Personagens de junho: Vanessa, filha do cinegrafista Santiago Andrade
Jornalista recorda morte do pai, atingido na cabeça por um rojão durante um protesto
Emanuelle Menezes
Liane Borges
No dia 6 de fevereiro de 2014, o jornalismo sofreu seu mais duro golpe durante aquele ciclo de manifestações iniciado em junho de 2013. Desencadeados pelo aumento no valor da passagem do transporte público no Rio de Janeiro e em São Paulo, em 2013, os protestos seguiram acontecendo no ano seguinte. Até que veio um rojão.
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Santiago Andrade, repórter cinematográfico da TV Bandeirantes, acompanhava um ato na Central do Brasil, centro do Rio de Janeiro, naquele dia. Manifestantes ocupavam as ruas contra o reajuste no valor da passagem, anunciado pelo prefeito Eduardo Paes. A nova tentativa de aumento, que havia sido suspenso em 19 de junho de 2013, voltou a causar revolta.
O cinegrafista, pai da jornalista Vanessa Andrade, foi atingido por um rojão na cabeça, atirado por dois manifestantes: Fábio Raposo e Caio Silva de Souza. Quatro dias depois, em 10 de fevereiro, ele teve a morte cerebral constatada.
Os dois suspeitos do crime respondem em liberdade pelos crimes de homicídio doloso qualificado e explosão. Eles ficaram presos até março de 2015, quando foram soltos por um habeas corpus. Em 2016, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a dupla iria a júri popular, o que não aconteceu até hoje. O julgamento de Fábio e Caio foi marcado para 12 de dezembro.
Vanessa, filha única de Santiago, lembra do pai com muito carinho.
"Já são quase 10 anos, né, sem meu pai, que era um cara incrível, de quem eu era e sou ainda uma grande fã", afirma ela.
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O dia 6 de fevereiro
Ela conta que, por ser da imprensa, também estava trabalhando na cobertura da manifestação do dia 6. Já estava anoitecendo quando recebeu um telefonema. O pai havia sido levado para o Hospital Souza Aguiar, no centro da cidade, após ficar ferido.
Sem saber a gravidade dos ferimentos, Vanessa foi a primeira a chegar ao hospital. Ela queria entender o que tinha acontecido antes de avisar a mãe, a professora Arlita Andrade.
"Eu fui a primeira a saber e a primeira a chegar no hospital também. Eu não tinha contado ainda para minha mãe, porque eu queria entender o que tinha acontecido, porque quando ele foi atingido e eu recebi a ligação, cada hora alguém comentava uma coisa. Então quando eu cheguei no hospital, para tentar entender, a primeira informação que eu recebi é de que tudo ia ficar bem. A gente não imaginava que era tão grave assim", diz ela.
Mas o cinegrafista havia sofrido um afundamento de crânio. Quatro dias depois, em 10 de fevereiro, a morte cerebral de Santiago Andrade foi constatada. Desde então, a família espera pela punição dos dois suspeitos de participação na morte.
"Desde aquele fevereiro de 2014, o que a gente vive, a minha família, são anos de espera, né? A gente não consegue encerrar esse capítulo, porque são 10 anos em que a gente tem quase que uma sensação... Não vou dizer de impunidade, mas de demora de ver a justiça acontecer", afirma a filha.
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Espera por justiça
Dez anos após o início das manifestações contra o aumento das passagens, Vanessa, que apoiava as mobilizações nas ruas, acredita que a espera por justiça é uma pena que a família paga há anos.
"Parece que é um julgamento para a gente, de ter que esperar. Essa espera é também uma pena para a gente, que a gente tem que suportar, enquanto a gente sabe que tem duas pessoas que estão por aí, nas ruas. Pessoas que tiraram a vida de um homem trabalhador, honesto, íntegro, que estava fazendo a sua parte, que era justamente levar para a sociedade as informações, levar o olhar dele para quem estivesse em casa assistindo", declara.
Para ela, o assassinato do pai, em praça pública, merece uma punição mesmo sem acreditar mais que os suspeitos de atirarem o rojão vão voltar para a cadeia.
"Eu não sei mais se eles vão voltar para a cadeia, eu realmente não tenho mais essa certeza [...] São dois acusados que merecem ter a punição devida pelo crime que eles cometeram, que foi assassinar um trabalhador em uma praça pública, diante de milhares de pessoas. Esse preço eu preciso que eles paguem", completa Vanessa.
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