Lei de cotas completa 10 anos e mitos ainda rondam as universidades
Pesquisadores que avaliam a legislação reforçam que a ação elevou o nível acadêmico
"Se a gente tivesse um desempenho ruim dos cotistas, diminuindo a média de notas gerais, pensariam em eliminar as cotas. Mas e se gente tivesse um desempenho ruim daqueles que entraram pelas vagas universais, iriam pensar em acabar com elas?" A provocação é de Maria Angélica Minhoto, coordenadora do Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência (SoU-Ciência), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
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De lá, junto com outros sete pesquisadores, desenvolveu o "Perfil e Trajetória Estudantil na Educação Superior", estudo sobre a mudança de aspectos de estudantes do ensino superior da área da saúde, que participaram das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enade) em 2013 e em 2019.
As épocas diferentes em que os pesquisadores se debruçaram a estudar, revelaram características surpreendentes da educação superior no Brasil.
A partir de 2013 passou a valer a Lei Federal 12.711, que reservou 12,5% das vagas para estudantes que tivessem feito todo o Ensino Médio em escolas públicas, com renda familiar de até um salário mínimo e meio por pessoa e se autodeclarado preto, pardo ou indígena. Nos anos seguintes, a taxas mínimas foram alteradas para 25,0% e 37,5%. Em 2016, para 50,0% das vagas. No final de 2016, uma atualização com a Lei 13.409/2016 passou a incluir um percentual de reserva para pessoas com deficiência.
Durante esses 10 anos, as críticas perderam força. Mas, ainda rondam universidades e comunidades com preconceito e desinformação.
Como, por exemplo, a possibilidade dos estudantes preparados em escolas públicas diminuírem o rendimento das universidades as quais ingressam. O estudo mostra o contrário. Vale ler o trecho:
"[...] à exceção da UFPB, todas as federais tiveram incremento na nota média se comparados os anos de 2013 e 2019. A UnB obteve nota média de 52,25, em 2013, e foi para 55,30, em 2019, uma elevação de 3,05 pontos em 100 possíveis; a UFF obteve em 2013 a nota média de 22,66 indo para 55,47, em 2019, elevando sua média em 32,81 pontos; a UFPA teve nota média de 43,21, em 2013, e foi para 47,11, em 2019, crescendo 3,9 pontos; a UFSC saiu de 50,03 e foi para 57,64, aumentando 7,61 pontos de 2013 para 2019; e a Unifesp, com média de 35,56, em 2013, elevou sua nota para 54,16, em 2019, aumentando a média em 18,6 pontos de um ano para outro. No caso da UFPB, é possível verificar que as médias têm diferença de menos de meio ponto (0,46) entre os anos de 2013 e 2019".
O mesmo ocorreu em instituições de ensino privadas e em várias regiões do país. Abaixo os dados comparativos:
"[...] quatro das cinco instituições tiveram incremento na nota média, ainda que apenas a Unicesumar tenha obtido média superior a 50 pontos, apenas em 2019. As privadas que elevaram suas notas foram 36 a Unicesumar, que saiu de 47,57 para 50,90, um aumento de 3,33 pontos na média da instituição; a UNIASSELVI, saindo de 34,18 para 40,78, em um aumento de 6,6 pontos; a Uninove que teve média de 20,20, em 2013, e foi para 39,69, em 2019, crescendo 19,49 pontos; e a Unip, que saiu de 35,07 para 44,58, aumentando sua média 2,28 pontos. As médias da Anhanguera e da Unesa caíram de 2013 para 2019 em 2,3 e 2,22 pontos respectivamente, com notas médias próximas a 40 pontos".
Para a pesquisadora, o desempenho no Enade "dificilmente é determinado pela qualidade da escola que o estudante veio e, sim, pela qualidade da universidade em que está. A instituição pode, diríamos, 'corrigir' o desempenho do estudante". Tais descobertas elevam o debate sobre a Lei de Cotas, que previa para esse ano, a reabertura do debate e uma possível revisão das normas, de acordo com Maria. "Sem as cotas a gente não conseguiria mudar o perfil do estudante brasileiro. A gente iria continuar reproduzindo a desigualdade social", conclui.