Vídeo com ameaça atribuído a facção impõe “fim dos roubos” em Paraisópolis
Especialistas afirmam que ordens buscam evitar ações policiais que prejudiquem o tráfico; dados da SSP mostram quase 19 mil furtos e roubos na região em 2025
Juliana Tourinho
Um vídeo em tom de ameaça passou a circular nas redes sociais nos últimos dias. Nas imagens, homens que seriam integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) afirmam que “esgotou a paciência” com os roubos em Paraisópolis, uma das maiores comunidades da zona sul de São Paulo.
A mensagem, que ganhou repercussão imediatamente, determina o “fim dos roubos” em áreas controladas pela facção e cita moradores, amigos e parentes como potenciais alvos caso as ordens não sejam cumpridas.
De acordo com especialistas, esse tipo de comunicado não tem relação com proteção à população, mas sim com interesses do crime organizado. “Quando há uma série de crimes naquela região, isso chama a atenção das autoridades. A polícia se faz presente, e isso inevitavelmente atrapalha o negócio ilícito do tráfico de drogas”, afirma Edson Pinheiro, diretor do sindicato dos Delegados da Polícia Civil.
A ameaça também mira os comerciantes da comunidade: o vídeo alerta que quem comprar produtos provenientes de roubos e furtos poderá ser punido pelos criminosos.
Escalada dos crimes em Paraisópolis
Segundo a Secretaria da Segurança Pública, entre janeiro e outubro deste ano, as delegacias do entorno de Paraisópolis registraram:
- 18.700 furtos e roubos de celulares;
- 3.700 roubos e furtos de veículos;
- 168 casos de roubos de carga.
Os números reforçam a pressão exercida pelo crime organizado para reduzir a exposição da área — e, com isso, evitar operações policiais que atinjam o tráfico.
Falsa sensação de segurança
A atuação de facções impondo regras não é exclusiva da Zona Sul. Em Perus, na zona oeste, a equipe do SBT News flagrou uma faixa com determinações de criminosos. O aviso proibia moradores de “dar grau” — manobras arriscadas com motocicletas.
Mesmo assim, há quem diga sentir-se mais protegido sob o domínio de grupos criminosos. “Eles mesmo ajudam a proteger a comunidade... me sinto mais seguro dentro da quebrada do que pra fora”, afirma o motoboy Mateus Barbosa.
Para especialistas, no entanto, trata-se de uma falsa sensação de segurança que mascara a ausência do Estado.
Cláudio Silva, ex-ouvidor das polícias de São Paulo, explica: “O poder paralelo aparece onde o Estado não chega. Ele oferece uma solução não amparada na lei, baseada na violência e na cobrança. Quem mora na periferia sabe que isso significa agressão, morte e outras formas de coerção”.
Falta de políticas públicas
O delegado Edson Pinheiro reforça que ações estruturais são essenciais para reduzir a influência do crime organizado nas comunidades.
“Há necessidade de políticas voltadas à educação, esporte e cultura. São mecanismos que afastam a criminalidade e permitem que o jovem trilhe outros caminhos.”
Enquanto o Estado não ocupa plenamente esses territórios, vídeos como o divulgado em Paraisópolis seguem evidenciando como o poder paralelo dita regras, impõe medo e interfere diretamente na vida de milhares de moradores.







