Porta-aviões enviado ao Caribe expande ação militar dos EUA
Envio demonstra que o foco da defesa militar norte-americana não está concentrado apenas na Ásia ou Oriente Médio

Washington DC - A notícia foi descrita pelos jornais norte-americanos como "uma escalada expressiva" nos combates militares do Caribe que se intensificaram no último mês. Em alguns dias, o Gerald R. Ford, porta-aviões que transporta até cinco mil marinheiros e cerca de 75 aeronaves de ataque, incluindo caças militares, chegará às águas no entorno da América Central.
Nas administrações passadas norte-americanas, democratas e republicanas, o envio de um porta-aviões - normalmente ao Oriente Médio - sempre significou demonstração de força e um sinal de que o conflito em questão deveria ser resolvido quanto antes. Agora, o sinal é diferente. Os Estados Unidos estão em combate direto com os cartéis de drogas da América Latina em uma guerra, até agora, visualizada pelas explosões dos barcos de alta velocidade destruídos pelos aviões enviados à região.
Em um evento na Casa Branca na última quinta-feira (23), o presidente Donald Trump e o secretário de Guerra Pete Hegseth foram claros. Disseram que os cartéis são classificados como organizações terroristas nos Estados Unidos e que devem ser combatidos com os recursos usados para este fim. Citaram a guerra contra os opioides que mataram milhões de americanos nos últimos anos, muitos adolescentes.
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Até esta sexta-feira (24), 10 barcos foram bombardeados no mar do Caribe porque, segundo o governo americano, transportavam drogas que tinham como destino os Estados Unidos. O foco da Casa Branca também está na Colômbia e em Gustavo Petro, que foi sancionado economicamente conjuntamente com familiares por, segundo o Departamento de Tesouro norte-americano, agir de maneira a não impedir o crime organizado, especialmente os cartéis. É fato que pela primeira vez em décadas os Estados Unidos voltam a focar em um problema que atinge países em todo o continente: o desafio de combater o narcotráfico. Desta vez, no entanto, o foco não está em nomes como Pablo Escobar, mas em líderes de nações latino-americanas.
Histórias de uma correspondente
Do lado venezuelano, Nicolás Maduro - apontado pelos Estados Unidos como o chefe do Cartel de Los Soles - nega qualquer envolvimento com o crime organizado e tenta enviar recados de aproximação. Maduro enfrentou as primeiras eleições em 2013 após a morte de Hugo Chávez, que faleceu por complicações de um câncer. No ano anterior, 2012, Chávez - mesmo doente - concorreu às eleições e ganhou com 55%. O oponente era Henrique Capriles que obteve 44% dos votos.
"Hoje eu sei que perdi mesmo para o Chávez mas tenho certeza que eu ganhei do Maduro", me disse Henrique Capriles em uma entrevista em Caracas em agosto de 2017.
Ele explicitava ali a cumplicidade da liderança do CNE, Conselho Nacional Eleitoral Venezuelano, com o regime de Maduro. Na nossa entrevista, Capriles deixou claro que já não acreditava que as eleições que ele participou a última vez eram corretas e democráticas.

Em 2013, com a morte de Chávez, Capriles concorreu contra Maduro que se apresentava como o sucessor do chavismo. Segundo os resultados oficiais, Capriles teve 49,1% e Maduro 50,6. Por muito pouco a oposição não venceu no primeiro embate nas urnas sem Chávez
Em 2017, Capriles já estava inabilitado a concorrer a qualquer cargo público por 15 anos. A entrevista aconteceu em um local que só soubemos o endereço de última hora. A preocupação com a segurança de um dos maiores nomes da oposição venezuelana era visível. Capriles estava magro e fazia uma live com vários celulares posicionados em cima da mesa. Emitia mensagens de manter o diálogo apesar de claramente saber que o caminho democrático, ali, já não existia. Também ficou evidente o receio que ele tinha do entorno de Maduro.
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Em outubro de 2022 entrevistei na capital americana Leopoldo López. Foi a primeira vez que o vi depois de ter testemunhado sua prisão em 2014 na frente de uma multidão em Caracas. Mais uma vez, eu cobria os protestos do povo venezuelano contra Maduro. López havia fundado um movimento chamado "A Saída" tentando forçar a renúncia do então presidente por protestos populares. Jovens, mulheres e famílias inteiras foram às ruas.
Na entrevista nos Estados Unidos, há três anos, López me relatou as agressões físicas que sofreu quando estava preso. Retiram um dente dele sem anestesia. López também relatou ter sido mantido na solitária por muitos dias sem ver o sol. Histórias que ele prefere não contar nas entrevistas porque, segundo Leopoldo López, isso é dar lugar à fraqueza.

Em 2014, quando viajei à Venezuela para cobrir os protestos, os bairros chavistas de Caracas ainda estavam com Maduro, mas o descontentamento com a inflação de três dígitos e o desabastecimento nas prateleiras dos mercados era gritante. Faltava até papel moeda. Os caixas eletrônicos já não tinham mais dinheiro suficiente. O regime de Maduro respondeu com violência em 2014. Jovens foram mortos, manifestantes foram presos e nossa equipe de reportagem, naquele ano, chegou a ficar presa no topo de um edifício enquanto a Guarda Nacional bolivariana disparava na praça Altamira contra todos que se aproximavam.
Quando o mundo chama Maduro de ditador é pela distorção da democracia que ele costurou aos poucos. A Assembleia Nacional foi inabilitada e uma Constituinte foi eleita em 2018. Seria algo provisório e virou permanente. Os juízes da Suprema Corte venezuelana foram substituídos por nomes ligados à cúpula do poder do país. O CNE tem nomes da cúpula madurista apesar de, em cada eleição, o governo chamar observadores que são em sua totalidade defensores de quem governa o país. Agora, as acusações contra Nicolás Maduro vão muito além do poder ampliado que torceu as instituições democráticas.
Os Estados Unidos afirmam que Maduro é o chefe de um cartel, oferecem uma recompensa milionária por informações que levem à sua prisão e demonstram que não medirão esforços para acabar com o tráfico que afeta os Estados Unidos.
As instituições que premiam os nomes que trabalham por justiça social também pedem uma mudança no comando venezuelano. Maria Corina Machado, o único grande nome da oposição venezuela que segue no país e que escapou da prisão - mas vive em endereço não conhecido por segurança - ganhou o Nobel da Paz pelos anos seguidos de tentativa de restabelecer os caminhos democráticos no país da América do Sul.





