O que pode ser feito para coibir a violência policial contra negros?
62,7% dos mortos por policiais são negros; cena de homem preto algemado a moto chamou a atenção nesta semana
Imagens recentes de violência contra um homem negro, algemado e arrastado por uma moto da Polícia Militar, viralizaram nas redes sociais. A violência foi cometida em uma ciclofaixa de uma avenida movimentada na Vila Prudente, zona leste de São Paulo (SP). A testemunha que flagrou o ato, ainda debocha da cena, afirmando que o rapaz era levado igual a um "escravo". Policial responsável por pilotar a moto está sendo afastado das funções. Especialistas consultados pelo SBT News destacam que uma das formas de violência mais evidente contra pessoas negras é a policial.
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Ruth Meyer, diretora de Educação do Campo Direitos Humanos e Diversidade da Secretaria de Educação do Distrito Federal, avalia que a atuação das PMs do país é marcada por muito preconceito, não se tratando de uma questão individual, mas institucionalizada. Ela exemplifica o ponto de vista com a diferença das abordagens em "bairros nobres com brancos quando comparada à postura adotada em regiões periféricas e com predominância negra".
Segundo estudo do Atlas da Violência, os negros têm 2,6 vezes mais chances de serem assassinado em território nacional. Uma outra pesquisa, conduzida pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta que pessoas negras e pardas representam 62,7% da população assassinada por policiais e, também, 78,9% das vítimas de intervenções praticadas pela categoria.
Para Meyer, a discussão sobre processos discriminatórios de cunho racista é um debate urgente. "Grupos sociais desprevilegiados são os principais alvos da ineficiência do estado", salienta. Acontecimentos no Brasil e no mundo corroboram com a importância do debate, como foi o caso de George Floyd -- negro assassinado por policiais brancos --, que aconteceu nos Estados Unidos e gerou comoção internacional e nacional.
Não é dificíl encontrar exemplos também no Brasil. A recente tragédia em São Gonçalo -- onde uma operação realizada após a morte de um policial deixou oito mortos -- expôs uma situação quase rotineira. Segundo a Rede de Observatórios da Segurança, foram 27 chacinas do tipo só este ano no estado do Rio de Janeiro. O dia 6 de maio de 2021 foi marcado pela segunda maior chacina já protagonizada na história do Rio, quando, durante a madrugada, o bairro Jacarezinho foi tomado por agentes públicos e acabou com pelo menos 29 pessoas mortas.
O que pode ser feito?
O advogado e coordenador do programa de enfrentamento à violência institucional da Conectas Direitos Humanos, Gabriel Sampaio, acredita que todas as instituições devem fazer mais para enfrentar esse problema. "Investigações não seguem padrões mínimos estabelecidos em leis e protocolos e autoridades públicas têm sustentado cada vez mais discursos autoritários e refratários ao controle do uso da força", argumenta Sampaio. "A arbitrariedade praticada contra qualquer cidadão, acusado por um crime ou não, enfraquece as instituições e implica em quebra do estado de direito", acrescenta.
Questionado sobre o que pode ser feito para reverter esse cenário, o advogado diz que "a mudança imediata deve ser estabelecer um Plano de Segurança Pública com foco na redução da letalidade estatal e com medidas voltadas para enfrentamento da violência contra pessoas negras". Já Meyer crava que, "seguramente, a educação é o principal caminho".
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Defensor dos Direitos Humanos, com pós-graduação em história da África, o professor Pedro -- que pediu para não ter o sobrenome publicado -- também trouxe à tona a pauta do egresso de pessoas negras em universidades e ambientes antes frequentados por pessoas brancas, comentando o choque e medo que essa mudança gera na sociedade privilegiada: "Eles pensam que dar cota racial para um negro entrar na universidade significa tirar do branco. A população não entende que dar direito a um não vai tirar o direito do outro". Ainda sobre o direito de cotas, Pedro frisa que ele "não é pra consertar, ofertar ou dar nada, mas sim um sistema de reparação porque houve e há necessidade".
Mesmo que a educação institucionalizada atue cada vez mais nessas situações, o papel das mídias e movimentos sociais são de importância notável para a luta por igualdade e direitos, segundo defende Meyer. "É importante que as organizações não governamentais e o âmbito privado façam parte da luta por uma sociedade pautada na equidade de condições e oportunidades a todos rumo à superação de qualquer forma de preconceito, discriminação, exploração e opressão."