Participação social em segurança alimentar: conheça o Consea
Conselho reativado pelo governo busca combater a fome e promover alimentação saudável
O Governo Federal anunciou a instituição oficial, a reestruturação e a atualização de oito conselhos de perfil social no início de abril. Segundo o Planalto, a retomada dos conselhos está vinculada ao compromisso que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estabeleceu, com movimentos da sociedade civil, "de estabelecer uma gestão talhada ao diálogo, capaz de ouvir todas as vozes para a formulação e aplicação de políticas públicas".
Participação social é inserida no governo com retomada de conselhos
Sociedade civil é uma organização privada (não pertecentes ao governo, sem a participação de empresas e sem fins lucrativos) que atua para uma agenda social, como combate à fome ou à promoção de direitos das mulheres, por exemplo.
Visto que os conselhos permitem e incentivam a participação da sociedade civil na formulação de políticas públicas, o SBT News apresenta cada um dos conselhos em uma série de nove reportagens ao longo dos próximos fins de semana.
O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), primeiro conselho reestabelecido pelo governo, ainda em fevereirto, inicia a série.
Consea
O Consea é um órgão de assessoramento imediato à Presidência da República que promove a participação social na formulação, no monitoramento e na avaliação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional.
Foi criado em 1993 pelo presidente Itamar Franco, mas substituído em 1995, por Fernando Henrique Cardoso, por outro programa. Então, em 2003, foi reativado por Lula e passou a estar mais conectado à Presidência da República. No entanto, foi desativado em 2019 no governo Bolsonaro, voltando a existir em 2023.
Na reinstituição, o governo reconduziu os mesmos representantes da sociedade civil e ministérios que participavam do conselho antes de sua desativação.
De acordo com a Secretaria Geral da Presidência, a qual o Consea pertence, o Conselho é entendido como um "pacto" pela segurança alimentar, pelo combate à fome, pela promoção do direito à alimentação saudável e pela produção de comida de qualidade. Ainda:
"Um pacto que reconheça saberes, sabores, fazeres e falares de um país com a diversidade do Brasil, e que possibilite a formulação de políticas públicas consensuais e eficientes", aponta a Secretaria.
No decreto de criação do Consea estão listados 12 objetivos, entre eles: mobilizar e apoiar as entidades da sociedade civil na discussão e na implementação da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e zelar pela realização do direito humano à alimentação adequada e pela sua efetividade.
Sociedade Civil
O Consea é composto por 60 membros titulares e suplentes, dos quais dois terços representam a sociedade civil e um terço representa o governo.
Segundo a professora da Faculdade de Saúde da Univerisdade de Brasília (UnB) e especialista em políticas públicas em soberania e segurança alimentar e nutricional, Doutora Anelise Rizzolo de Oliveira, a participação da sociedade civil no Consea é "definidora".
Ela conta que tal estrutura foi pensada para garantir uma relação de escuta maior da sociedade pelo Estado, na medida em que este se reconhece, de certa forma, como um "gestor".
"Desde a origem da temática de soberania segurança alimentar nutricional, houve esse cuidado para que esse espaço e essa circulação de entidades escuta fosse amplo o suficiente para que o governo pudesse arbitrar, pudesse escutar", diz.
A presidente do Consea, Elisabetta Recine, disse que o Consea buscou ter representantes de todas as representaçãoes brasileiras.
"Quem é a sociedade civil? São quebradeiras de coco, pescadores, indígenas dos quatro cantos, agricultores familiares, camponeses, negros e negras, representantes do semiárido, do campo, das florestas, das águas. Gente com diversas formas de reverência ao sagrado", contou.
Veja todos os representantes da sociedade civil no consea aqui
O presidente Lula, durante assinatura de reativação do Consea, também destacou a importância da participação civil no Conselho.
"Só assim a gente garante que seja um instrumento de pensamento, de construção e de execução de políticas para cuidar do combate à fome e à miséria", disse. "Quando a gente confia no povo e permite que o povo decida a política que vamos implementar, a certeza do sucesso é muito real", concluiu Lula.
Combate à fome
Com contribuição do Consea e estratégias do estado brasileiro desde a década de 1990, o Brasil saiu do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2014. O Mapa da Fome é um instrumento que apresenta o número de pessoas que enfrentam a fome e estão em insegurança alimentar no mundo. Um país entra no Mapa quando mais de 2,5% de sua população enfrenta a falta crônica de alimentos.
