura de uma investigação
Em dez anos, o número de boletins de ocorrência registrados pelo crime de racismo aumentou 741%, no estado de São Paulo. Em 2013, houve 255 registros em delegacias do estado. Em 2023, foram 1890.
Os dados são de um levantamento exclusivo do SBT News realizado por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). O racismo ocorre quando há discriminação ou preconceito por causa da cor da pele, como quando uma pessoa negra é proibida de acessar um local ou não consegue um trabalho. O crime de injúria racial é quando alguém é ofendido por causa de sua cor.
Para Wescrey Portes, pesquisador e sociólogo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o aumento do registro dos boletins não significa necessariamente um salto da violência, mas o crescimento da necessidade da sociedade em denunciar as discriminações raciais e não tolerar esse tipo de discriminação.
De acordo com o levantamento, entre 2013 e março de 2022, de 3595 boletins de ocorrência, apenas 613 deram início a uma investigação. Isso significa que, a cada seis denúncias registradas, apenas uma resulta em um inquérito policial. A partir de abril de 2022, a Secretaria de Segurança Pública deixou de informar os desdobramentos dos boletins.
Recusa da denúncia
Na visão do especialista, mesmo com o aumento dos registros, os crimes de racismo ainda são subnotificados, o que faz com que a luta por uma sociedade igualitária esteja longe de chegar ao fim.
É o que denuncia a vítima Andreia Aparecida. Mãe de Paula Aparecida, uma menina negra de nove anos que precisa de tratamento para uma síndrome genética. Andreia levava a filha para uma clínica conveniada na Praia Grande, litoral de São Paulo.
Após meses de tratamento, Andreia foi barrada na recepção do local e, quando aguardava o início da terapia de Paulinha, recebeu a informação de que "a filha estava sendo desligada da clínica".
Segundo a mãe, a decisão da instituição foi "por puro racismo". Ela conta que todas as crianças eram alimentandas pelos profissionais da instituição, mas a comida de Paulinha era obrigatoriamente dada pela mãe. Ela era a única criança negra no espaço e a única que a clínica não tirava fotos em eventos, entre outras discriminações.
Andreia questionou o motivo da decisão e a clínica argumentou que o caso de "Paula era delicado e a diretoria achou melhor fazer o desligamento e, que se mãe quisesse, poderia chamar a ouvidoria", segundo documento entregue à mãe.
Andreia acionou a Polícia Militar e depois foi à delegacia, mas em ambas situações a autoridade não quis dar continuidade na ocorrência.
Outro lado
O SBT News pediu um posicionamento para a Clínica Almai, mas não teve resposta. A Secretaria de Segurança Pública contestou os números da reportagem e informou que dispõe da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, especializada no combate a crimes de intolerância.
"Sobre a Decradi: unidade especializada na investigação e combate a crimes de intolerância, abrangendo diversas naturezas, incluindo racismo, xenofobia e discriminação contra a população LGBTQIAPN+. Além de suas atividades investigativas, também oferece pareceres consultivos em casos de eventuais alterações legislativas que visem melhorar o atendimento às vítimas e criar um ambiente mais acolhedor dentro da polícia. Embora tenha atuação concentrada na capital paulista, a Decradi não é a única delegacia apta a apurar delitos desta natureza. Delitos dessa natureza podem ser registrados em qualquer delegacia territorial ou por meio da Delegacia Eletrônica".