FALSO: É falso o áudio atribuído a Ciro Gomes sobre tomada de poder pelas Forças Armadas
Confira a verificação realizada pelos jornalistas integrantes do Projeto Comprova
Projeto Comprova
Falso: É falso o áudio atribuído a Ciro Gomes (PDT) sobre um esquema armado para eleger Luiz Inácio Lula da Silva (PT) presidente da República e uma consequente tomada de poder pelas Forças Armadas caso isso aconteça. Peritos consultados pelo Comprova e a assessoria de imprensa do político negaram a veracidade do material. Segundo os técnicos, a gravação fraudulenta foi gerada a partir de técnicas de deepfake.
Conteúdo investigado: Suposto áudio com voz atribuída a Ciro Gomes afirma que existe um conluio para eleger Lula presidente da República, e que as Forças Armadas estão cientes e prontas para tomar o poder após a vitória do ex-presidente. Responsável pela postagem da gravação no Facebook diz na publicação: "Então é só esperar que está chegando a hora. Presidente Bolsonaro tá com a caneta na mão pra decretar a intervenção militar no Brasil".
Onde foi publicado: WhatsApp e Facebook.
Conclusão do Comprova: É falso que seja Ciro Gomes falando em um áudio atribuído a ele com mensagem sobre a tomada de poder pelas Forças Armadas caso Lula seja eleito presidente da República. O áudio faz parte de um vídeo postado no Facebook, no último dia 3, que atingiu, até o dia 6, mais de um milhão de visualizações. Na gravação, é dito que as Forças Armadas estão cientes que existe um esquema armado para eleger Lula, e que, por isso, estão preparadas para tomar o poder caso o candidato do PT seja eleito.
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Ao Comprova, os peritos Mario Gazziro, da Universidade Federal do ABC (UFABC), Paulo Matias, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e Kalinka Castelo Branco, da Universidade de São Paulo (USP), analisaram o material e concluíram que o áudio é falso. Como base de comparação, os pesquisadores utilizaram áudio do discurso de Ciro Gomes na convenção nacional do PDT, que ocorreu no dia 20 de julho deste ano. A similaridade encontrada nos áudios foi de 47% ? o que indica que é falso. Gravações do mesmo autor devem apresentar similaridade acima de 80%, de acordo com Gazziro.
Procurada pelo Comprova, a assessoria de imprensa de Ciro Gomes respondeu que os áudios não são do ex-governador do Ceará. "Infelizmente as eleições de 2022 foram e estão sendo violentadas com diversas mentiras distribuídas por gabinetes de ódio montados pelas principais candidaturas", afirmou.
Outra evidência de manipulação, é o fato de o áudio não guardar relação com o posicionamento de Ciro Gomes, que divulgou, nesta terça-feira (4), vídeo em que afirma seguir a decisão do seu partido, o PDT, em apoio à candidatura de Lula no segundo turno.
"Frente às circunstâncias, é a última saída", declara Ciro Gomes, que ainda afirma, no vídeo, não acreditar que a democracia esteja em risco nesta disputa eleitoral.
Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova verifica conteúdos com grande alcance nas redes sociais. Até o dia 7 de outubro, a publicação no Facebook que deu origem à verificação tinha 1,3 milhão de visualizações, 64 mil curtidas, 66 mil compartilhamentos e 14 mil comentários. A postagem foi sinalizada como falsa no Facebook. Em relação à circulação no WhatsApp, não é possível dimensionar o alcance de conteúdos que viralizam no aplicativo de mensagem.
O que diz o autor da publicação: A equipe do Comprova entrou em contato com o responsável pela postagem no Facebook. Questionado sobre como obteve o áudio e por qual motivo decidiu compartilhá-lo sem confirmação de veracidade, ele respondeu que a voz é idêntica a de Ciro Gomes. E questionou: "Aonde está a declaração do partido dizendo que o áudio não é do Ciro?".
Como verificamos: Para descobrir a veracidade do áudio, o Comprova entrou em contato com profissionais de perícia para uma análise da gravação e buscou um posicionamento da assessoria de imprensa de Ciro Gomes. A equipe também pesquisou declarações recentes de Ciro sobre o atual cenário político nacional e sobre a legislação brasileira.
Laudo elaborado por peritos conclui que áudio é falso e configura deepfake
De acordo com o perito Mario Gazziro, quando a semelhança dos áudios é abaixo de 10%, é possível identificar que não se trata de um conteúdo verídico apenas pelo ouvido. Em casos de produção pela técnica deepfake, é necessário realizar uma análise cepstral ? criada inicialmente para identificar problemas no aparelho do trato vocal humano.
O resultado da análise realizada pelos peritos apontou que a similaridade do áudio verificado é de 47%. Quando abaixo de 10%, é provável que a fraude tenha sido realizada por um imitador. Já entre 10% e 80%, o conteúdo é gerado por meio de deepfake ? quando uma base grande de dados da voz é copiada e utilizada para gerar o text-to-speech (texto lido por uma voz aprendida artificialmente sintetizada via computador).
