Venezuela, Estados Unidos e tarifaço: o que está em jogo na viagem de Lula à Colômbia
Tom do presidente brasileiro indicará até que ponto ele está disposto a enfrentar Trump sobre mais um tema sensível em meio às negociações sobre o tarifaço


Murilo Fagundes
Enviado especial à Colômbia — O Mar do Caribe em que barcos venezuelanos foram atacados pelos Estados Unidos é o mesmo que banha a cidade de Santa Marta, na Colômbia. Uma extensão de águas tropicais que une, sem fronteiras visíveis, as costas dos dois países latino-americanos.
E é nessa cidade costeira, de cerca de 600 mil habitantes, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca neste domingo (9) para participar da cúpula da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos), em um momento de alta tensão entre Washington e Caracas e de incerteza na região.
A confirmação da presença de Lula foi decidida de última hora, após semanas de escalada militar dos Estados Unidos no Caribe e de aumento da repressão interna na Venezuela. O encontro, que deveria discutir cooperação entre América Latina e Europa, ganhou contornos estratégicos e diplomáticos.
Lula chega à Colômbia em meio a uma virada positiva nas delicadas negociações com o governo americano sobre o tarifaço, o pacote de sobretaxas anunciado por Donald Trump sobre produtos brasileiros. O desafio, então, é defender a paz e a soberania regional sem comprometer as tratativas econômicas com Washington.
Somado a isso, a cúpula acontece em clima de divisão. Poucos países da Celac enviarão chefes de Estado, e muitos governos optaram por representações técnicas para evitar declarações que possam tensionar a relação com os Estados Unidos.
A presença de Lula, solicitada pelo governo do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, é arriscada e busca dar peso político à posição sul-americana de defesa da paz, mas, se for seguido o planejamento inicial, o discurso buscará evitar um alinhamento a Nicolás Maduro.
A fala do presidente brasileiro tende a mencionar a defesa da paz na América Latina e no Caribe, mas pretende excluir referências à “solidariedade à Venezuela”. A retirada do termo reflete a tentativa do governo de se distanciar de uma retórica que possa ser interpretada como apoio direto ao regime venezuelano, num momento em que as atenções estão voltadas para a escalada militar e diplomática dos Estados Unidos.
O termo “solidariedade”, inclusive, foi usado em entrevista pelo chanceler de Lula, Mauro Vieira, que posteriormente foi alertado por integrantes do próprio governo.
Apesar do contexto sensível e das negociações em curso com Washington sobre o tarifaço, fato é que Lula decidiu manter a viagem e o discurso.
Segundo fontes do governo, o presidente está convencido de que o Brasil não pode se omitir diante da escalada militar no Caribe e deve reafirmar o princípio da não intervenção.
Uma delas resume o espírito da missão e diz que Lula prefere correr o risco político a “trocar a paz da região por alguns trocados”.
A frase reflete a decisão de sustentar uma posição independente, mesmo que isso cause desconforto em um momento de reaproximação com os Estados Unidos.
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O temor de Lula
O envio de navios de guerra americanos ao Caribe reacendeu temores de um colapso político em Caracas, com possíveis impactos migratórios e econômicos sobre países vizinhos.
Para o Palácio do Planalto, uma crise desse tipo aumentaria a pressão sobre as fronteiras do Norte e colocaria à prova a capacidade do país de mediar conflitos regionais.
A avaliação é de que não há justificativa para o uso da força e que qualquer solução deve passar pelo diálogo multilateral.
Enquanto o Brasil tenta moderar o tom, Maduro reforça o controle interno.
Segundo a imprensa estrangeira, o governo venezuelano intensificou as prisões de dissidentes, enviou grupos paramilitares conhecidos como coletivos para bairros populares e ampliou o controle social sobre a população civil.
Numerosas, mas enfraquecidas, as tropas venezuelanas contam com cerca de 150 mil soldados e uma milícia civil estimada em até 1 milhão de integrantes, equipada com mísseis russos, drones iranianos e veículos blindados chineses.
Segundo o jornal New York Times, os caças Sukhoi de fabricação russa formam a espinha dorsal da defesa aérea venezuelana, mas boa parte do equipamento está obsoleta ou mal conservada.
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Jogada arriscada
O tarifaço de Trump, que elevou tarifas sobre produtos brasileiros, também paira sobre a reunião. O governo brasileiro tenta negociar compensações e enxerga a medida como parte de um contexto mais amplo de pressão econômica sobre economias emergentes. A diplomacia busca adotar um tom moderado, condenando a escalada militar sem romper o diálogo comercial com Washington.
O documento final da cúpula será redigido pelos presidentes da Colômbia, Gustavo Petro, e do Conselho Europeu, António Costa, e deve incluir referência aos ataques a embarcações no Caribe sob o argumento de combate ao narcotráfico.
Mesmo sem expectativa de consenso, a presença de Lula evita o fracasso total da reunião e refuta o isolamento da América do Sul, além de recolocar o Brasil no centro do debate sobre segurança e soberania no hemisfério.
Em contrapartida, no contexto interno, mexe com um vespeiro: o antipopular aceno à Venezuela.
Entre tarifas, navios e desconfianças políticas, a reunião de Santa Marta simboliza o impasse atual da região: o esforço de equilibrar pragmatismo econômico e defesa da paz em meio à disputa de poder entre Caracas e Washington.









