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Brasil

Junho de 2013: 10 anos da revolta nas ruas que sacudiu o país

Ciclo de protestos, que começou por R$ 0,20, deu voz a diferentes insatisfações e mudou a política

Imagem da noticia Junho de 2013: 10 anos da revolta nas ruas que sacudiu o país
multidão nas ruas e um cartaz, que diz: vinte centavos eu não pago não | Marcelo Camargo/Agência Brasil
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6 de junho de 2013. Um grupo para a Avenida Paulista, no centro da maior capital brasileira, São Paulo, em protesto contra o aumento de R$ 0,20 na passagem do transporte público. As manifestações, que naquele dia ocorreram também no Rio de Janeiro, em Natal e em Goiânia, se ampliaram e passaram a dar voz para as mais variadas insatisfações, tomando as ruas de todo o país naquele mês e tendo influência significativa na política brasileira dos últimos 10 anos.

A socióloga Angela Alonso, escritora do livro Treze: A política de rua de Lula a Dilma, chama os acontecimentos de junho de 2013 de "ciclo de protestos". Para ela, o que aconteceu não foi um movimento único e sim vários pequenos movimentos.

"O efeito que a gente viu, principalmente entre 17 e 22, é o da simultaneidade dos diferentes", diz Angela Alonso.

Esses "diferentes", como são chamados pela socióloga, passaram a ocupar as ruas após os primeiros protestos do Movimento Passe Livre -- duramente reprimidos pela Polícia Militar e protagonizados por adeptos da tática black bloc. Segundo a professora, a violência policial contra os manifestantes teve efeito convocatório para novos atos. E foi assim que as ruas foram tomadas por movimentos diversos, como em um mosaico de insatisfações, que iam da esquerda até a direita no espectro político.

"O dia 17 é o primeiro dia de multidão efetivamente na rua. Até então o que a gente tinha era mais ou menos a normalidade do protesto no Brasil. A curva normal de manifestantes, de localidades, não tem muita diferença. A partir daí é que tem um crescimento exponencial, faz um pico", analisa a professora.

Black blocs

Os primeiros protestos, ainda capitaneados pelo Movimento Passe Livre e que reivindicavam a redução no preço da passagem, chamaram a atenção pela utilização de uma tática até então não muito conhecida no país. Eram os black blocs.

Com uma estratégia de "espetacularização do próprio ativismo", os integrantes desse movimento usavam da violência contra objetos e edifícios que representem o estado nacional e o capitalismo para protestar. Vidraças quebradas, caixas eletrônicos destruídos, ônibus pichados, fogo em lixo. A resposta veio em forma de repressão policial.

O auge dessa repressão foi o ato de 13 de junho, quando 235 pessoas foram presas e mais de 100 ficaram feridos. Entre os atingidos estavam profissionais da imprensa. A repórter da TV Folha, Giuliana Vallone, levou um tiro de bala de borracha no olho direito. O fotógrafo Sérgio Silva, que trabalhava para a agência Futura Press, também foi atingido por uma bala de borracha e perdeu a visão do olho esquerdo. O jornalista Pedro Ribeiro Nogueira foi agredido e preso pelos PMs, ficando três dias detido em uma delegacia.

Sérgio Silva, fotógrafo, perdeu a visão do olho esquerdo após levar um tiro de bala de borracha | Reprodução/Redes sociais

A resposta da Polícia Militar repercutiu, segundo Alonso, não só nas mídias tradicionais, mas também em novos espaços alternativos de mídias -- como a Mídia Ninja, que na época fazia transmissões on-line das manifestações pelo Facebook. "Aquilo tem um efeito de visibilização raro", afirma a socióloga.

"Gente esquisita"

A repressão gerou, de acordo com Alonso, uma mudança de clima no país, tendo "um efeito convocatório para novas manifestações".

É nessa onda de apoio aos protestos que surge uma "gente esquisita", como os próprios movimentos que ocupavam as ruas naquele momento chamavam um certo grupo de manifestantes.

"Nas entrevistas que eu fiz, ainda em junho de 2013, os meus entrevistados, que eram de movimentos de esquerda, diziam: eles são uma gente esquisita, a gente não sabe quem eles são... então tinha um grande desconhecimento e eles não foram tornados legítimos como interlocutores políticos", afirma a professora.

Essa "gente esquisita" aos movimentos de esquerda acaba tendo maior adesão nos atos, que passaram a ecoar o slogan "não é só pelos 20 centavos". Os partidos políticos, que participaram dos primeiros protestos (como o PSOL e o PSTU), foram expulsos das ruas aos gritos de "sem partido". "Vinte centavos, a tarifa, era o slogan de uma parte da rua que chamou mais a atenção por causa do uso da tática black bloc e que a mídia focalizou", diz a socióloga, que continua:

"Do outro lado, a gente pode dizer que houve uma desatenção para movimentos que eram relevantes, muito maiores. Por exemplo, o Nas Ruas era um movimento que tava organizado, praticamente em todas as capitais, tinha capilaridade, tinha uma rede de Facebook de convocação, e é como se ele não tivesse existido ali naquele contexto."

Pautas dos protestos passaram a ser mais difusas | José Cruz/Agência Brasil

A chegada desses novos movimentos, com pautas mais difusas, foi percebida também pelos policiais. Em um memorando da Polícia Federal, de 17 de junho de 2013, o delegado Luís Eduardo Melo de Castro aponta que novos temas, como corrupção e gastos com grandes eventos já faziam parte das reivindicações dos manifestantes. Em junho de 2013, começaria a Copa das Confederações no Brasil e, nos anos seguintes, a Copa do Mundo (2014) e a Olimpíada do Rio (2016).

"Nesse sentido, os discursos e as pautas de simpatizantes e manifestantes não se resumem mais ao simples aumento dos preços das passagens de ônibus, mas já incluem temas como corrupção, gastos com grandes eventos e qualidade de vida", diz o documento.

Anti-petismo: um histórico dos governos petistas

"O clima anti-PT se instaura com muita força" em 2013, analisa Angela Alonso. Mas, segundo ela, para entender essa situação é necessário voltar à 2003, primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente da República.

A socióloga analisa que o Partido dos Trabalhadores deixou um "vácuo na rua" ao virar governo, já que a legenda foi criada através da participação de movimentos de rua, como sindicatos e grupos estudantis. 

"Toda vez que tem governo, numa democracia, tem oposição. Então, ao longo dos anos Lula, começam a se formar três oposições de rua, ao governo, que tem a ver com os assuntos que vão aparecendo também ao longo do governo", afirma a socióloga.

As oposições, segundo a professora, seriam relacionadas à agenda redistributiva (Bolsa Família, ampliação do acesso ao ensino superior, programas de distribuição de renda), uma "guerra contra o comunismo" (que aparece após tentativas do governo de rever a violência da Ditadura Militar) e por último os temas envolvendo a moral (pública, com casos de corrupção como o Mensalão; e privada, com oposição a temas como aborto, casamento de pessoas do mesmo sexo e uma lei de drogas).

"É um pacote cheio de problemas que o Lula transmite para o 3º mandato petista", conclui Alonso.

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