Ainda que a análise cepstral tenha sido criada para fins médicos, a combinação com técnicas modernas possibilita levantar a identidade vocal de um indivíduo analisado, conforme explicação do pesquisador da UFABC. "Do ponto de vista matemático, trata-se de uma análise em frequência que ?desembaralha? o espectro vocal e o atribui a uma escala de cores logarítmica, adequada à sensibilidade do ouvido humano para as frequências audíveis".
No laudo elaborado, a análise cepstral foi realizada a partir do áudio do discurso de Ciro Gomes na convenção nacional do PDT, quando o partido confirmou sua candidatura no dia 20 de julho de 2022. Segundo Gazziro, é importante que, na análise cepstral, as vozes comparadas sejam da mesma época em que a amostra foi supostamente gerada. "Uma vez que a análise cepstral identifica componentes do trato vocal, isso pode sofrer mudanças com o avanço da idade", explica.
Por fim, a análise gera um mapa relativo ao trato vocal. Gazziro explica que os mapas gerados se assemelham a impressões digitais dos dedos. Quando a gravação é feita pelo mesmo autor, a variação é baixa entre diferentes tipos de fala. Como exemplo, ele diz que se uma mesma pessoa cantar rápido em inglês e narrar calmamente em português em áudios diferentes, a similaridade ainda será acima de 80%, já que são gravações de mesma autoria.
| Mapa relativo ao trato vocal do áudio analisado
| Mapa relativo ao trato vocal da voz original de Ciro Gomes
Também procurado pelo Comprova, o perito forense computacional João Benedito dos Santos Junior, membro da Associação Nacional dos Peritos em Computação Forense (Apecof), fez uma análise preliminar, com base no critério de audibilidade, em que se utiliza apenas o ouvido treinado do perito como instrumento para a comparação de locutores. Ao analisar o áudio questionado em confronto com trechos de 10 áudios comprovadamente de Ciro Gomes, o perito concluiu que "há forte possibilidade de rejeitar a hipótese de que a voz (presente no áudio verificado) seja do senhor Ciro Gomes".
Assessoria de Ciro Gomes nega veracidade do áudio
Ao Comprova, a assessoria de imprensa de Ciro Gomes negou que o áudio seja verdadeiro. E encaminhou nota à equipe, com o seguinte teor:
"Infelizmente as eleições de 2022 foram e estão sendo violentadas com diversas mentiras distribuídas por gabinetes de ódio montados pelas principais candidaturas. São estruturas especializadas em criar fakenews e espalhar pelas redes, chegando, inclusive, a encontrar eco em alguns setores da mídia. Estes áudios claramente não são de Ciro Gomes", diz a nota, que também foi publicada nas checagens da Agência Lupa e do site Aos Fatos.
Artigo 142 não prevê intervenção militar no Poder Executivo federal
No áudio atribuído falsamente a Ciro, é dito que as Forças Armadas irão colocar em prática o Artigo 142 da Constituição Federal para restabelecer a ordem. No entanto, não há no artigo, nem no conjunto de normas da legislação brasileira, nenhum dispositivo legal que autorize a intervenção das Forças Armadas no governo.
Em 22 de abril de 2020, durante reunião ministerial cujo registro teve divulgação autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro citou o Artigo 142 como um dispositivo a ser empregado em um contexto de intervenção militar no país. Desde então, apoiadores passaram a repetir o discurso.
Em junho daquele ano, ainda durante a repercussão do conteúdo da reunião, a Câmara dos Deputados emitiu um parecer esclarecendo que o Artigo 142 não autoriza a intervenção militar a pretexto de "restaurar a ordem", como havia sugerido Bolsonaro.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam na internet relacionados às eleições presidenciais de 2022, à pandemia e a políticas públicas do governo federal. Áudios manipulados de uma personalidade política conhecida, como é o caso de Ciro Gomes, com falsa acusação de haver um esquema armado para eleger Lula, são prejudiciais às eleições, às instituições e ao Estado Democrático de Direito. E podem contribuir para contestações infundadas ao resultado das eleições presidenciais.
Outras checagens sobre o tema: O áudio atribuído a Ciro Gomes e verificado nesta checagem também foi apontado como falso pela Agência Lupa, Aos Fatos e Boatos.org. Também envolvendo as eleições presidenciais, o Comprova mostrou, recentemente, que Ciro Gomes não declarou apoio a Bolsonaro, ao contrário do que afirmava post; que não há comprovação de que urna tenha impedido voto em Bolsonaro no Pará; e que vídeo engana ao dizer que Lula pode ter candidatura anulada por conta da Lava Jato.
Investigação e verificação
O Dia e Estadão participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos UOL, O Popular, Piauí, Correio, Correio Braziliense, A Gazeta, CBN, Folha, SBT e SBT News.
Projeto Comprova
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 42 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Iniciado em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. Agora, na quinta fase, o Comprova segue verificando conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT e SBT News fazem parte dessa aliança.
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