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Há 100 anos, Semana de Arte Moderna rompia com estilo clássico da Europa

No Theatro Municipal de São Paulo, grupo de artistas e intelectuais defendia incorporação da brasilidade às produções nacionais

Há 100 anos, Semana de Arte Moderna rompia com estilo clássico da Europa
Fachada do Theatro Municipal de São Paulo
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Na Praça Ramos de Azevedo, em São Paulo, o contraste entre o antigo e o moderno. Moderno, aliás, que esteve no foco dos artistas na segunda década do século XX. No endereço, no bairro da República, a homenagem a um dos mais importantes arquitetos do Brasil, responsável pelo projeto do Theatro Municipal. Na construção, há exatos 100 anos, um grupo de pintores, escritores, músicos e poetas se reuniam -- a Semana de Arte Moderna começava, rompendo com os padrões estéticos da arte europeia.

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No Theatro, o discurso A emoção estética na arte moderna, proferido pelo escritor maranhense Graça Aranha, abria o evento. Nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, ilustres passaram pelo edifício, com destaque para Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Menotti Del Picchia e Anita Malfatti.

Os maestros Ernani Braga e Heitor Villa-Lobos ficariam a cargo da música, que já traziam em suas composições elementos da brasilidade. Em Paris, estava Tarsila do Amaral. Na Cidade das Luzes, a pintora tem o primeiro contato com a arte moldada à estética do movimento. Embora não estivesse presente na Semana, à Tarsila foi conferido o título de grande pintora do Brasil, com obras que retratavam o cotidiano, temas sociais, e paisagens que ilustravam o interior do país.

"Era um contexto entusiasmado em relação aos novos caminhos de São Paulo, por conta riqueza do café. A resposta dos artistas e escritores foi pensar como colocar a linguagem artística em consonância com a linguagem frenética, moderna, em desenvolvimento na cidade", afirmou a professora Maria Eugênia Boaventura, do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em entrevista ao SBT News.

O escritor Mário de Andrade, um dos simbolos do modernismo brasileiro | Reprodução

Considerado um evento de contraposição ao parnasianismo, corrente ligada à tradição clássica europeia, a Semana de Arte Moderna impactaria as manifestações artísticas que viriam a seguir, influenciando uma geração de novos escritores, como Jorge Amado e o poeta Carlos Drummond de Andrade. 

Reinvindicando a incorporação do nacionalismo nas produções, os chamados "modernistas" defendiam a construção de uma nova narrativa em torno do significado de "ser brasileiro". Obras como os Manifestos Pau-Brasil e Antropófago, ambos escritos por Oswald de Andrade, foram lançadas. Mário de Andrade, por sua vez, foi autor de Macunaíma, livro cuja história girava em torno de um herói sem caráter nascido em uma tribo indígena na Amazônia.

"Era preciso nacionalizar a cultura brasileira. A ideia partia de uma crítica ao que seria a cultura hegemônica no Brasil até então. Desde o final do século XIX, ela tinha se levantando em torno da afirmação de valores e padrões estetícos que tinham o modelo europeu. A Semana representa o resultado de um processo de incorporação das tradições populares na ideia de nacionalidade", apontou Leonardo Pereira, professor do departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

As vanguardas, que eclodiam na Europa por meio de movimentos como o futurismo, cubismo e expressionismo, igualmente exerceram influência sobre o modernismo brasileiro, sendo expressos em quadros de Tarsila, Anita e Di Cavalcanti. "O modernismo pega as ideias radicais de mudança de concepção estética das vanguardas. O grupo que se reuniu no Theatro Municipal tinha conhecimento dessas manifestações", reiterou Martin Grossmann, professor na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

Na imagem, Pagu (à esquerda), ao lado de Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade | Reprodução

Para Boaventura, "as vanguardas alertaram os artistas a fazerem uma arte própria, independente, voltada ao cenário em que estavam. Havia um dilema do intelectual e do artista da época em como ser moderno, sobretudo em relação à Europa, e, ao mesmo tempo, manter a personalidade, fazer uma arte criativa".

Tal como no Velho Continente, o sentimento era de ruptura entre os artistas diante da arte erudita. No entanto, é memorável que outras expressões, como cinema e fotografia, em ascensão no período, não fizeram parte das discussões da Semana, apesar do caráter visionário lhe era conferida. Desse modo, o evento terminou sem nenhuma imagem oficial registrada.

As discussões em torno da estética que deveria ser adotada pelos artistas brasileiros, entretanto, ultrapassaram as divisas da capital paulista, até então considerada uma cidade provinciana. Anteriores a fevereiro de 1922, o Rio de Janeiro e outras cidades brasileiras também encabeçaram debate, como explica Pereira: "Os participantes da Semana de 22 criavam para si mesmos a marca de uma novidade, apagando a contribuição de outros escritores anteriores, não só em São Paulo. Rio de Janeiro, Belém, vinham fazendo o movimento de aproximação às culturas populares. A Semana de Arte Moderna foi o resultado de um movimento que já vinha em décadas anteriores", afirmou.

Retrato de Oswald de Andrade, pintado por Tarsila do Amaral em 1923 | Reprodução

Os especialistas ressaltam que, apesar da idealização que se tem em torno da Semana de Arte Moderna, o encontro não foi epopeico. Para Boaventura, "quem descreve que a Semana foi um evento grandioso está errado. Foi uma pequena festa em que os artistas usaram o cenário mítico do Theatro Municipal para anunciar o que estavam fazendo e festejar o aniversário da Independência do Brasil". A docente classificou como "fundamental" o papel desempenhado pela imprensa aos anos subsequentes a 1922. "A imprensa foi decisiva para inaugurar a Semana de Arte Moderna, discutir, debater e publicar as obras traduzidas. Mas também, para celebrá-la", pontuou. 

O legado deixado pela Semana de Arte Moderna, no entanto, continua, 100 anos depois. Para Grossmann, "nós estamos falando do contexto da modernidade brasileira. Esse grupo queria fazer um manifesto reunindo artistas, intelectuais com diferentes formações, mas com uma vontade única de começar a pensar o Brasil do futuro, que tivesse características próprias e que pudesse contribuir ao mundo com a sua criatividade. O espírito de vanguarda da Semana precisa estar em novas concepções que estão ocorrendo. Quando assistimos o 'AmarElo' [referência ao álbum do rapper Emicida, lançado em 2019] no Theatro Municipal, é um fruto indireto de 22".

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