Especialistas: integração é vantajosa para alunos com e sem deficiência
Política Nacional de Educação Especial é vista como retrocesso por estudiosos e entidades da área
Discussões sobre a educação de crianças e jovens com deficiência têm sido recorrentes. Nas últimas semanas, o tema chegou a ser discutido em audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF), por conta do decreto 10.502, de 2020, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 30 de setembro de 2020. Entre as alterações, o texto instituiu a Política Nacional de Educação Especial (PNEE), que retoma o modelo de escolas especiais como "alternativa" para crianças e jovens adolescentes com deficiência -- promovendo, então, uma segregação nestes espaços.
A medida não torna obrigatório que todas as crianças e jovens com deficiência estudem em escolas especiais. Entretanto, dificulta -- ainda mais -- o acesso dos mesmos a colégios regulares, uma vez que os responsáveis pelo estudante passam a ser instruídos a procurar por unidades especializadas ao tentarem realizar matrículas em escolas comuns. Até o momento, o decreto está suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e ainda terá seu mérito julgado no plenário da Corte.
O SBT News consultou a especialista em Educação Cláudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) e professora visitante do mestrado em Educação da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Na opinião dela, o decreto abre margem para segregações e é inconstitucional. "Na minha visão, esse decreto é inconstitucional [...] eu entendo que é um grande retrocesso. Evidentemente essas crianças precisam de apoios adicionais e não de segregação", afirma Cláudia.
Além disso, a especialista destaca a necessidade de adaptação e aprimoramento dos colégios regulares. "Ou seja, que essas escolas consigam ter instalações cada vez mais acessíveis para todos os tipos de deficiência e profissionais cada vez mais preparados pra abraçar tanto crianças típicas quanto crianças com deficiência, sem nenhuma segregação", argumenta a professora.
Questionada sobre a criação de unidades especiais -- prevista no decreto --, Cláudia também defende a adequação e inclusão para as crianças e jovens com deficiência, tanto a favor delas como das crianças que não possuem necessidades especiais. "Ter livros na biblioteca, audiolivros, livros em braille, ter toda uma atenção porque a criança que não tem deficiência se beneficia de ser incluída num ambiente em que não há só crianças iguais à elas. Estar imersa em diversidade é bom para os dois lados."
Recentemente, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, fez declarações polêmicas acerca da temática. Em 9 de agosto, em entrevista ao programa Novo Sem Censura, da TV Brasil, o titular do MEC disse que alunos com deficiência "atrapalhavam" o aprendizado de outros estudantes em sala de aula. Semanas depois, Milton Ribeiro também afirmou que "existem crianças deficientes com quem é impossível a convivência".
Posteriormente, por meio de suas redes sociais, o ministro pediu desculpas a quem se ofendeu com as afirmações. Organizações e especialistas em educação consideraram as falas preconceituosas nas duas ocasiões, e demonstraram repúdio. De acordo com o Senado Federal, nesta última 5ª feira (2.set), o ministro da Educação foi convidado a explicar suas últimas declarações na Comissão de Educação (CE) e a audiência está marcada para 16 de setembro.
Ainda que as declarações tenham sido justificadas e colocadas dentro de algum contexto -- de acordo com Milton Ribeiro --, Cláudia Costin considera a fala "muito triste e insensível". A especialista ainda acrescenta: "As crianças com deficiência não atrapalham em nada o desempenho dos demais. Ao contrário, ajudam a desenvolver empatia, que é aprender a se colocar no lugar do outro, aprendem a viver na diversidade, então, eles ajudam muito em um processo de humanização das crianças. Não é só na socialização no sentido mais amplo, mas da humanização de crianças e adolescentes. Frases como a dita pelo ministro Milton Ribeiro prestam um desserviço para a educação".
