Metade das mulheres já teve dificuldades para comprar absorvente
Levantamento escancara cenário preocupante, onde a população pobre e preta é mais afetada; especialista comenta
Andrezza Pugliesi
A transformação de uma menina para mulher acontece, principalmente, após a primeira menstruação. No entanto, o processo biológico feminino pode desencadear problemas fisiológicos se não for tratado adequadamente, como a limpeza adequada da região íntima.
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Em meio a esses cuidados pessoais essenciais, jornal, papelão, folhas de árvores e retalho de pano -- aparentemente itens com funções definidas -- são alternativas degradantes usadas por parte da população brasileira de meninas e mulheres sem acesso básico à higiene, com escassez de informação e falta de apoio para conter a menstruação. A pobreza menstrual já é reconhecida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) como um dos graves problemas enfrentados por pessoas em todo o mundo.
Parte das jovens menstruam entre 11 a 13 anos, estágio de transição para a adolescência, quando ocorrem as primeiras descobertas. Com as novidades, os "efeitos" no corpo geram medo e angústia.
Uma pesquisa desenvolvida pelo Ensino Social Profissionalizante (Espro), organização para capacitação de adolescentes em busca do primeiro emprego, junto com a Inciclo, marca de coletores menstruais, dá luz a números preocupantes. O estudo ouviu 3.735 pessoas.
As desigualdades raciais e econômicas acabam por dominar o cenário preocupante da pobreza menstrual: 17% dos entrevistados, afirmando-se pretos com até dois salários mínimos, alegam não ter acesso à informação sobre menstruação.
Já entre a população geral com até uma remuneração básica, 50% garantiram não ter dinheiro em algum momento para comprar absorvente; 30% declaram ter faltado na escola durante o período menstrual por não ter o item de higiene; e outros 17% com renda de R$ 1.212 deixaram de ir para o trabalho pelo mesmo motivo.
Sem dinheiro para comprar o primordial, mais da metade (53%) sob a mesma condição financeira citada acima permaneceu com o mesmo protetor por longas horas para economizar.
Sem absorvente, sem água e sem rede de esgoto
Aproximadamente 713 mil meninas vivem sem acesso básico de higiene em casa, como banheiro ou chuveiro. E mais de quatro milhões não possuem acesso a produtos mínimos de cuidados menstruais nas escolas, indica o estudo Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos, realizado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
As jovens brasileiras ainda estão sob situação de grande vulnerabilidade social: 900 mil não têm acesso à água canalizada em casa e 6,5 milhões vivem em residências sem ligação à rede de esgoto.
Cortes e investimentos públicos
Ainda são poucas as políticas públicas para acolher jovens de baixa renda e em situação de rua ou de extrema vulnerabilidade.
Em outubro do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou a distribuição gratuita de absorventes íntimos em instituições públicas de ensino, para moradores de rua, presidiárias e outras pessoas em situação de vulnerabilidade.
Os estados Pernambuco, Piauí, Paraíba, Amazonas, Pará, Ceará, Bahia, Paraná, Roraima e Rio Grande do Norte pretendem adotar ou já sancionaram leis estaduais para distribuição gratuita do utensílio na rede de ensino.
Já em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) criou, em julho, o programa "Dignidade Íntima", com investimento de R$ 30 milhões na distribuição de produtos de higiene menstrual para cerca de 1,3 milhão de estudantes.
O SBT News conversou com Mariana Betioli, fundadora e CEO da Inciclo, obstetriz e especialista em saúde íntima; assista: