Reeleição de prefeitos mostra o poder da gestão local e das alianças políticas
Para especialista da FGV, serviços básicos e emendas do 'orçamento secreto' impulsionaram gestores em cidades pequenas
No xadrez da política, a eleição municipal de 2024 deixou recados importantes para os principais cabos eleitorais de candidatos a prefeituras em todo o Brasil, em especial para o presidente Lula (PT), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A alta taxa de reeleição de prefeitos brasileiros, principalmente em municípios com menos de 50 mil habitantes, está diretamente ligada à eficiência na gestão de serviços básicos e ao acesso a recursos federais, segundo análise do especialista Eduardo José Grin, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
"É aquele prefeito que se comportou como um bom síndico, uma boa síndica, colocando em outros termos: garantir asfaltamento, a luz da rua estava funcionando, a escola estava aberta, o posto de saúde funcionou... isso fez com que fosse bem avaliado pela população", avalia Grin. Esse perfil de administrador, focado na zeladoria da cidade, é valorizado por cerca de 90% dos municípios, segundo o especialista.
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Além das ações diretas dos administradores municipais, Grin ressalta o apoio financeiro desigual que algumas prefeituras receberam ao longo dos últimos anos com as emendas do chamado "orçamento secreto", vantajosas para prefeitos aliados a parlamentares influentes.
"Ele se torna um candidato com muito mais recurso do que os seus oponentes. Então, a dificuldade do oponente de transpor esse muro, foi muito maior esse ano. Razão pela qual nós tivemos taxas de reeleição bastantes significativas sobretudo naqueles partidos que nós chamamos de 'centrão' - MDB, PSB, União Brasil, Republicanos, PP e o próprio PL - que entra na extrema direita, mas vai ao centro para fazer parte desse conglomerado", explica o professor da FGV
Polarização e estratégias partidárias
A análise de Grin destaca também a mudança na distribuição das prefeituras entre os partidos. O Partido Liberal (PL), por exemplo, ocupou um espaço que antes pertencia ao PSDB, ao passo que os partidos de centro-direita e centro-esquerda mantiveram o mesmo número de prefeituras.
No entanto, o avanço do PL acabou atraindo eleitores conservadores para candidatos considerados "menos extremistas". Em algumas cidades, houve resistência em vincular campanhas diretamente a Bolsonaro, devido à alta rejeição em certas regiões. "Sebastião Melo, em Porto Alegre, escondeu o Bolsonaro", lembra Grin. "Bolsonaro era um aliado perdido no meio de uma coligação de partidos. Ricardo Nunes em São Paulo, mesmo tendo o seu vice indicado pelo Bolsonaro, escondeu o ex-presidente", exemplifica.
No campo progressista, segundo avaliação do especialista da FGV, o PT apresentou crescimento modesto em relação a 2020, por ainda enfrentar resistência devido ao histórico da Lava Jato. O partido teve melhor desempenho quando optou por alianças amplas.
"O PT ainda sofre muita resistência do cenário provocado pela Lava-Jato, muita dificuldade de fazer alianças mais ao centro. Onde o PT conseguiu ter coligações mais amplas, foi mais vitorioso, mesmo onde ele não tenha sido cabeça de chapa. É o caso do João Campos em Recife, do Eduardo Paes no Rio de Janeiro e agora, no segundo turno, com o Fuad Noman, em Belo Horizonte", exemplifica Grin.
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Impacto da rejeição e futuro eleitoral de Bolsonaro e Lula
Com rejeição significativa em várias cidades, o ex-presidente Bolsonaro "não funcionou bem como cabo eleitoral", avalia Grin. Ele realizou apostas políticas que se mostraram erradas, como em Goiânia, onde o candidato do PL, Fred Rodrigues, perdeu para Sandro Mabel (União Brasil), candidato do governador Ronaldo Caiado, e em Fortaleza, onde Evandro Leitão (PT) venceu André Fernandes (PL).
O PL de Bolsonaro sofreu derrota na maior parte das capitais a que concorria - perdeu em sete, de um total de nove. As derrotas ofuscam ainda mais os planos políticos o ex-presidente para 2026, sem contar com a inelegibilidade até 2030.
Na outra ponta, o presidente Lula (PT) optou por um envolvimento seletivo nas campanhas, ponderando os desafios de manter apoio no Congresso. O cálculo estratégico de Lula buscou evitar disputas que pudessem dificultar alianças necessárias para aprovar reformas, na avaliação de Grin. O especialista sugere que o presidente está mais inclinado a ampliar coligações com partidos de centro para fortalecer a base governamental, olhando para 2026.
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Tarcísio de Freitas: um novo protagonista?
O governador paulista é o grande vitorioso desta eleição municipal, segundo o especialista da FGV. Ele aparece como um nome emergente na política nacional, após ter validado a campanha do prefeito reeleito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), não dependendo mais diretamente de Bolsonaro.
Com apoio do PSD e uma ampla base de prefeitos, "Tarcísio fortalece sua musculatura política para 2026, consolidando sua posição com respaldo de Gilberto Kassab (PSD) e outros líderes do centrão", avalia Grin.
Mudança geracional na política brasileira
Outro ponto crucial apontado pelo professor d FGV na corrida municipal foi a transição geracional nos partidos. Com uma nova geração de políticos conservadores, como André Fernandes e Nikolas Ferreira, "a direita tem candidatos jovens com discurso alinhado às mudanças de valores na sociedade".
Já no PT, essa renovação enfrenta dificuldades, pois o partido carece de jovens líderes de destaque que dialoguem com as transformações sociais, na avaliação Grin.