Entre as associações que lutam pelos direitos das pessoas com deficiência, o clima também é de revolta com as afirmações do ministro. Luiz Gonzaga Chafi Hallack, presidente da Associação de Livre Apoio ao Excepcional (ALAE), avalia que Milton Ribeiro age pelos interesses das escolas particulares. "No Brasil, o sistema público está preparado para receber as pessoas com deficiência. O que este governo e o ministro têm feito é eximir as escolas particulares das obrigações e direitos da pessoa com deficiência, como o atendimento educacional especializado complementar. Até dois anos, es escolas particulares cobravam um adicional das familias, o que foi proibido pelo STF", opina Chafi.
O presidente da ALAE também defende que a inclusão das crianças com deficiência em turmas regulares aconteça o mais cedo possível, e que os benefícios disso se estendem também ao restante da população. "Há uma tecnologia que a escola regular tem que absorver que é fazer um planejamento educacional para todos. A pessoa com deficiência tem o direito, e o melhor ambiente para ela é nas classes regulares. A vantagem é para a sociedade, conviver com a diferença faz parte da formação de qualquer cidadão, e quanto mais cedo essa convivência for estabelecida, melhor é para o conjunto da sociedade da população. Os antigos estigmas de que as pessoas ditas 'normais' copiariam o comportamento das pessoas com deficiência já está ultrapassado", arremata.
Procurado pela reportagem, o MEC informou em nota que o ministro "reforça compromisso de sua gestão com a educação especial", que "a nova política adotada pelo governo federal amplia direitos, opções e o respeito à escolha das famílias" e que, "diante disso, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, lamenta as falas mal interpretadas que alunos com deficiência 'atrapalham' o aprendizado de outros alunos".
Confira a íntegra da nota:
"Ministro Milton Ribeiro reforça compromisso de sua gestão com a educação especial
O Ministério da Educação (MEC) reforça seu o compromisso na implementação de ações e políticas públicas voltadas a Educação especial, a fim de promover o desenvolvimento educacional dos alunos com deficiência.
Segundo dados do último Censo Escolar, de 2020, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o número de matrículas da educação especial chegou a 1,3 milhão em 2020, um aumento de 34,7% em relação a 2016.
O maior número delas está no ensino fundamental, que concentra 69,6% das matrículas da educação especial. Quando avaliado o aumento no número de matrículas entre 2016 e 2020, percebe-se que as de educação profissional concomitante/subsequente são as que mais cresceram, um acréscimo de 114,1%.
Dados levantados pelo MEC, apontam que cerca de 12% desses alunos, não são devidamente beneficiados nas escolas regular e se encontram excluídas do direito ao pleno desenvolvimento. O Ministério da Educação entende, que esses estudantes são merecedores de atendimentos múltiplos e especializados, que seja capaz de garantir com equidade seu desenvolvimento educacional.
Para tanto, o Ministério da Educação destinou na gestão do ministro Milton Ribeiro, mais de R$ 257 milhões de reais para execução de ações voltadas ao ensino especial em todo o país, como formação de professores de educação básica da rede pública de ensino e a equipagem/abertura de novas salas de recursos multifuncionais para atendimento especializado, espaços educacionais equipados e coordenados pedagogicamente para oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Investimento esse, realizado pela Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação (Semesp).
O MEC destaca, que a nova política adotada pelo governo federal, amplia os direitos, opções e o respeito à escolha das famílias, conhecedoras de suas realidades singulares. A medida não é impositiva, sendo uma opção de escolha, até então, não oferecida aos que necessitam de atendimento especializado.
A atuação do ministério tem contribuído significativamente para assegurar aos estudantes da educação especial, condições de acessibilidade a Base Nacional Comum Curricular, com materiais didáticos e espaços físicos adaptados às suas necessidades.
Diante disso, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, lamenta as falas mal interpretadas que alunos com deficiência "atrapalham" o aprendizado de outros alunos, durante entrevista ao programa Novo Sem Censura, da TV Brasil, no dia último dia 9/8."