Alvo de embate entre EUA e Brasil, “Mais Médicos” leva atendimento onde há escassez de profissionais
Programa reúne médicos brasileiros e estrangeiros para ampliar atendimento primário. No interior de SP, médica cubana atende brasileiros há 11 anos
Simone Queiroz
Gabriel Passeri
A médica brasileira Tatiana Morais é psiquiatra infantil e atua como generalista no programa Mais Médicos. Ela se candidatou a uma vaga após concluir a faculdade de Medicina no Paraguai e revalidar o diploma para trabalhar no Brasil.
“Você vê a evolução do paciente, consegue acompanhar passo a passo como ele tem evoluído e nos pontos em que deve ser feita uma intervenção. É algo que está no meu sangue, sempre gostei desde a época de estudante. Eu acreditava que poderia ser mais útil para a população”, disse Tatiana.
Atualmente, o Mais Médicos conta com 26.400 profissionais, sendo 85% brasileiros, 10% cubanos e 5% de outros países. Eles atuam em 4.500 municípios, principalmente em regiões de maior vulnerabilidade, onde o sistema público historicamente enfrenta dificuldades para fixar médicos. O salário é de R$ 14 mil, pago em sua maior parte com recursos federais, com complemento das prefeituras.
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Em Hortolândia, no interior de São Paulo, 23 médicos do programa representam quase 30% dos profissionais de atenção primária, e fazem diferença no atendimento à população, afirma a Secretária-adjunta de Saúde, Jenifer Bazilio
“Hoje, os Mais Médicos atendem de forma diferenciada porque partem da estratégia de cuidar da família como um todo. Criam vínculo com a população, com crianças, idosos, acompanhando a família desde o início até o envelhecimento”.
No bairro mais populoso de Hortolândia, uma unidade de saúde cobre uma área com mais de 20 mil moradores. Cinco médicos são responsáveis pelo atendimento, quatro deles do programa federal. Entre os profissionais está a doutora Elia Ortiz, que integra os Mais Médicos há 11 anos.
Elia é cubana, já atuou na Venezuela e em países da África antes de aceitar a vaga no Brasil. No contrato assinado em 2014, recebia apenas parte do salário para viver aqui, pois o restante era enviado a Cuba.
No centro da polêmica
Nesta semana, o secretário de Estado americano, Marco Rubio, acusou o Brasil de explorar médicos e beneficiar financeiramente o regime cubano. A médica Elia Ortiz, discorda da afirmação.
“Uma parte [dos valores do programa] ia para Cuba, como parte dos mecanismos estabelecidos. Nós entendemos e assinamos, porque isso favoreceria minha população e o sistema de saúde de Cuba”, contou a Dra. Elia.
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Durante o governo Jair Bolsonaro, Cuba suspendeu a participação no Mais Médicos após o anúncio de novas exigências, como aplicação de testes de capacidade e garantia de salário integral aos cubanos. Em 2023, com a volta de Lula à presidência, o programa foi retomado, priorizando profissionais brasileiros. Com o diploma validado e vínculos no país, Elia retornou ao programa.
“Hoje recebo 100% do meu salário, faço o que quero com ele, mando para Cuba quanto eu quiser, ajudo aqui ou lá. Isso foi muito bom. Muitos colegas precisaram ir embora em 2018, mas eu decidi ficar porque estava casada”, relatou.
Na unidade de saúde, que usa o serviço aprova o trabalho de profissionais do programa Mais Médicos: “É um atendimento diferente. Antes você nem sentava na cadeira e já mandavam levantar. Agora, a médica é carinhosa”, conta uma paciente.
Outros relatam melhora no atendimento. Para eles, a nacionalidade do médico não importa: o essencial é ser bem atendido.