Segundo a ONU, o Brasil voltou ao Mapa em 2018 e atingiu o indíce de 4,1% da população com fome crônica em 2022, quando o Consea já estava desativado há 3 anos.
Para o ministro da Secretaria-Geral, Márcio Macêdo a volta da fome no Brasil coincide com o fim do Consea. Ele afirmou, durante cerimônia de reativação do Conselho, que o Brasil no mapa da fome é "criminoso", posto que o país é um dos maiores produtores de alimentos do mundo.
"De todos os problemas que o Brasil enfrenta, o mais revoltante, vergonhoso e criminoso é o da fome. Somos um dos maiores produtores mundiais de alimentos, com terra e clima desenhados para a agricultura sustentável. Temos recursos mais do que suficientes para garantir a segurança alimentar e nutricional do povo, e ainda assim milhões passam fome", falou.
Apesar da contribuição do Consea na retirada do país no Mapa da Fome, Rizzolo diz que ainda existem muitos objetivos a serem conquistados. Segundo a professora, isso não sinalizava que todo o trabalho tivesse pronto, mas "mostrava um movimento para que a sociedade, cada vez mais, se responsabilizasse pela dimensão ética da fome e das desigualdades".
Conquistas do Consea
A professora Anelise Rizzolo afirma que houve uma tradução do papel do Consea enquanto um espaço institucional político que "transbordou para fora do governo". Para ela, a sociedade se apropriou da discussão sobre segurança alimentar.
"Apesar de todos os percalços que a gente viveu na luta na defesa da alimentação, quanto direito, houve um crescimento, um amadurecimento dessa dimensão, e acho que a ausência de algumas conquistas que já estavam sendo consolidadas movimentou a sociedade para que ela valorizasse o tanto que a gente tava conseguindo caminhar", afirma.
Veja abaixo algumas conquistas da sociedade brasileira por meio das atividades do Consea:
- Inclusão do direito à alimentação saudável na Constituição Federal
- Exigência da presença de um profissional de nutrição nas escolas públicas Aquisição de 30% da merenda escolar junto à agricultura familiar
- Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para doação a familias de baixa renda, garantindo renda e promovendo o acesso à alimentação
- Lei de Segurança Alimentar e Nutricional, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), com o objetivo de assegurar o direito humano à alimentação adequada
- Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), responsável por estabelecer parâmetros para a elaboração do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
- Incremento de programas de financiamento da agricultura familiar, como Pronaf, Plano Safra e outros
- Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, que tem por objetivo integrar, articular e adequar políticas e ações voltadas ao desenvolvimento sustentável
*Fonte: Secretaria-geral da Presidência da República
Alimentação como mercadoria
Rizzolo comenta que o Consea sempre trabalhou no sentido de refletir, pensar estratégias e gerar soluções para minimizar os impactos que a lógica de conceber o alimento como mercadoria.
Segundo a professora, essa lógica coloca toda sociedade brasileira em risco, desde a ponta da produção até a ponta do consumidor.
"Desde aquele agricultor que vai lá e planta e muitas vezes se coloca em risco pela manipulação do uso de agrotóxicos, ou sem proteção do Estado em termos de subsídio para plantar e para vender, até a outra ponta da cadeia que são as pessoas que comem essa comida também com agrotóxico, que não tem condições de comprar uma comida saudável", afirma.
Ela conta que o Consea atua nos aspectos relacionados ao aumento do uso de agrotóxicos, à flexibilização do plantio de transgênicos, às ameaças da indústria alimentícia e à fragilização de "materiais institucionais importantes, como o guia alimentar para a população brasileira, que identifica aqueles alimentos ultra processados, que são um risco para saúde pública".
De acordo com a pesquisadora, a desigualdade no Brasil contribui para o cenário, porque um salário baixo permite que se compre alimentos baratos, ricos em gordura trans, que proporcionam doenças crônicas, como diabetes, hipertensão, obesidade etc.
"A gente sabe que hoje os mais pobres que são os obesos, os diabéticos, os hipertensos. Então é uma complexidade que precisa estar engajando a sociedade", diz. "Hoje a gente vive as contradições de uma lógica capitalista que assim como gera riqueza e pobreza, gera obesidade, desnutrição, anemia, osteoporose", afirma.