Internações para tratamento contra o vício em jogos de azar quase dobram em São Paulo
Buscas por tratamento contra a ludopatia aumentaram significativamente, impulsionadas pelo crescimento das apostas online
Fernanda Trigueiro
Thiago Dell'Orti
Nos últimos anos, o número de atendimentos e internações de pessoas que buscam tratamento contra a ludopatia, o vício em jogos de azar, aumentou consideravelmente em São Paulo. A explosão das apostas online tem sido um dos principais fatores desse crescimento. De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde (SES), a procura por ajuda praticamente dobrou no estado nos últimos três anos.
Alex Cambolete, técnico em enfermagem, está internado há duas semanas após perder R$ 25 mil em apostas online. "Eu quis me expor porque muita gente precisa entender o que realmente está acontecendo. Os influencers mentem. Eles mostram que estão jogando e sempre ganham, mas nunca mostram as perdas", desabafa Alex.
Influenciado por essas promessas de ganhos rápidos, Alex passou meses jogando, gastando salários, economias e pegando dinheiro emprestado. Agora, ele luta para quitar suas dívidas e recomeçar a vida. "Eu criei na minha mente que, para ficar em paz comigo mesmo, preciso pagar todas essas pessoas", disse.
Na clínica onde está internado, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, Alex não é o único em tratamento contra o vício. Lúcio Mauro Alves da Silva, diretor terapêutico da clínica, alerta para a gravidade da situação: "Nos últimos meses, de cada cinco pacientes que nos procuram, dois têm problemas com jogos, muitas vezes associados ao uso de substâncias químicas, como cocaína ou álcool".
A dependência de jogos de azar, assim como o uso de drogas, ativa a parte do cérebro ligada ao prazer e à recompensa. Isso libera dopamina, substância que gera uma sensação de euforia. No entanto, com o tempo, são necessários estímulos maiores para alcançar a mesma satisfação.
A Organização Mundial da Saúde reconhece a ludopatia como uma doença. O psiquiatra Fábio Cantinelli explica que o tratamento inclui prevenção de recaídas e, em muitos casos, o uso de medicação. "Às vezes, é necessário um 'freio químico' para ajudar o paciente a controlar os impulsos", esclarece.
O aumento das apostas esportivas, liberadas pelo governo federal em 2018, intensificou o problema. Nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) de São Paulo, o número de atendimentos a pessoas com vício em jogos saltou de 191, no primeiro semestre de 2022, para 367, no mesmo período de 2024. Já as internações passaram de três para cinco no mesmo intervalo.
Guilherme Vinícius Ramos, de 29 anos, está internado há três meses e sabe que seu maior desafio será aprender a usar o celular sem cair novamente nas armadilhas das apostas. "Com o celular, posso destruir minha vida de novo", afirma.